Segundo o Greenpeace, entre 2019 e 2022, foram liberados 2.182 agrotóxicos no Brasil, que é o maior consumidor do produto no mundo -  (crédito: Freepik)

Segundo o Greenpeace, entre 2019 e 2022, foram liberados 2.182 agrotóxicos no Brasil, que é o maior consumidor do produto no mundo

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Muito se fala sobre os problemas que os agrotóxicos causam na saúde. No Brasil, o boom do uso e incentivo desses produtos na agricultura leva à década de 1960, com maior ênfase a partir dos anos 1970, no que ficou conhecido como Revolução Verde. Apenas 52 anos depois, em 2012, a política de vigilância da saúde em populações expostas aos agrotóxicos foi desenvolvida no país. Isso deixou muitas pessoas vulneráveis aos efeito nocivos desses tipos de produto, muitas vezes se deparando com doenças ou alterações no funcionamento normal do organismo, sem saber o que está de fato acontecendo.

 

Dados do Greenpeace mostram que, entre 2019 e 2022, foram liberados 2.182 agrotóxicos no Brasil, que é o maior consumidor do produto no mundo. Uma lacuna entre a acessibilidade de consumo e as medidas de saúde para evitar e tratar intoxicações. Sabidamente, serviços de saúde se omitem em não considerar como urgente a vigilância entre comunidades claramente expostas a agrotóxicos, o que reforça a necessidade de fortalecimento e a transparência nos sistemas de informação sobre esse tipo de contaminação.


 

 

Um recorte sobre a questão agora parte de estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O foco é a saúde de mulheres, mães, bebês e crianças, desde o momento da concepção até anos mais tarde. A pesquisa confirma que a exposição aos agrotóxicos altera os óvulos, provoca gestações de risco, abortos repetitivos e afeta os bebês ainda no ventre, resultando em quadros de má formação congênita e cânceres. Outras situações podem ser a puberdade precoce, e diversos desequilíbrios no sistema reprodutivo.

 

Um exemplo de produtos perigosos são os chamados organoclorados e piretroides, que foram encontrados no sangue e na urina de comunidades agrícolas na Chapada do Apodi, no Ceará, o que motivou estudos mais aprofundados sobre a situação por parte de cientistas da região.

 

Os organoclorados são compostos químicos utilizados como inseticidas. O chamado DDT é um dos produtos que contêm esse ingrediente. Pode ocasionar alterações hormonais com diversas consequências para a saúde reprodutiva das mulheres. Tem capacidade de permanência na água e no solo, e por isso seu uso foi proibido em 1985. Ainda assim, resíduos continuam impactando a população.

 

Também inseticidas e utilizados de forma massiva no Brasil, sem clareza quando à adoção de boas práticas agrícolas para evitar a contaminação,  os piretroides, uma vez classificados como de baixa toxicidade, são aplicados em inseticidas domésticos.

 

Vulneráveis

 

Quando se trata das mulheres, essas substâncias são perigosas e impactam a saúde desde o ventre até a velhice, como mostra a nota técnica organizada pela Abrasco, intitulada Saúde reprodutiva e a nocividade dos agrotóxicos. Segundo membros do grupo de trabalho da entidade, as pulverizações aéreas podem afetar locais diferentes daqueles onde foi realizada a aplicação do agrotóxico, já que o produto pode ser carreado pelos ventos, pela contaminação da água, dos alimentos, pelo uso doméstico ou na lavagem de roupas e equipamentos contaminados. É o que caracteriza a chamada "deriva", desvio de rota dos agrotóxicos pela corrente de ar ou pelas águas subterrâneas.


 

No cultivo de melão no Ceará, como citado em pesquisas, o inseticida Sperto, muito utilizado, tem entre seus componentes acetaprimido e bifentrina. A primeira substância pode causar danos ao sistema reprodutivo, aos rins e ao cérebro, e a bifentrina está relacionada a neurotoxicidade, obesidade e desregulação endócrina, além de ser tóxica para as abelhas.

 

Quando ocorrem interferências nos gametas, também está comprometida a saúde das próximas gerações e, com os danos ao sistema genético, famílias presentes e futuras são vulnerabilizadas. Entre outras consequências da exposição, estão infertilidade masculina, danos nos óvulos, abortos espontâneos e malformações congênitas. Crianças expostas também podem sofrer puberdade precoce, câncer infantojuvenil e distúrbios cognitivos.

 

Bebês podem ser contaminados pela exposição ainda no ventre ou pela ingestão de leite materno contaminado. Agrotóxicos acarretam ainda alterações em diversas fases do desenvolvimento do feto, desde os óvulos até a embriogênese (fase embrionária) e o desenvolvimento fetal, resultando no baixo peso ao nascer e na prematuridade, como reforçam pesquisadores.



 

Segundo a Abrasco, há um conjunto de danos à saúde reprodutiva que devem ser observados: a mutagenicidade, a teratogênese, a carcinogênese, a desregulação endócrina e os danos ao desenvolvimento fetal. Tais efeitos devem orientar a proibição do registro e da comercialização de produtos que possam causá-los, conforme orienta a entidade.

 

"É provável que essa seja uma razão para que os referidos agravos não sejam diagnosticados e/ou reportados. Os agravos são invisibilizados ou negligenciados no contexto brasileiro, principalmente pela baixa produção científica a respeito do tema e pela ausência de notificações ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN)", consta na nota técnica da Abrasco.

 

 

O dossiê agora divulgado foca a saúde reprodutiva, já que os danos nela produzidos, decorrentes da exposição aos agrotóxicos, são considerados os mais graves e os de maior custo social por sua amplitude e gravidade. Também porque, conforme a Abrasco, esses problemas de saúde não constam claramente nas estatísticas oficiais e nas ações de cuidado.

 

"Por essas razões, o presente dossiê é importante na medida em que desperta a atenção da sociedade e das autoridades do setor de saúde, entre outros, para os perigos dos agrotóxicos à saúde reprodutiva", reforça a associação.

 

Contexto

 

O trabalho busca apresentar um conjunto de denúncias e anúncios importantes para orientar políticas concretas, visando à redução de situações de risco para a saúde reprodutiva em contexto de exposição aos agrotóxicos. "Espera-se que ele possa contribuir para a implementação das medidas de proteção, prevenção e cuidado da saúde reprodutiva das populações vulneráveis às consequências nocivas dos agrotóxicos", diz o texto.

 

 

Uma situação grave, que no dossiê é ilustrada com casos ocorridos em comunidades dos estados do Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Ceará, considera recorrentes violações de direitos humanos relacionadas à prática da pulverização aérea de agrotóxicos por aviação e drones. Foram analisados três casos de comunidades afetadas em seus territórios e, a partir dessa análise, propõe-se um caminho participativo para a demanda da reparação integral.

 

 

Em uma das abordagens, o documento da Abrasco traça um panorama dos graves problemas econômicos e socioambientais dos agrotóxicos no país, os quais reforçam a importância de se conhecer os processos de vulnerabilização da vida provocados pelo mercado dos agrotóxicos no país, entre eles:

 

- O consumo global de agrotóxicos está aumentando a despeito das reconhecidas consequências sanitárias e ecológicas

 

- Cerca de 385 milhões de agravos à saúde ocorrem anualmente no mundo devido à exposição aos agrotóxicos

 

- Agrotóxicos proibidos na Europa por motivos ecológicos ou de saúde ainda continuam sendo produzidos e exportados para outros países

 

- O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e permite níveis mais altos de resíduos desses produtos nas águas e nos alimentos do que os países da União Europeia

 

- Os ingredientes ativos dos agrotóxicos geralmente não permanecem apenas no local em que foram aplicados

 

- Agrotóxicos contaminam a água e se acumulam no solo e podem exercer efeitos adversos na vida por décadas

 

- Resíduos de agrotóxicos nos alimentos podem ser prejudiciais à saúde das pessoas

 

Entre os dez agrotóxicos mais vendidos no Brasil, seis estão proibidos na União Europeia: mancozebe, atrazina, fipronil, clorotalonil, diurom e hexazinona. "Sabe-se que esses contaminantes químicos estão relacionados a interesses econômicos e políticos, bem como às práticas regulatórias que flexibilizam os limites de tolerância, como observado no padrão de qualidade da água no Brasil, que admite, por exemplo, níveis cinco mil vezes superiores para o Glifosato do que é permitido na União Europeia", reforça a nota técnica.

 

Os danos causados pelos agrotóxicos para a saúde da população brasileira são seguramente sub registrados, alerta a Abrasco. No entanto, ainda assim, os dados oficiais revelam que, entre 2010 e 2019, foram notificados 56.870 casos de suspeita de intoxicação por agrotóxicos no Brasil. Desses, 15% correspondem a crianças e adolescentes de 0 a 19 anos, entre os quais se identificou como um dos efeitos a puberdade precoce.

 

No período de 2010 a 2019, especificamente, foram identificados 542 bebês afetados, sem qualquer especificação pelas publicações do SINAN quanto aos tipos de danos. Outro ponto relevante é o que diz respeito às mulheres que sofrem com os problemas resultantes dos agrotóxicos, desde a contaminação do leite materno e do sangue umbilical até os danos à gestação e ao concepto, como abortos espontâneos, malformação fetal, prematuridade e baixo peso.

 

Entre 2010 a 2019, foram notificados ao SINAN 293 casos de gestantes intoxicadas por agrotóxicos. Devido à paralisação do Programa de Vigilância em Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos (VSPEA) do Ministério da Saúde, no período 2019 a 2022, esses dados estão, no entanto, desatualizados. "Apesar de serem reconhecidamente subnotificados, são evidências incontestes de danos à saúde reprodutiva", como demonstrado pela revisão de escopo realizada pelo relatório da Abrasco, que mostrou que a contaminação do leite materno em mulheres das áreas urbana e rural por agrotóxicos foi investigada em diversos estudos publicados.

 

As mulheres estão sujeitas a uma grande variedade de exposição (seja no modo ou na intensidade) aos agrotóxicos, seja no trabalho, no ambiente, na atividade doméstica, seja no consumo de alimentos. "Devido às especificidades biossociais da reprodução humana e por serem mais suscetíveis, as mulheres são um grupo com diferenças de vulnerabilidade resultantes na necessidade de uma diferenciação de gênero nas ações de vigilância em relação à exposição e aos efeitos sobre a sua saúde e a do nascituro", continua a Abrasco, que lembra que, no ambiente urbano, em geral, são as mulheres que manuseiam os inseticidas e raticidas para a desinfestação doméstica, devido à falta de saneamento.

 

"Elas acreditam estar protegendo a família, porque são levadas a pensar que esses venenos são 'remédios' para prevenir doenças. Sem a devida advertência, elas acabam por desconhecer os perigos desses produtos químicos para a saúde".

 

A infertilidade masculina e feminina pela exposição a diversos agrotóxicos na literatura científica já foi estudada e comprovada, mas não é devidamente observada nos serviços de saúde, seja nas ações de vigilância, seja nas de atenção básica e média complexidades.

 

O tema da infertilidade, em geral, não consta como um efeito esperado entre as pessoas vulneráveis aos agrotóxicos nas atividades de trabalho, pela poluição decorrente da pulverização aérea, pelo consumo de água e outros alimentos contaminados por resíduos desses produtos.

 

"Como crianças e mulheres pertencem aos grupos de maior vulnerabilidade no que diz respeito aos danos à saúde reprodutiva, em contextos de exposição aos agrotóxicos, elas devem ser protegidas, tanto em termos de danos à saúde quanto a outras dimensões da reprodução social, tendo em mente que também afetam a sustentabilidade da vida e a soberania dos povos", diz a Abrasco.

 

Afinal, o que são agrotóxicos?

 

São substâncias químicas artificiais usadas na agricultura e servem para proteger plantações contra doenças e pragas, além de aumentar a produção de alimentos. No entanto, os agrotóxicos podem ser muitos prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente.

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 20 mil mortes por ano acontecem pelo consumo ou contato com essas substâncias. O Brasil, país importante no mercado do agronegócio, é líder no consumo desses insumos desde 2008.

 

A exposição humana a essas substâncias químicas vem sendo estudada há alguns anos pelos órgãos nacionais e internacionais de saúde e já foram identificadas uma série de relações dos agrotóxicos com doenças crônicas como câncer, infertilidade, desregulação hormonal e malformações. Já no caso das intoxicações, podem gerar dificuldades para respirar, tremores, abortos, dermatite, vômitos, náuseas e até morte.

 

Já na esfera do meio ambiente, os danos podem perpetuar por gerações, já que podem contaminar solo, rios e lençóis freáticos. O uso a longo prazo e frequente de agrotóxicos pode prejudicar espécies importantes para a diversidade, como as abelhas e minhocas.

 

 

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