Além de sol, calor e diversão, as férias de janeiro também podem trazer uma visita nada desejada: a das viroses. Na pauta do noticiário do verão deste ano, os casos de viroses registrados no litoral brasileiro, especialmente nas praias paulistas, têm gerado ampla discussão, assim como as possíveis causas dessas ocorrências.

 

Entre os fatores considerados mais relevantes estão a contaminação da água do mar e de alimentos, especialmente frutos do mar expostos a água contaminada. É o que explica a docente da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Liliane Frosini. "O cenário é agravado pelo aumento significativo do turismo durante o período de férias escolares e pelas festividades de final de ano, que resultam em uma expressiva elevação da população nas regiões litorâneas, criando condições favoráveis para a disseminação dessas enfermidades", aponta.

 



 

A Baixada Santista, composta por nove municípios, incluindo Santos, Guarujá e Praia Grande, abriga uma população de 1,8 milhão de habitantes. Durante as férias, a região costuma receber entre 4 e 5 milhões de turistas, segundo dados das prefeituras locais. Esse aumento significativo pressiona intensamente a infraestrutura municipal, como a rede coletora de esgoto, lembra a especialista.

 

Atualmente, as cidades da Baixada Santista ainda não dispõem de 100% de cobertura para coleta e tratamento de esgoto. Isso significa que alguns domicílios permanecem sem atendimento adequado, sendo obrigados a adotar soluções individualizadas para o esgotamento sanitário, como tanques sépticos e filtros anaeróbios.

 

"Entretanto, essas estruturas, mesmo quando corretamente instaladas, exigem manutenções periódicas que, na maioria dos casos, são negligenciadas ou realizadas de forma inadequada, resultando em pontos de extravasamento", reforça Liliane.

 

Os córregos e a rede de drenagem das áreas litorâneas, que acabam recebendo o esgoto dos pontos de extravasamento, frequentemente desembocam no mar, transportando consigo uma carga orgânica que acaba contaminando as águas.

 

 

"Essa carga contém, além de matéria orgânica, organismos patogênicos, como vírus e bactérias responsáveis por diversas doenças, incluindo viroses gastrointestinais. Nas últimas semanas, esses casos têm sido registrados com elevada frequência na região".

 

Os banhistas, esclarece Liliane, ao entrar em contato com a água contaminada, acabam adoecendo e, por sua vez, se tornam vetores de contaminação. "Esse ciclo contribui para o aumento exponencial de pessoas infectadas, levando a níveis alarmantes de casos, causando transtornos significativos e sobrecarregando o sistema de saúde local", elucida.

 

Alimentos e contaminação

 

Quanto à contaminação por microrganismos, a escolha dos alimentos consumidos nas praias é outro ponto de atenção. De acordo com a coordenadora de nutrição e dietética do São Cristóvão Saúde, Cintya Bassi, é fundamental observar aspectos como a higiene do ambiente e dos manipuladores de alimentos. Itens perecíveis, como frutos do mar, carnes mal-passadas, embutidos, ovos crus e sucos não pasteurizados, apresentam maior probabilidade de contaminação.

 

"A contaminação por bactérias como Salmonella e E. coli ou vírus como o norovírus pode causar intoxicações alimentares, que frequentemente se manifestam como diarreia, náuseas e vômitos. Em casos graves, a desidratação exige atendimento médico imediato", explica a infectologista do São Cristóvão Saúde,  Michelle Zicker.

 

Michelle reforça a importância de higienizar as mãos antes de qualquer refeição e consumir apenas água potável ou engarrafada, com lacre intacto. Evitar alimentos crus ou mal-cozidos e verificar a procedência dos produtos também são atitudes indispensáveis.

 

“Sintomas como febre, vômitos persistentes, dores abdominais e diarreia podem indicar intoxicação alimentar. Se houver sinais de desidratação, como boca seca e ausência de urina por longos períodos, é necessário buscar atendimento médico imediato”, destaca a infectologista.


O que está acontecendo

 

No verão de 2025, a situação mais grave está acontecendo nas praias paulistas. A presença de norovírus em fezes humanas foi confirmada pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) de São Paulo, através do  Instituto Adolfo Lutz (IAL). O vírus foi detectado em amostras coletadas no Guarujá (SP) e Praia Grande (SP), na Baixada Santista. Há ainda relatos sobre a infecção no litoral de Santa Catarina.

 

O norovírus se enquadra na classificação de viroses gastrointestinais. Pode se manifestar com  náusea, vômito, diarreia e dor abdominal. Dores musculares, dores nos membros, cansaço, dor de cabeça e febre baixa são outros sintomas das  gastroenterites, e casos graves podem até levar à morte. Esse tipo de virose é transmitido pelo consumo de fezes que podem estar em alimentos ou na água do mar.

 

Esse é um agente infeccioso conhecido pelos infectologistas e é geralmente relacionado a surtos de doenças gastrointestinais, principalmente em lugares com grande concentração de pessoas. É uma família de vírus que se prolifera com facilidade, principalmente devido ao maior contato entre as pessoas e ambientes suscetíveis a contaminação, como água e alimentos compartilhados.

 

Pode ocasionar uma explosão de casos, como acontece agora no litoral de São Paulo, onde já são mais de 7,5 mil ocorrências. Uma pessoa que teria ido ao Guarujá morreu no último sábado. As causas do atual surto estão sendo investigadas.

 

"Acreditamos que a combinação de fatores como o grande número de turistas, a proximidade das pessoas em praias e restaurantes, e a falta de higiene adequada contribuíram para a rápida disseminação do vírus. A alta transmissibilidade do norovírus facilita a propagação em ambientes como esses", diz o cardiologista, professor, CEO do Instituto do Coração de Fortaleza e palestrante, Augusto Vilela.



Para se prevenir, é recomendado:

 

- Lavar bem as mãos antes de preparar alimentos e ao se alimentar e após usar o banheiro

- Lavar sempre os alimentos crus, como frutas e vegetais

- Evitar alimentos mal-cozidos

- Manter os alimentos bem refrigerados, com atenção especial às temperaturas dos refrigeradores e geladeiras dos supermercados onde os alimentos ficam acondicionados

- Levar seus próprios lanches durante passeios ao ar livre, corretamente armazenados

- Higienizar utensílios de cozinha adequadamente

- Evitar tomar banho de mar nas 24 horas seguintes à ocorrência de chuvas

-  Observar bem a higiene os estabelecimentos comerciais

- Não consumir gelo, “raspadinhas”, “sacolés”, sucos e água mineral de procedência desconhecida

- Beber água filtrada, mineral e ou fervida

- Se atentar sempre com os prazos de validade dos alimentos e a temperatura de armazenamento dos mesmos

- Fechar a tampa do vaso sanitário ao dar descarga para evitar que possíveis vírus contidos das fezes contaminem o ar do banheiro

- Usar máscaras ao trocar as fraldas de bebês com diarreia

- Evitar grandes aglomerações em regiões litorâneas em alta temporada

- Evitar o contato com pessoas doentes

 

Conforme os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, a infecção por norovírus pode acontecer diversas vezes no decorrer da vida, porque existem vários tipos desse vírus - na Baixada Santista, foram identificados os genogrupos 1 e 2. Os primeiros dois a três dias da doença costumam ser os mais fortes, e a virose pode durar até sete dias.

 

A transmissão se dá principalmente pela boca, e o vírus também pode ser espalhado dentro de casa, de pessoa para pessoa, por meio de superfícies ou mãos contaminadas. Dessa forma, lavar as mãos frequentemente é uma das mais importantes formas de prevenção.

 

A pessoa infectada pelo norovírus geralmente deixa de ser contagiosa após 48 a 72 horas, quando os sintomas começam a melhorar, esclarece Augusto Vilela. "No entanto, o vírus pode permanecer nas fezes por alguns dias após o fim dos sintomas, por isso é importante continuar tomando as medidas de higiene mesmo após a recuperação".

 

Sobre o tratamento, da mesma maneira como ocorre com outras diarreias virais, o quadro tende a se resolver sozinho -  essa é uma doença autolimitada e a recuperação completa é esperada. Não existe remédio específico e antibióticos são ineficazes, já que combatem bactérias, não o vírus.

 

"Não existe um tratamento específico para a infecção por norovírus. O tratamento é sintomático, visando aliviar os sintomas e prevenir a desidratação. É fundamental ingerir bastante líquido, como água e soro oral, para repor as perdas causadas pela diarreia e pelos vômitos. Em casos mais graves, pode ser necessária a reposição de líquidos por via intravenosa", explica Augusto Vilela.

 

A atenção maior é para os grupos mais sensíveis, que perdem líquido com mais facilidade, como idosos e bebês, mais propensos a desidratação, no caso de diarreia e vômitos, uma preocupação maior.

 

"Crianças pequenas, idosos e pessoas com sistemas imunológicos debilitados são mais suscetíveis a complicações causadas pelo norovírus, como desidratação. É importante que esses grupos redobrem os cuidados e procurem atendimento médico imediatamente caso apresentem sintomas", reforça Augusto Vilela.

 

Ainda não existe uma vacina eficaz contra o norovírus. "A pesquisa científica está avançando nessa área, mas ainda não há previsão para a disponibilização de uma vacina para a população em geral", diz.

 

O cardiologista lembra que as autoridades de saúde estão trabalhando intensamente para controlar o surto, realizando ações de vigilância epidemiológica, promovendo campanhas de conscientização sobre a importância da higiene e orientando os serviços de saúde a atenderem os casos de forma adequada. Além disso, estão sendo realizadas ações de limpeza e desinfecção em locais públicos e estabelecimentos comerciais.

 

Ele alerta que o norovírus pode se espalhar para outros estados. "Essa é uma característica comum de vírus altamente contagiosos, especialmente em um país com grande mobilidade de pessoas como o Brasil".

 

Doenças como hepatite A, leptospirose e giardíase, entre outras, também podem ser ocasionadas pelo contato com água contaminada. Além das viroses gastrointestinais, o verão é mais propenso à presença dos vírus da dengue (1, 2, 3 e 4), chikungunya e zika vírus, por conta do aumento do calor e das chuvas.

 

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