LITERATURA

Mineiro Daniel Dornelas narra histórias de pacientes terminais

Em sua estreia, ‘Para morrer como um passarinho’, escritor reforça a narra importância dos cuidados paliativos e do SUS

Publicidade

Como toda criança curiosa, o mineiro Daniel Dornelas recitava aos adultos uma epopeia composta por aquelas “tais perguntas difíceis de responder”. E entre seus temas favoritos estava a morte, palavra que se elevou ao panteão de suas incógnitas após a morte da avó paterna. 

A curiosidade sobre o assunto permaneceu latente na infância e na adolescência, entrelaçada a mais dois elementos: a paixão pela escrita e o interesse pela medicina, com o anseio de cuidar do irmão gêmeo, Davi, que nasceu com síndrome de Rasmussen (doença rara que provoca inflamação crônica em um hemisfério do cérebro). Essa trinca pavimentou o caminho que culminaria em sua estreia literária, “Para morrer como um passarinho: histórias reais de amor, cuidado e redenção no fim da vida” (Editora Oficina Raquel; 136 páginas), lançado em 2024.

A obra reúne crônicas, em primeira pessoa, nas quais Daniel evoca histórias em que ele, na condição de estudante da Faculdade de Medicina de Caratinga e residente da equipe do Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD), vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), visitava pessoas da região – muitas delas com doenças terminais – que necessitavam de cuidados paliativos. “Logo na primeira manhã, acompanhei o atendimento de uma paciente em processo ativo de morte, o que rendeu a primeira crônica. Daí em diante, diversos textos nasceram, e decidi reuni-los em um livro”, conta o acadêmico, nascido em 31 de dezembro de 2001 e criado em Santa Bárbara do Leste, município vizinho a Caratinga, no Vale do Rio Doce.

Mas acompanhar o fim da vida – e tentar amenizar a dor – de um paciente, além de servir de amparo a familiares e amigos, não era uma tarefa fácil. Longe disso! Dornelas recorre a uma frase de Conceição Evaristo no conto “A gente combinamos de não morrer”, presente em “Olhos d’água” (2014), para tentar definir como foi o processo de concepção do livro, em meio a um cenário rodeado pela preocupação em dar o maior conforto possível a pessoas próximas da morte (ou após o falecimento de muitas delas).

“Conceição diz que ‘escrever é um ato de sangrar’. ‘Para morrer como um passarinho’ me fez sangrar porque encarei a finitude, a minha e a de pessoas que amo. Reescrever as histórias que vivenciei me levou a compreender a impermanência da vida, ao mesmo tempo em que revivi os encontros. Chorei, sorri e celebrei a vida. Espero que os leitores possam experimentar o mesmo com o livro”, diz.

Cada um dos 33 capítulos da obra reserva, porém, mais do que o resultado de visitas a pacientes, transcritas no papel por meio de emoção e lirismo, tão bem arquitetados e cimentados pelo escritor, sem contar em boas intervenções de humor, oriundas de carismáticos personagens da obra. As histórias são também “aprendizados imensuráveis”, explana o autor. “Imagine conhecer uma pessoa que está ciente de que vai morrer em breve. Não há tempo a perder. Não há possibilidade de deixar para depois. As conversas precisam ser transformadoras para ambas as partes. Aprendo não apenas a ser médico, mas, principalmente, a ser humano”, conta.

LUTO

Meses antes do lançamento de “Para morrer como um passarinho”, no segundo semestre de 2024, o irmão de Daniel morreu, mas, como destaca o autor da obra, Davi “está eternizado na essência do livro e na crônica que o encerra”, intitulada “Dois pássaros em direção ao infinito”.

“Meu primeiro luto foi não poder ir à escola com meu irmão gêmeo. Depois, entender que ele não levaria uma vida ‘normal’ como a minha… Isso tudo me fez perceber que a vida de Davi era frágil. Passei a temer sua morte, e isso chegou a me impedir de aproveitar a companhia dele. A busca para compreender a finitude começou com Davi, e ‘Para morrer como um passarinho’ reúne os melhores aprendizados. Meu irmão me ensinou a sorrir para vida e a gostar de viver”, afirma.

Como dizia João Guimarães Rosa, em epígrafe presente em “Para morrer como um passarinho”: “A gente morre é para provar que viveu”.

Entrevista

Muitos textos falam de estados terminais e de pessoas que já se foram, ou seja, se fala de morte ali. O tema é difícil de ser digerido por muitas pessoas. Só que, como você bem relata, também quer dizer sobre a vida, e isso é o ponto chave de suas narrativas.

Somos todos terminais. Eu vou morrer, você vai, e quem está nos lendo, também. Penso que a morte é um ponto importante sobre a vida, já que, de certa forma, ela nos ensina a viver. Não devemos ter medo da morte. Devemos ter medo de viver uma vida da qual não sentiremos orgulho quando chegar a hora de partir. Escrevo justamente com a intenção de provocar esses diálogos.

Há várias histórias no livro capazes de nos marejar e levar ao choro, mas também aos risos, porque há narrativas tocantes. Como foi para você vivenciar essas histórias e estar ao lado dessas pessoas, em meio a otimismos, pessimismo, esperanças, brincadeiras e fé?

A imprevisibilidade é a essência da vida. Cada encontro é único. As histórias nunca se repetem porque não existem personagens iguais na vida real. Recentemente, vi uma mãe fazer cafuné e cantar durante as horas finais de sua filha, uma mulher de 40 e poucos anos, mãe de três filhos. Também já vi pessoas entrarem em desespero, outras optam por não participar da despedida… Nunca sei o que esperar, mas sempre descubro um bom motivo para seguir em frente.

De que forma você descreve o papel da equipe do SAD para você, enquanto aprendizado e vivência, e para as pessoas que tanto precisam desses cuidados?

O SAD de Caratinga é uma revolução. É a quebra de um paradigma que coloca o hospital como o centro da saúde. Acima de tudo, é o cuidado que eu gostaria que meu irmão tivesse recebido, com uma equipe multiprofissional, humana, com foco na pessoa e não na doença, 24 horas por dia, no conforto da casinha amarela em que viveu. Não vou realizar meu sonho de ser o médico paliativista do meu irmão gêmeo, porém oferecerei o melhor cuidado que puder aos meus futuros pacientes. Por todos os Davis que desafiam as estatísticas e fazem cada minuto valer a pena.

Você lançou o livro na Flip e passou por várias cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Fortaleza. Como tem sido a repercussão?

Todo escritor quer ver o livro nas livrarias. Melhor que isso é vê-lo nas mãos dos leitores. Tive a oportunidade de realizar esses sonhos, além de ouvir relatos de leitores que se emocionaram com o livro e partilharam suas experiências com o luto. Também fui prestigiado por escritores que admiro, como João Anzanello Carrascoza, Natália Timerman, Renato Nogueira e Miriam Leitão.

SERVIÇO

Livro: “Para morrer como um passarinho: histórias reais de amor, cuidado e redenção no fim da vida”

Autor: Daniel Dornelas

Editora: Oficina Raquel

Nº de páginas: 136

Preço: R$ 36

Tópicos relacionados:

assistencia cuidados-paliativos saude sus

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay