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ESTÉTICA

Beleza sem sequelas: fuja dos maus profissionais

Atualmente, o Brasil realiza cerca de 1,5 milhão de procedimentos estéticos por ano, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica

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É cada vez mais comum acontecerem casos de pessoas que sofrem com sequelas graves após se submeter a procedimentos estéticos feitos de maneira inadequada. Está na pauta de discussão o que pode ou não ser feito conforme a especialidade da saúde. A legislação prevê que cabe a médicos a realização de qualquer tipo de intervenção, mas profissionais como odontólogos, biomédicos, fisioterapeutas dermatofuncionais, biólogos e farmacêuticos também estão autorizados a aplicar alguns tratamentos. Diante de ocorrências na maioria das vezes chocantes, fica evidente a importância do exercício ético da profissão, pautado no emprego de técnicas corretas e na realização de procedimentos autorizados por cada conselho de classe.

Atualmente, o Brasil realiza cerca de 1,5 milhão de procedimentos estéticos por ano, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). A previsão é de que em três anos o setor de estética no país alcance um faturamento de US$ 41,6 bilhões, segundo um relatório da Mordor Intelligence, empresa de análise de mercado. 

Os procedimentos estéticos, se realizados de forma inadequada, podem causar diversos problemas de saúde, como infecções, reações alérgicas, hematomas, inchaços, queimaduras químicas e complicações cirúrgicas.  Entre os riscos cirúrgicos, estão: choque hipovolêmico, que ocorre quando há uma hemorragia; embolia pulmonar, quando uma artéria pulmonar fica bloqueada por um coágulo sanguíneo; perfuração de vísceras ou órgãos vitais.  

Também podem acontecer os chamados riscos químicos, reações alérgicas, intoxicações, queimaduras químicas, problemas respiratórios e danos dermatológicos. Sobre complicações oculares, há chance de ocorrência de conjuntivite alérgica, ceratite, baixa visual, dor na região ocular, fotofobia (sensibilidade excessiva à luz), fotopsias (sensação de pontos de luz no campo de visão) e hiperemia conjuntival (vermelhidão dos olhos).  Problemas cardíacos, renais e hepáticos também podem se manifestar.

A advogada e professora especialista em saúde Letícia Corrêa explica que, no Brasil, não existe uma lei estabelecendo quais procedimentos podem ser realizados por quais categorias profissionais no âmbito da saúde estética. Cabe aos conselhos federais das respectivas profissões, a partir de resoluções e normativas, regulamentar como vai se dar o exercício da profissão, e quais limites e requisitos precisam ser observados por cada um dos profissionais. "O que nós temos são leis específicas que vão regulamentar o exercício de determinada profissão - a exemplo da Lei nº 5.081/1966, que regula o exercício da odontologia, e a Lei Federal 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da medicina, conhecida como Lei do Ato Médico", esclarece.

LACUNA

É essa lacuna que gera todos os problemas quando se trata de procedimentos estéticos, aponta Letícia. A Lei do Ato Médico, que versa sobre o exercício da medicina, traz no inciso 3º do artigo 4º que a execução de procedimentos estéticos é atividade privativa do médico. E é com base nesse dispositivo que os conselhos regionais de medicina e o Conselho Federal de Medicina (CFM) atuam judicializando ações contra os demais conselhos de classe para tentar restringir o exercício das atividades estéticas aos profissionais da medicina.

"É com base nessa lei que o CFM defende que somente os médicos estariam capacitados para realizar procedimentos estéticos", diz a especialista. Como no sistema normativo brasileiro a lei tem maior peso do que uma resolução emitida por um conselho, esclarece Letícia, é aí a pega do CFM para  embasar legalmente esses processos, sob o argumento que os demais profissionais não podem atuar dentro da área de estética. "Em algumas situações, inclusive, pode haver o cometimento do crime de exercício ilegal da medicina,  previsto no artigo 282 do Código Penal. Essa disputa vai para o âmbito civil, mas também pode ir para o âmbito criminal", explica.

Letícia lembra que, para se esquivar de denúncias e condenações, é comum que um profissional mude de estado, a fim de evitar punições. Isso porque cada localidade tem seus conselhos regionais onde os processos correm. "Ele sai de onde está sendo processado e vai para outro lugar, se registra novamente no conselho local, aproveitando que ainda não há registros de irregularidades no estado em questão."

Por outro lado, os conselhos federais de odontologia, biomedicina, farmácia, fisioterapia, enfermagem e biologia têm resoluções que respaldam a atuação na área da saúde estética para os respectivos profissionais. Nessa discussão, ressalta Letícia, há um embate sobre quais tipos de procedimentos estéticos esses outros profissionais estariam aptos a fazer ou não. Diferentemente do CFM, os outros conselhos entendem que alguns procedimentos invasivos também podem ser feitos por esses especialistas.

"Os conselhos de enfermagem, biomedicina, odontologia, farmácia ou fisioterapia, entendem que os profissionais podem realizar botox, preenchimento e harmonização, entre outros", diz Letícia. Ela cita um acordo de setembro de 2024 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito), que autorizou a realização de procedimentos injetáveis por parte de fisioterapeutas. Também menciona uma resolução do Conselho Federal de Biologia (CFBio), suspensa por um juiz do Distrito Federal, em 2023, sob o argumento que, conforme a Lei 6.684/1979 - que regulamenta as profissões de biólogo e biomédico, e cria os conselhos Federal e regionais de Biologia e Biomedicina -, não há nenhum tipo de menção à atuação desse profissional na área de estética.

O Conselho Federal de Odontologia (CFO), órgão regulador do exercício profissional, desde 2019 reconhece a harmonização orofacial como especialidade odontológica, definindo-a como o “conjunto de procedimentos realizados pelo cirurgião-dentista em sua área de atuação, responsáveis pelo equilíbrio estético e funcional da face“
O Conselho Federal de Odontologia (CFO), órgão regulador do exercício profissional, desde 2019 reconhece a harmonização orofacial como especialidade odontológica, definindo-a como o “conjunto de procedimentos realizados pelo cirurgião-dentista em sua área de atuação, responsáveis pelo equilíbrio estético e funcional da face“ Freepik

"A gente traz tudo para a Lei do Ato Médico, a única lei que, de fato, traz essa previsão sobre atuação na área estética", diz Letícia, lembrando que, por sua vez, as demais profissões entendem que a área de atuação em saúde estética é multiprofissional. "Nesse sentido, não há inclusive o reconhecimento por parte do CFM da especialidade médica em estética. É o que traz a abertura, a margem para que outros profissionais possam atuar dentro dessa área."

O QUE PODE E NÃO PODE

O Conselho Federal de Odontologia (CFO), órgão regulador do exercício profissional, desde 2019 reconhece a harmonização orofacial como especialidade odontológica, definindo-a como o “conjunto de procedimentos realizados pelo cirurgião-dentista em sua área de atuação, responsáveis pelo equilíbrio estético e funcional da face“, autorizando os seguintes procedimentos, explica Letícia:

- Uso da toxina botulínica, preenchedores faciais e agregados leucoplaquetários autólogos na região orofacial e em estruturas anexas e afins

- Fazer intradermoterapia e o uso de biomateriais indutores percutâneos de colágeno com o objetivo de harmonizar os terços superior, médio e inferior da face, na região orofacial e estruturas relacionadas anexas e afins

- Realizar procedimentos biofotônicos e/ou laserterapia, na sua área de atuação e em estruturas anexas e afins

- Realizar tratamento de lipoplastia facial, por meio de técnicas químicas, físicas ou mecânicas na região orofacial, técnica cirúrgica de remoção do corpo adiposo de Bichat (técnica de Bichectomia) e técnicas cirúrgicas para a correção dos lábios (lip lifting) na sua área de atuação e em estruturas relacionadas anexas e afins.

EXCESSOS EXISTEM

"Considerando o largo emprego das técnicas de harmonização facial e a alta procura pelos pacientes, alguns excessos começaram a ser praticados pelos profissionais – pela amplitude do termo 'áreas afins', constante nas alíneas do artigo 3º da Resolução CFO nº 198 -, de forma que o CFO se viu obrigado a complementar o regulamento estabelecido em 2019, publicando a Resolução CFO nº 230/2020", esclarece a advogada.

Assim, segundo o CFO, “a normativa foi elaborada para evitar interpretação equivocada acerca da legítima competência profissional do cirurgião-dentista, guardando assim a segurança da profissão e a integridade da saúde do paciente“.

Ficam os dentistas proibidos de realizar os seguintes procedimentos: alectomia (cirurgia plástica que reduz a largura do nariz), blefaroplastia (pálpebras), cirurgia de castanhares ou lifting de sobrancelhas, otoplastia, rinoplastia, ritidoplastia ou face lifting, procedimentos em áreas anatômicas diversas de cabeça e pescoço.

As proibições, segundo o CFO, se baseiam na carência de literatura científica relacionando tais procedimentos à prática odontológica e também na ausência de previsão desses procedimentos no conteúdo programático dos cursos de graduação e pós-graduação em odontologia.

Por fim, o CFO proíbe os dentistas de fazerem publicidade e propaganda de procedimentos não odontológicos e alheios à formação superior em odontologia, a exemplo de, explica Letícia: micro pigmentação de sobrancelhas e lábios, maquiagem definitiva, design de sobrancelhas, remoção de tatuagens faciais e de pescoço, rejuvenescimento de colo e mãos, e tratamento de calvície e outras aplicações capilares.

ATUAÇÃO RESPONSÁVEL

A biomédica Bárbara Givisiez, de 26 anos, graduou-se em biomedicina no fim de 2024, após cinco anos divididos em cursos em duas universidades, em Belo Horizonte. O primeiro emprego na área é em uma clínica no Buritis, onde trabalha realizando procedimentos estéticos corporais e faciais, sempre respondendo o que é permitido para a sua área de atuação, incluindo tratamentos invasivos ou minimamente invasivos, em que pode ocorrer aplicação intramuscular.

Entre os procedimentos corporais, Bárbara cita a lipo enzimática, feita com aplicação de enzimas para tratar gordura localizada, sobretudo na barriga, flancos e para eliminar a conhecida "gordurinha do sutiã", as áreas do corpo para as quais esse tratamento é o mais procurado na clínica. A biomédica fala ainda sobre a criolipólise, tratamento minimamente invasivo para reduzir gordura localizada e flacidez em qualquer área do corpo - é feito por um aparelho que "congela" a gordura.

Sobre os procedimentos faciais, são oferecidos na clínica preenchimento labial, toxina botulínica, microagulhamento facial, bioestimuladores de colágeno e intradermoterapia capilar. O público, em sua maioria, é formado por mulheres, mas Bárbara também atende homens. Entre os tratamentos mais demandados por mulheres e homens que procuram a clínica, na grande parte com mais de 30 anos, estão os indicados para perda de gordura e rejuvenescimento facial.  

A biomédica sabe bem o que pode ou não pode fazer. De maneira geral, o corte ou incisão, é proibido. "Podemos usar a agulha, mas não pode o corte em si. Isso exclui procedimentos cirúrgicos, como lipoaspiração e alguns tipos de rinoplastia, por exemplo, mas sabemos de muitos biomédicos que fazem, apesar da proibição", diz.

Para Bárbara, profissionais que não cumprem o que está previsto acabam "queimando o filme" de toda a categoria, em suas palavras. "São pessoas que colocam o dinheiro acima de tudo. A legislação fala muito claramente o que pode ou não. Ao seguir o que está dentro das possibilidades, estudar realmente, ter registro no CRM e adotar boas práticas, intercorrências não vão acontecer", frisa.

Ela explica que também não é de competência do biomédico emitir laudo médicos, a partir da análise de exames - não cabe a esse profissional emitir um diagnóstico em saúde. "Nos é ensinado que não podemos tratar pessoas com doenças. Tratamos pessoas saudáveis. Se percebemos algo fora do normal, não podemos tratar. Se a procura é por algo estético, mas há um problema por trás, encaminhamos para o médico", conta. A clínica dispõe de uma nutróloga esportiva, que recebe essa pessoa em um primeiro momento e, se for o caso, indica o acompanhamento para outra especialidade médica. "Não adianta procurar o tratamento quando ele não cabe a nós. Pode mesmo ser prejudicial", aponta Bárbara.

RESOLUÇÃO

O assunto está na pauta do dia, principalmente depois da divulgação, por parte do presidente do CFO, Cláudio Miyake, durante o 42º Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo (Ciosp), em janeiro, da intenção do conselho em estabelecer uma resolução que permitiria odontólogos a realizar alguns tipos de cirurgias plásticas faciais, até então fora do escopo profissional dos cirurgiões-dentistas. Ele reforçou que a resolução é uma "grande conquista" para a categoria  e que tudo será feito dentro dos padrões de segurança exigidos.

A entidade ainda não informou quais procedimentos no rosto estarão na competência dos profissionais e quais as exigências para cada um deles - as normas estariam em etapa final de formulação. O tema aparece seis anos após o CFO adquirir licença para  realizar harmonização orofacial em consultório.

O conselho acredita que a decisão pode ampliar o acesso do público aos procedimentos. Por outro lado, o CFM aponta que “não se pode transigir com a banalização das cirurgias invasivas a pretexto de atender uma demanda por parte do público leigo, perdendo-se de vista a segurança e saúde das pessoas, com riscos de danos irreversíveis.” O que não pode ser discutido é que, como em qualquer nova regulamentação, a capacitação profissional e a adoção de protocolos de segurança são essenciais para garantir qualidade e minimizar riscos.

Em nota enviada à imprensa, o CFO informa que trabalha atualmente na elaboração da resolução, cujos estudos estão em andamento. A entidade considera o termo “cirurgia plástica facial” equivocado e divulga ainda que não estão definidos os procedimentos a serem englobados na futura resolução e as respectivas exigências da regulamentação.

Os detalhes completos sobre o tema serão divulgados após a publicação. "O CFO esclarece que as cirurgias estéticas da face vão representar um avanço importante para a odontologia, com reconhecimento das competências legais e técnico-científicas dos cirurgiões-dentistas para atuação na área e, principalmente, serão um passo significativo para a segurança da população que terá acesso a novos procedimentos regulamentados de forma rígida e adequada", continua o texto.

Conforme o CFO na nota, os cirurgiões-dentistas, com registros regularmente inscritos junto ao Sistema Conselhos de Odontologia, estão autorizados pela Lei Federal 5.081, de agosto de 1996, a praticar todos os atos pertinentes à odontologia, decorrentes de conhecimentos adquiridos em curso regular ou em cursos de pós-graduação; assim como a prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de uso interno e externo, indicadas em odontologia.

"Além disso, a Lei Federal 12.842/2013, também conhecida como Lei do Ato Médico, ao descrever os procedimentos privativos de médicos, exclui a odontologia. Ou seja, a própria Lei do Ato Médico, no artigo 4º (§ 6º), reconhece a competência dos cirurgiões-dentistas para realizar a “indicação da execução e execução de procedimentos invasivos”, no âmbito de sua área de atuação", segue a entidade.

Ainda sem confirmação, especula-se que, com a resolução, os profissionais da odontologia estariam capacitados a realizar cirurgias como alectomia (cirurgia plástica que reduz a largura do nariz), blefaroplastia (cirurgia nas pálpebras), lifting facial (levantamento e rejuvenescimento da face), queiloplastia (cirurgia que modifica o formato dos lábios) e otoplastia (corrige orelhas). Conforme Claudio Miyake, as resoluções que autorizam cirurgiões-dentistas a coordenar procedimentos como harmonização orofacial e aplicação de substâncias como toxina botulínica e ácido hialurônico não serão revogadas.

REGRAS 

A advogada Letícia Corrêa destaca que a resolução do CFO ainda não existe - o que aconteceu foi um pronunciamento do presidente do conselho sinalizando a intenção de autorizar dentistas a realizar alguns tipos de intervenções na face. "Vale lembrar que já existe uma resolução do próprio CFO que autoriza os dentistas a realizarem harmonização orofacial, e nessa resolução há uma proibição expressa de realização de rinoplastia, lifting facial, alectomia, otoplastia, blefaroplastia e queiloplastia, embora hoje existam profissionais que atuam nessas áreas de forma ilegal, já que não há um respaldo por parte do conselho", reforça, dizendo que, a exemplo do que aconteceu na harmonização orofacial, "é preciso que haja um posicionamento firme do conselho para estabelecer regras, padrões e procedimentos para que essas cirurgias sejam feitas”.

No entendimento de Letícia, essas regras passam necessariamente pela exigência do cirurgião dentista fazer uma especialização na área de cirurgia plástica, ponto que retorna ao conflito com o CFM e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), que entendem que o cirurgião dentista não tem habilitação para atuar nessa área. "Se essa resolução do CFO sair, preciso ser bem amarrada no sentido de focar na formação desse profissional", diz a advogada.

Letícia fala ainda sobre a importância de uma atuação combinada com o anestesiologista, para suporte em qualquer complicação, já que se trata de intervenções mais robustas, além da realização dos procedimentos em clínicas e hospitais que contem com UTI, e não em consultório.

SEGURANÇA

A procura por procedimentos estéticos dentro da atuação da odontologia tem crescido significativamente no Brasil. Em 2021, havia cerca de 908 dentistas especialistas em harmonização orofacial no país, número que saltou para 4 mil em 2024, de acordo com o CFO.

Ao decidir se submeter a um procedimento, é importante ter cautela. "O paciente pode buscar o nome completo do profissional, o número de registro de inscrição no conselho e verificar se esse profissional de fato tem registro, tem habilitação profissional para atuar na sua área de formação de base. No segundo momento, é importante conversar com esse profissional e investigar diretamente se ele tem formação e habilitação para realizar aquele procedimento", reforça Letícia.

O paciente pode, inclusive, solicitar que o profissional mostre o seu diploma. "Se o profissional tiver boa fé e de fato a capacitação, não vai se negar. O que acontece muito é confiar em profissional de Instagram, ver que tem muitos seguidores, que é viralizado, que posta resultado de antes e depois super satisfatórios. Validar esse profissional por aquilo que ele tem nas redes sociais é perigoso. A escolha de um profissional capacitado é muito delicada, séria, e precisa ser feita de maneira responsável."

RESPONSABILIDADE 

Letícia lembra que os riscos são variados - podem ir de perda de dinheiro, um dano estético reparável ou não, até a morte.  A advogada esclarece que o paciente que vir a sofrer algum tipo de dano após a realização de um procedimento estético, feito por profissional sem habilitação adequada, pode buscar dois caminhos.

"O primeiro da responsabilização penal de exercício irregular da medicina ou da profissão de dentista ou de farmacêutico. Há um crime previsto para esse caso, além da lesão corporal, a depender de como essa intervenção aconteceu. Do ponto de vista civil, esse paciente pode ingressar com uma ação de cobrança em face do profissional que realizou o procedimento para buscar a reparação dos danos estéticos, dos danos materiais e dos danos morais."

Além da responsabilização no âmbito da Justiça, o paciente pode denunciar esse profissional no conselho de classe em que esteja registrado e habilitado, para que seja investigado e eventualmente responsabilizado nesse âmbito. A depender da gravidade dos atos praticados, o profissional pode ser condenado pelo crime e ser obrigado a pagar indenizações materiais, estéticas e morais para o paciente, além de perder o seu registro profissional.

RESPOSTA 

O CFM é contrário à proposta dos odontólogos. Reforça que a realização de cirurgias plásticas exige uma formação específica e extensiva, que inclui seis anos de graduação em medicina, três anos de residência em cirurgia geral e mais três anos de especialização em cirurgia plástica. Segundo a entidade, permitir que dentistas realizem esses procedimentos, após uma breve especialização, coloca em risco a segurança dos pacientes.

Em nota, o CFM reforçou que a Lei 12.842, que regulamenta o exercício da medicina no Brasil, estabelece que a indicação e execução de intervenções cirúrgicas, assim como a administração de anestesia geral e sedativos profundos, são atribuições exclusivas de médicos.

"A preocupação com a aparência, a beleza, é inerente ao ser humano. Vem de 4 mil anos antes de Cristo, com os egípcios. A popularização da estética é bem-vinda, a medicina avançou, existem diversas alternativas seguras. O problema é a banalização. Procedimentos são vendidos como isentos de risco, como se pudessem ser feitos de qualquer maneira, em qualquer lugar, por qualquer profissional", diz a conselheira federal do CFM, cirurgiã geral e plástica, Graziela Bonin.

Ela diz que os problemas que podem acontecer são os mais diversos possíveis, relacionados desde à incapacidade técnica de quem realiza até o ambiente inadequado e manejo incorreto de materiais e equipamentos. "Sobre a chamada lipo de papada, por exemplo, quando feita por um cirurgião capacitado, não tem complicações. Mas quando não há capacidade técnica de quem está executando, pode ocasionar lesão da jugular, da carótida ou do nervo facial", explica.

Entre as mais variadas sequelas dos procedimentos em geral, quando o profissional incorre em erros, muitas vezes gravíssimas, Graziela cita a lesão de vasos importantes, dos nervos e a necrose tecidual. Por outro lado, quando as condições em que os procedimentos são realizados não são seguras, quando não é um ambiente cirúrgico ou não há a esterilização adequada, podem acontecer infecções de todos os tipos. "São danos muitas vezes irreversíveis", alerta.

A médica reforça que não cabe ao paciente escolher qual procedimento fazer. Ao chegar ao consultório, ele revela suas queixas, o que deseja melhorar, e o médico orienta sobre o que é mais indicado. "Começa com o diagnóstico, com a correta avaliação e indicação do procedimento, e isso só pode ser feito por médicos especializados, dermatologista e cirurgião plástico.”

Ela lembra que cada profissão da área de saúde tem suas próprias leis, mas o que existe é uma exacerbação de atribuições. "Todo procedimento invasivo tem risco e indicações, exige conhecimento. Se não for bem indicado e executado não vai dar certo. A preocupação do CFM é justamente com a segurança e a efetividade dos tratamentos", aponta.

Em nota à imprensa, a SBCP lembra que a cirurgia plástica é uma especialidade médica que exige uma formação longa e rigorosa
Em nota à imprensa, a SBCP lembra que a cirurgia plástica é uma especialidade médica que exige uma formação longa e rigorosa Freepik

CIRURGIA PLÁSTICA 

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) também se posicionou em relação à postura do CFO sobre a realização de cirurgias plásticas. Em nota à imprensa, a entidade lembra que a cirurgia plástica é uma especialidade médica que exige uma formação longa e rigorosa.

"Os cirurgiões plásticos titulados pela SBCP são submetidos a uma prova teórica e prática, regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina, Comissão Nacional de Residência Médica e Associação Médica Brasileira. Trata-se de uma especialidade médica que exige habilidades técnicas para a realização de cirurgias, incluindo avaliação pré-operatória, planejamento cirúrgico e suporte ao paciente em caso de intercorrências. A SBCP acredita que a prática de cirurgias plásticas, mesmo que de pequeno porte, por profissionais não qualificados é uma decisão de altíssimo risco à saúde dos pacientes, inclusive com a possibilidade de óbito", diz a nota.

Presidente da SBCP, Volney Pitombo lembra que o cirurgião plástico pode fazer qualquer tipo de cirurgia plástica, seja reparadora ou estética. "Estar apto para realizar a cirurgia plástica estética significa saber fazer também a reparadora. O profissional pode embelezar se souber tratar queimaduras, mordida de cachorro ou lábio leporino. Se der algo errado, ele sabe como reconstruir. O paciente pode passar mal, ficar tonto, ter reações. Só um médico sabe como conduzir", comenta. 

Volney acrescenta que cuidar do corpo, da autoimagem, da aparência, é direito de todo ser humano. "Estar e se sentir incluído, confortável com a autoimagem, traz felicidade. Olhar no espelho e ser algo agradável é universal, da constituição do ser humano", diz. No caminho contrário, ele lembra que isso pode, em certos casos, levar a exageros. Problemas emocionais, de identidade, imagens distorcidas, a procura por um belo irreal - muitas vezes acontece.

"Levamos uma vida de filtros, de padrões inatingíveis, e com isso há sofrimento. É preciso ter uma reeducação emocional e psicológica para se reencontrar com a autoimagem, para estar em paz consigo mesmo e com o meio que o cerca. Se sentir bem é um princípio básico". E o princípio da medicina é ajudar, reforça Volney.

Ele ressalta que o médico deve ser claro na consulta. As pessoas muitas vezes têm ideias oníricas. Cabe ao profissional não operar se o pedido não for possível. A indicação para a cirurgia depende da anatomia, do organismo de cada um. "O consultório médico não é um salão de beleza. O médico protege, cuida, ajuda o paciente, ama a humanidade. Se não é humanista não é médico."

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