A tecnologia trouxe oportunidades inovadoras para encontrar parceiros amorosos ou sexuais. Mas será que ela alterou o nosso comportamento em relação a encontros e relacionamentos?
Para descobrir, o escritor de ciências David Robson conversou com Paul C. Brunson, especialista em visão global dos relacionamentos do aplicativo de encontros Tinder e autor do novo livro Find Love: How to Navigate Modern Love and Discover the Right Partner for You ("Encontrar o amor: como navegar pelo amor moderno e descobrir o parceiro certo para você", em tradução livre).
Leia também: Vídeo: famílias de vítimas de chacina na Grande BH protestam após enterro
Confira a entrevista:
David Robson: É verdade que encontrar um parceiro, agora, é mais difícil do que nunca?
Paul C. Brunson: Encontrar um parceiro sempre foi uma decisão importante. Mas, baseado nas pesquisas para este livro, realmente acredito que encontrar e manter o amor hoje em dia é mais difícil do que em qualquer outro momento da história humana.
Um motivo é que, hoje, existem mais variações do que é considerado um relacionamento aceitável. Você pode ser monogâmico ou estar em um relacionamento poliamoroso, vocês podem morar juntos ou separados – existem dezenas e dezenas de formas aceitáveis. E isso faz com que encontrar um parceiro que atenda ao seu objetivo seja um desafio ainda maior.
Em segundo lugar, exigimos mais do nosso parceiro do que antes.
Antigamente, era a pessoa que ajudava a proteger ou criar os filhos ou cuidar da fazenda. Depois, à medida que você envelhecia, o parceiro se tornava alguém para fazer companhia.
Mas, agora – como discute [o psicólogo] Eli Finkel na sua pesquisa – atingimos um ponto de "autoevolução", no qual estamos buscando de tudo no nosso parceiro.
Queremos que sejam iguais intelectualmente, queremos que seja o CEO [diretor-executivo] da empresa que iremos lançar, queremos que seja um ótimo pai ou mãe, queremos que ele seja um parceiro sexual fenomenal.
Robson: E quanto à tecnologia? Algumas pessoas parecem se sentir sufocadas pelas oportunidades de conhecer novas pessoas.
Brunson: Nós nos enganamos com o paradoxo da escolha.
Acreditamos que temos infinitas opções. Mas, na verdade, se você instalasse 100 aplicativos de namoro, quantos encontros reais você conseguiria esta semana? Existem limitações, nós não temos tantas escolhas quanto acreditamos.
Robson: No seu livro, você descreve outro aparente paradoxo: o fato de que, em média, as pessoas estão menos felizes com seus relacionamentos, mas os 20% das pessoas mais felizes com seus parceiros estão mais satisfeitos do que nunca. Como você explica isso?
Brunson: Muitos casamentos, agora, têm baixo nível de satisfação, por uma série de razões.
Por exemplo, sabemos que existem mais escolhas, acreditamos que a grama [do vizinho] é mais verde e também temos mais conhecimento. Você pode avaliar seu estilo de vínculo na internet, por exemplo, e descobrir se o seu vínculo ou o do seu parceiro é forte ou não.
Robson: Isso poderia criar dúvidas sobre o relacionamento?
Brunson: Sim, muitas pessoas estão insatisfeitas. Mas alguns estão usando essas ferramentas em seu benefício.
Eles estão tentando descobrir o que falta no seu relacionamento, para poderem melhorar. Eles estão inspirando um ao outro a trabalhar para melhorar seu bem-estar.
Ou seja, existe um percentual menor de pessoas altamente satisfeitas e um grande percentual, infelizmente, com menor satisfação.
Robson: Você mencionou estilos de vínculo. Como eles refletem nossas experiências na infância com nossos cuidadores e como influenciam nossos relacionamentos na idade adulta?
Brunson: Você tem o vínculo seguro, que é essencialmente alguém que, quando seu cuidador estava ausente, se sentia seguro e capaz de cuidar de si próprio. Eles sabiam que o seu cuidador iria voltar.
Você tem o estilo de vínculo ansioso: se o cuidador saísse do quarto e voltasse, eles levariam um tempo para se reestabilizar, porque ficariam ansiosos, pensando se o cuidador iria sair de novo.
Existe o estilo de vínculo de fuga: se o cuidador saísse do quarto e voltasse, a criança não ligaria. Ela acreditava que o cuidador, na verdade, não se importava com ela e, por isso, ela só poderia confiar em si própria.
E a quarta categoria é a "desorganizada", que é uma combinação de fuga e ansiedade.
A maneira como formamos vínculos durante a infância, muitas vezes, é a mesma em que nos vinculamos aos nossos entes queridos na idade adulta.
Por isso, você vê alguém com estilo ansioso sempre preocupado que o seu parceiro irá deixá-lo. Alguém que tem estilo de fuga não irá se abrir emocionalmente para o seu parceiro. E o estilo seguro será essencialmente mais saudável.
Os estilos de vínculo se tornaram muito populares, mas é importante conhecer as diferenças e nuances culturais. Uma criança considerada ansiosa em uma região pode ser considerada segura em outra, porque ela é criada de forma diferente.
Robson: Considerando seu trabalho no Tinder, quais tipos de erros as pessoas estão cometendo nas suas estratégias de encontros online?
Brunson: Existem diversos erros. Um deles é não fazer a lição de casa para identificar o objetivo do relacionamento, porque existem muitas variações.
Instalamos agora uma função no Tinder que permite selecionar o seu objetivo de relacionamento. Porque, se você estiver procurando um parceiro de longo prazo, mas eu estiver buscando um parceiro de curto prazo e nós começarmos um relacionamento, será um desastre.
Outro grande problema é que as fotos são terríveis. As pessoas não têm fotos recentes e, quando elas aparecem no encontro, não se parecem em nada com a imagem. Pode parecer que elas estão enganando os demais intencionalmente – mas não estão.
Sabe, quando entrei no Tinder dois anos atrás, precisei abrir uma conta para ver do que se tratava e carreguei uma foto provavelmente de 12 anos antes. Agora, a pessoa [com quem eu trabalhava] no Tinder dizia, "Paul, você não se parece com isso".
Todos nós nos achamos parecidos com o que éramos 10 anos atrás, mas não somos. Você precisa ter três a cinco fotos – uma com um sorriso verdadeiro, outra que mostre você de corpo inteiro e algumas fotos suas fazendo algo que seja sua paixão.
Por fim, inclua algumas beige flags (informações curiosas) no seu perfil. São aquelas coisas que as pessoas podem achar excêntricas, mas fazem parte de você.
Uma beige flag que eu [pessoalmente] posso fornecer é que, uma vez por mês, eu jogo [o jogo de RPG] Dungeons and Dragons. Muitas pessoas podem fazer generalizações e se afastar. Mas sempre haverá outro grupo que irá se interessar.
E o fato de que incluí essa informação mostra o quanto eu tenho autoestima, porque estou mostrando aquilo para todos.
Robson: Existem grandes diferenças entre as gerações na busca de encontros?
Brunson: Precisamos entender que a geração Z na sua cidade ou país pode ser diferente da geração Z em outra cidade ou país, mas existem diferenças entre as gerações. E uma das coisas que eu adoro é que eles valorizam a autenticidade.
Na nossa pesquisa no Tinder, concluímos que o principal fator determinante se haverá um segundo encontro é se eles se sentem confortáveis sendo eles próprios com seus parceiros.
Em todas as gerações anteriores, a atração física era o principal fator. Agora, a atração física ainda está em segundo lugar [para a geração Z], mas estamos fazendo avanços.
* O livro de Paul C. Brunson (em inglês) Encontrar o Amor: Como Navegar pelo Amor Moderno e Descobrir o Parceiro Certo para Você foi publicado pela editora Vermilion.
** David Robson é um escritor de ciências premiado. Seu próximo livro (em inglês) chama-se As Leis da Conexão: 13 Estratégias Sociais que Transformarão Sua Vida, a ser publicado em junho de 2024 pela editora Canongate (no Reino Unido) e pela Pegasus Books (nos Estados Unidos e no Canadá). Sua conta no X (antigo Twitter) é @d_a_robson. Ele também pode ser encontrado com o nome @davidarobson no Instagram e no Threads.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.
- O que é 'dating déjà vu', que nos faz escolher sempre o mesmo tipo de parceiro
- O pragmatismo da geração Z sobre amor e sexo
- 'Situationship': o que significa o tipo de relacionamento abraçado pela geração Z
- O que está por trás do 'burnout' de quem busca relacionamento em aplicativos
- Como os aplicativos de encontros despertam o que há de pior em algumas pessoas
- O efeito que os aplicativos de namoro podem causar no cérebro