Rossandro Klinjey é psicólogo, professor e palestrante e também marcou presença no Hotmart Fire 2024 realizado em Belo Horizonte, no final do mês de agosto. O especialista em saúde mental e educação trouxe importantes discussões sobre o consumo excessivo de telas, o papel da escola e dos pais como aliados na educação de seus filhos. 

Tivemos no Hotmart Fire um importante debate com os quatro pensadores (Mario Sérgio Cortella, Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé e Clóvis de Barros Filho). Eles falaram sobre a dificuldade de entender, ou de acreditar, que a inteligência artificial vai tomar o lugar do humano. A inteligência artificial está aumentando o contato das pessoas com as telas. Como reduzir o uso de celulares para que os jovens possam viver parte do dia offline? 

Percebo que muitos países têm criado legislações proibindo o celular nas escolas. Eu acho que o Brasil, em algum momento, vai tomar essa medida, que vai ser muito bem-vinda. Porque para você ter retenção de conteúdo, que é o objetivo da educação, e reter informações para depois você usá-las profissionalmente e emocionalmente, temos que ter atenção.
 
 
 
Um smartphone na mão não tem atenção a nada, a não ser no próprio smartphone, porque eles são feitos para gerar severa dependência psíquica. Então, no fundo, não que a gente vá condenar ou abolir o celular, mas tem que modular o uso dessas tecnologias. Na chegada dos smartphones, havia hipóteses sobre o quanto eles prejudicariam as crianças e os adolescentes. Hoje não é mais hipótese, é verdade. Tem pesquisas mostrando que prejudicam mais do que ajudam. Então, é preciso modular, é preciso entender que tem uma idade certa para entregar o celular para uma criança. A Sociedade Americana de Pediatria recomenda 14 anos de idade para você dar o celular a um adolescente e com uso temporário, tipo não dormir com ele e não acessar na hora da refeição com a família. Para que isso? Para interagir e não levar para a escola. 
 
 
A gente sabe que muitos pais, cansados, chegam em casa e querem descansar um pouco e às vezes entregam o celular para o filho para que tenham um descanso pontual. Isso é compreensível. Mas, frequentemente, isso é destrutivo. É importante que a gente entenda que filhos dão trabalho. A gente tem que escolher: quando criança, se vamos corrigi-los, ou não ter trabalho para sempre porque teremos adultos incapazes de se manter financeiramente, de ver o mundo e adquirir competências. 
 

O letramento digital nas escolas é para mudar o jeito de pensar; não é apenas um lugar de desenvolvimento de competências intelectuais, mas também um lugar onde a gente desenvolve as competências da alma, habilidades emocionais no mundo digital. Eu tenho, inclusive, uma empresa chamada Educa, que trabalha no desenvolvimento de competências emocionais. Para essa geração não existe o offline; se pudessem, dormiriam online. Mas o mundo real acontece no offline. As trocas afetivas, os olhares e o toque acontecem no mundo real. 

A fala dos meus amigos Cortella, Karnal, Pondé e Clóvis de Barros foi muito nessa vertente de entender e fazer uma crítica sobre o quanto essas inteligências também podem provocar uma onda maior de seres humanos abdicando do seu papel no mundo para serem substituídos por máquinas. O que isso vai impactar na saúde mental, no mundo do trabalho e nos relacionamentos é pauta para o nosso século. 

Falando um pouco sobre essa questão do uso dos celulares, muitos pais negociam com seus filhos: 'Tá bom, você não vai para o celular', mas ficam com um sentimento de culpa. Como criar mecanismos para que as crianças e adolescentes consigam ter atividades recreativas no mundo offline? É um jogo perdido?

Eu não acho que é um jogo perdido. É um jogo que, por enquanto, é individual. Cada pai, cada mãe, avó ou a pessoa que cuida, está fazendo do seu jeito, mas a sociedade tem que discutir isso coletivamente. Por exemplo, países, inclusive a China, têm legislação, e o celular na sala de aula é abolido. Eles entenderam o prejuízo que estava acarretando na própria sociedade.
 
Há uma discussão coletiva de como corrigir isso, mas enquanto isso não se dá, eu tenho que, como educador, escola ou família, fazer minhas escolhas. E é uma escolha que não é a de demonizar o celular, mas de dar a ele o lugar que ele tem que ter, de uma coisa que deve nos ajudar e não nos prejudicar. É muito mais de pontuar o uso do que excluir ou abolir. Porque, em algum momento, essa criança, esse adolescente, vai virar um adulto que vai usar o celular profissionalmente. Entre virar entretenimento barato e vir a ser um instrumento de trabalho, é preciso que haja um treino para que façam essa transição. 
 
O que criança e adolescente precisa é de limites. E quem tem que dar são os pais. Eles não podem terceirizar isso totalmente para a escola. 

Sobre o papel do educador, como o professor tem lidado com esse tipo de aluno que está chegando? Como você disse, é responsabilidade da família, mas os pais delegam à escola. Quando a escola chama atenção, o pai vai lá e briga com o professor também. Ou seja, uma luta perdida. Como os educadores estão lidando com essa questão?

Eles estão adoecidos. Estão completamente adoecidos porque os pais, em vez de entenderem a escola como companheira de jornada, entendem como um inimigo a ser combatido. A escola e a família querem o mesmo objetivo: educar almas humanas e alguns pais chegam humilhando os educadores. Isso é uma coisa lamentável. A gente tem que entender que não pode ser assim.
 
Eu estava palestrando nos Estados Unidos, em Los Angeles, conversando com professores e perguntei como era lá. Eles falaram que a única diferença é que nos Estados Unidos eles podem chamar a polícia. "Porque se a gente sentir que o pai está sendo negligente, a gente chama a polícia. E, se for confirmada a negligência, o Estado toma o filho. Por medo de que nós acionemos o aparato estatal para corrigir o que eles não têm cumprido, eles nos respeitam. Mas, se não fosse isso, a gente também estaria perto do nível de desrespeito que, por exemplo, a gente vê no Brasil." 
 
A família precisa entender que a escola não é um inimigo a ser combatido e vice-versa, mas  parceiro de uma jornada desafiadora, belíssima, inclusive, que é educar a alma humana. A tecnologia precisa ser uma aliada, mas, por enquanto, exige uso controlado para que a gente possa garantir uma sociedade saudável. Por enquanto, não é o que temos conseguido, lamentavelmente. 
 
 
compartilhe