O Estado de Minas lançou nesta semana o "Glitch Clube", podcast que explora como o universo dos Jogos vai além do entretenimento, influenciando a cultura e a sociedade brasileira. Em sua estreia, os hosts Leo Lima e Maria Lúcia Passos conduzem uma conversa sobre o mercado de jogos no Brasil, com a participação de Lucas Criscoullo, influencer e criador de jogos analógicos, e Marcos Paulo, diretor da Gaz Games, uma empresa de desenvolvimento de jogos em Belo Horizonte.
O episódio traz uma discussão sobre o crescimento dos jogos analógicos e digitais no país. Lucas Criscoullo destaca como os bares de jogos em Belo Horizonte têm se tornado novos pontos de encontro e socialização, permitindo que as pessoas experimentem uma variedade de jogos sem precisar comprá-los. Já Marcos aborda a evolução do consumo dos jogos eletrônicos citando a chegada dos smartphones como parte fundamental para o crescimento do mercado. Confira trechos da conversa:
A popularização dos jogos analógicos no Brasil
Lucas Criscoullo compartilhou sua experiência com os jogos analógicos no Brasil e explicou como o sucesso de títulos como Coup e Ticket to Ride, além da popularização dos bares de jogos, vem contribuindo para uma nova forma de socialização.
"Jogos analógicos são os jogos físicos, não são digitais. Todo mundo já jogou um: War, Banco Imobiliário, Jogo da Vida, todos são jogos analógicos. Mas, nos últimos anos, esse mercado cresceu bastante, e hoje temos vários jogos que fazem muito sucesso, como Coup, Ticket to Ride e Azul”, explica Criscoullo.
Adaptação dos jogos digitais durante a pandemia
Marcos Paulo, com 14 anos de experiência em modelagem 3D e desenvolvimento de jogos, falou sobre o mercado de jogos digitais. Como sócio da Gaz Games, Marcos destacou o desenvolvimento de jogos voltados para entretenimento e ‘serious games’ (jogos sérios, na tradução literal), como simuladores de treinamento. Segundo ele, a pandemia teve um impacto positivo na indústria de jogos, com uma crescente demanda por novos jogos, embora o setor de jogos analógicos tenha sido mais prejudicado pelo distanciamento social.
"Na pandemia, todos se fecharam em casa e ainda queriam entretenimento. Havia o YouTube, a Netflix e, claro, os jogos digitais. A indústria de games cresceu muito, pois conseguiu se adaptar rapidamente ao novo cenário, com desenvolvedores trabalhando de casa. As empresas praticamente mantiveram o ritmo, e as contratações aumentaram bastante", explicou.
Desafios para novos desenvolvedores
A conversa também abordou os desafios enfrentados por novos desenvolvedores de jogos no Brasil. Lucas ressaltou que, embora o setor esteja crescendo, a rentabilidade continua sendo um obstáculo. Contudo, Marcos apontou que o acesso a ferramentas gratuitas de desenvolvimento tem facilitado a entrada de novos profissionais no mercado. Ele explica que o aprendizado de programação em jogos também abre portas para outras áreas da tecnologia, como a programação de apps.
"Hoje, para quem tem interesse em desenvolvimento de jogos, a barreira de entrada é muito pequena. Com acesso a cursos, materiais e softwares gratuitos, qualquer pessoa pode usar as mesmas ferramentas que grandes estúdios Triple-A. Em Belo Horizonte, por exemplo, usamos o mesmo software que desenvolvedores de jogos de alto nível utilizam, e ele está disponível gratuitamente para quem quer aprender e desenvolver seus próprios jogos. Esse acesso facilita muito a entrada no mercado, diferente de outros setores, onde softwares costumam ser caros ou há poucas opções de baixo custo", explicou Marcos.
Ele ainda destacou a versatilidade do conhecimento em programação de jogos, afirmando que "as ferramentas e os conhecimentos aplicados em jogos podem ser usados em várias áreas de desenvolvimento digital, ampliando as possibilidades para quem trabalha com games."
Avanço da tecnologia mudou o consumo
Na segunda parte do episódio, os convidados discutiram como a acessibilidade dos jogos e a evolução da tecnologia, especialmente com o advento dos smartphones, têm impulsionado a popularização dos games. Eles falaram sobre o impacto de jogos mobile como Angry Birds e Pokémon GO.
"Se olharmos para o cenário de 10 anos atrás, vemos como a forma de consumir jogos mudou bastante. Com o advento dos smartphones e o lançamento do iPhone, o mercado começou a ver o potencial dos jogos mobile em telas de toque", explica Marcos Paulo. "Além disso, a distribuição digital tornou os jogos muito mais acessíveis do que antes, quando era preciso produzir CDs ou cartuchos para lançá-los no mercado."
Aplicação da gamificação no mercado de trabalho
O tema da gamificação também foi abordado, com Lucas e Marcos discutindo como elementos dos jogos podem ser aplicados no mundo corporativo. Eles deram o exemplo de simuladores de treinamento, como os usados para treinamento de vendas, onde a gamificação ajuda a transformar tarefas difíceis em algo mais envolvente. Contudo, Marcos alertou sobre os desafios de implementar a gamificação nas empresas, destacando que ela precisa ser adaptada à cultura organizacional para ser eficaz.
"A gamificação tem esse lado de que, muitas vezes, acaba não funcionando bem, porque entrou em um hype, como aconteceu com o metaverso: foi para a ponta da língua de todo mundo, mas a execução deixa a desejar. Não é algo que você simplesmente aplica, como pegar um jogo de tabuleiro e entregar para um setor inteiro, dizendo: 'A partir de agora, vocês vão se treinar com isso'. É preciso ter acompanhamento, pensar na cultura daquele ambiente e planejar como a gamificação será aplicada e mantida. Muitas empresas acreditam que é só desenvolver um jogo para ensinar uma função, entregá-lo e pronto, ele vai funcionar. Mas sem uma cultura de game inserida nos processos, isso não se sustenta", afirmou Marcos Paulo.
Jogos de azar e o Marco Legal dos Games
O debate ainda incluiu uma reflexão sobre os jogos de azar e sua diferenciação em relação aos videogames. Lucas expressou desconforto com a classificação dos cassinos online como jogos, argumentando que eles não oferecem o mesmo tipo de diversão e envolvimento que os videogames, que dependem de habilidade.
"O mercado dos jogos tem um potencial enorme para entreter e até educar de forma positiva, mas eu, como alguém que vive e ama esse universo, fico desconfortável em ver cassinos online sendo colocados no mesmo grupo que jogos digitais," comentou Lucas. "Por mais simples que seja, um jogo tem o objetivo de divertir, enquanto os cassinos online acabam levando ao vício e prejudicando famílias. Tudo que é viciante demais, que gera essa dependência, não faz bem," explicou Lucas.
A conversa também abordou o Marco Legal dos Games, que tem ajudado a distinguir os videogames dos jogos de azar no Brasil e a oferecer incentivos ao setor.
“Foi isso que tentaram inserir no Marco Legal dos Games. As apostas entraram como Fantasy Games, que são jogos que simulam o mundo real com personagens fictícios. Eles criam todo um universo em volta para tentar justificar isso como um jogo. Porém, o governo acabou retirando essa proposta. Hoje, no Brasil, o Marco Legal dos Jogos diferencia claramente os videogames dos jogos de azar. Até então, jogos como Pokémon ou jogos de cassino eram tratados da mesma forma, e o videogame era taxado como jogo de azar”, explicou Marcos.
O potencial da cultura brasileira nos jogos
Para encerrar, o episódio discutiu o potencial dos jogos inspirados na cultura brasileira, como Dandara e Aritana, que trazem mitologia indígena e elementos culturais brasileiros para o público internacional. O episódio deixa conclusivo que, apesar de avanços, há muito potencial a ser explorado no Brasil, e o futuro dos jogos no país é promissor.
"Existem muitos jogos que representam a cultura brasileira, mas eles acabam sendo mais nichados. Os jogos que se destacam internacionalmente tendem a ter temáticas mais universais, o que faz com que muitos jogos com elementos brasileiros não ganhem a mesma visibilidade. Um exemplo é o Horizon Chase, que traz o Ayrton Senna e até o Fiat Uno, com referências bem brasileiras. Além disso, há um evento anual na Steam chamado 'Made in Brazil', onde são destacados jogos nacionais. Recentemente, uma empresa chamada Epopeia, do Rio Grande do Sul, lançou um jogo onde você controla um gaúcho, quase como um Animal Crossing, mas com uma pegada bem brasileira."
Sobre o Glitch Clube
Com episódios quinzenais, o Glitch Clube promete ser um ponto de encontro para quem quer se manter atualizado sobre as novidades do setor e entender como o mundo dos games reflete e impacta a sociedade. O podcast tem como objetivo promover discussões relevantes sobre a indústria de games, trazendo convidados especialistas para compartilhar suas perspectivas e experiências. Disponível no canal do YouTube do Portal Uai e no Spotify, o Glitch Clube é uma excelente opção para entusiastas, desenvolvedores, profissionais do setor e qualquer pessoa interessada no universo dos jogos.
*Contribuição de Maria Lúcia Passos