ILHA DOS FRADES, BA (FOLHAPRESS) - Um grupo de golfinhos saltitantes acompanha a embarcação uma hora depois de o catamarã ter zarpado do terminal náutico da Bahia. Todo o mundo corre para tentar tirar umas fotos, mas os cetáceos são tão ligeirinhos que somem rapidamente na imensidão da baía de Todos-os-Santos, a maior do Brasil. Quando se olha para trás, percebe-se que Salvador está longe. No barco, entre o anúncio da venda de caipirinha de cajá e um bando de gringos rebolando até o chão ao som "Vem, Neném", clássico do Harmonia do Samba, quem impera é o mar verde-esmeralda, com um naco de terra coberta de mata atlântica logo ali à frente.
Bem-vindo à Ilha dos Frades, um dos territórios insulares mais procurados nos arredores da capital baiana nesta temporada de verão, tanto por soteropolitanos quanto por turistas de todas as bandas do mundo. Coisas da Bahia, com o seu gingado de criar sempre o hit da estação, a dancinha de Carnaval que toma conta do país inteiro e, vem verão, vai verão, costuma nos revelar um "novo" paraíso (se ele não for assim tão novo, repagina e o transforma como tal).
Descoberta no início do século 16, a ilha ocupa uma área próxima ao centro da baía e pertence à cidade de Salvador. Corre à boca miúda que na origem do nome está o assassinato pelos tupinambás de frades que desembarcaram por ali com o objetivo de catequizá-los.
O pedaço de terra cercado pelo mar registra ainda uma história triste, oriunda do século 19, quando a ilha se tornou entreposto de navios ligados ao tráfico de escravizados que seguiam rumo ao Recôncavo Baiano. Ali, eles paravam para serem submetidos a um período de quarentena.
Em sua terceira passagem por Salvador, a nutricionista Juliana Campos, 43, reservou um dia para conhecer o lugar. "Estou impressionada com a cor do mar. É linda demais, parece Caribe", comparou. "Sem falar na temperatura agradável da água, do clima aconchegante, do sorriso estampado no rosto das pessoas."
As duas históricas igrejinhas da Ilha dos Frades, localizadas em lados opostos, também a seduziram, sobretudo a de Loreto, que ela visitou num passeio de barco, cruzando do lado sul para o norte. "São belíssimas, diria até bucólicas e muito bem conservadas. Fiquei emocionada", disse.
Para chegar aos Frades, alguns acessos são mais procurados. A partir de terminais marítimos de Salvador, por exemplo, embarcações privadas podem ser alugadas para um trajeto privativo que dura, em média, 40 minutos (preço a combinar). Turísticos, os serviços de catamarãs e escunas vão de R$ 70 a R$ 150 por cabeça. Para cada trecho, demoram uma hora e meia, a partir do Terminal Turístico Náutico da Bahia, bem atrás do Mercado Modelo. É bom ficar esperto e reservar com antecedência. A depender das condições de navegação, o passeio pode ser cancelado.
Há ainda embarcações menores com saída do porto de Madre de Deus, cidade a 65 km da capital baiana. É uma opção de trajeto recomendada, principalmente, para quem vai se hospedar ou para aqueles que desejem passar o dia todo na ilha. Sai mais em conta, só que é preciso estar atento e checar se a embarcação, de fato, possui autorização para operar.
Os barcos costumam sair a cada 30 minutos, num trajeto ligeiro, entre 10 e 20 minutos, em direção à praia de Paramana. A depender do dia, do número de passageiros, da embarcação e, por óbvio, da negociação, o custo gira em torno de R$ 50 (ida e volta).
É na parte norte da Ilha dos Frades que se localiza a igreja de Loreto, na praia de mesmo nome, que fica mais próxima à cidade de Madre de Deus. Na edificação de 1645, a capela Nossa Senhora do Loreto foi reformada e reformulada nos dois séculos seguintes. Com ares cenográficos, a construção católica tem seu altar com elementos neoclássicos. Se no passado servia de sede da fazenda, hoje, o casarão da igreja transformou-se num centro de memória.
Com capacidade para receber cem pessoas sentadas, esse cenário à beira-mar costuma servir de ambiente para casamentos de políticos, empresários, artistas, ricos e famosos. Uma festa no local custa a partir de R$ 70 mil.
É, porém, na área sul da ilha que a maioria dos turistas desce para curtir o dia (ali é cobrada uma tarifa de R$ 25 no terminal). Da Ponta de Nossa Senhora do Guadalupe dá para ver a bandeira azul hasteada na areia. Ela é uma espécie de selo que representa o prêmio ecológico de certificação de praias, embarcações e marinas que seguem um protocolo, com uma série de critérios socioambientais, da qualidade da água à educação ambiental, passando pelo turismo sustentável.
A Ilha dos Frades tem sua gestão urbana e ambiental idealizada e apoiada pela Fundação Baía Viva. Criada em 1999 por empresários baianos, a entidade diz que tem como propósito recuperar e valorizar as ilhas da baía de Todos-os-Santos, além de contribuir para a revitalização turística. "São duas décadas dedicadas ao desenvolvimento sustentável e ao resgate do potencial turístico da baía de Todos-os-Santos", afirma Isabela Suarez, 43, presidente da entidade.
Ao todo, calcula-se que a ilha disponha de 15 praias (muitas delas desertas) em uma área com cerca de 9 milhões de metros quadrados de mata atlântica, o que equivale, mais ou menos, a seis vezes à área do Ibirapuera. Seu formato lembra uma estrela de 15 pontas.
De abril a agosto, as chuvas costumam ser um pouco mais frequentes, contudo não chegam a comprometer a viagem, segundo dizem os moradores que abrem suas casas para turistas tirarem fotos. De qualquer forma, em tempos de crise climática, fica difícil saber o que esperar das estações do ano.
De modo geral, assim como a nutricionista de Campinas, os forasteiros se programam para passar apenas um dia. Vale investir um bocadinho mais de tempo e, é claro, de grana, para estender a visita por pelo menos duas noites e assim conhecer com mais calma seus atrativos.
Uma coisa é certa: não dá para falar da Ilha dos Frades sem mencionar o restaurante Preta. O ambiente virou "point" de encontro de famosos, como Ivete Sangalo, Ney Matogrosso e as famílias de Gil e Caetano, entre tantos outros.
No diminuto vilarejo, o visual da casa é integrado à natureza. O espaço, em si, é um atrativo. Repleto de peças descoladas (coisas de mãe, vó, bisa), móveis descartados ou fragmentados, louças sem conexão e outras de vínculo afetivo da chef Angeluci Figueiredo, a Preta, o restaurante é sempre concorridíssimo.
Do vinagrete de polvo à lagosta com batata-doce, acompanhada de uns drinques de ciriguela, tudo ali no cardápio reforça a inventividade da cozinha baiana. Preta, ex-fotógrafa, comanda também a Pretoca, pousada que funciona em paralelo, interligada ao restaurante.
No embalo da descida da ladeira rumo ao píer, pegue um caminho à direita quando estiver bem pertinho da praia e suba os degraus em direção à igreja Nossa Senhora de Guadalupe, datada do século 17, também restaurada. Construída pelos portugueses no alto do cume, a igrejinha é dona de localização privilegiada, de onde se tem uma vista panorâmica do mar e de Salvador. Se olhar bem, à direita, dá ainda para ver Itaparica.
Enquanto aguardava o catamarã no Terminal Marítimo da Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe, que a levaria de volta ao continente, a turista de Campinas observava a organização e a limpeza da área. "Tudo é muito aprazível. Deveria ter ficado por aqui por pelo menos duas noites", afirmou Campos. "Não tenho dúvida, voltarei!"
Ao regressar para o continente, é possível assistir ao espetáculo do pôr do sol que vai colorindo São Salvador aos olhos de quem vem do mar. Uma variação de tons dourados recai sobre o elevador Lacerda, o topo das igrejas do Pelourinho, as fachadas de edifícios históricos e sobre as moradas simples à beira-mar da Cidade Baixa.