Pelas ruas históricas da cidade litorânea que ganhou notoriedade pelas fazendas exportadoras de cacau, dá para imaginar que Ilhéus, no sul da Bahia, vai muito além dos estereótipos que navegam dos mares cristalinos de amplas praias, no maior litoral do estado, a mares verdes de frutos alaranjados e sementes amendoadas. A terra de Jorge Amado, um dos mais importantes escritores do país, é um convite e um mergulho na literatura, nas águas e na produção de cacau e de chocolate, uma das mais tradicionais do mundo.
Na história ou no turismo, o Brasil é surpreendente, inclusive para nós mesmos, brasileiros. Muitas vezes é preciso viajar por esse país para entender um pouco mais, ou melhor, a origem e o jeito único que a miscigenação construiu trajetórias interessantes. O café, por exemplo, produto trazido para o Brasil a partir da Guiana Francesa, tornou-se a base econômica do século XIX, chegando a representar 70% das nossas exportações. Chineses de Macau plantaram chás no Jardim Botânico no Rio de Janeiro, a convite de D. João. A banana, do sudeste asiático passou pela África e chegou ao Brasil pelas mãos dos portugueses. E o cacau?
Amado cacau
O cacau é inspiração para Jorge Amado em pelo menos quatro obras: Cacau, O Menino Grapiúna, Terras do Sem Fim e São Jorge dos Ilhéus. E quando o turista chega a Ilhéus, a primeira pergunta é: “Você já provou o “bolinho de estudante”? E a cocada de cacau? E o pannã?” Não é preciso muito esforço para compreendermos que estamos num lugar cheio de histórias e de culinária literária.
Quem vai a Casa do Rio Vermelho em Salvador, onde Amado viveu, conhece um pouco da história das obras por meio do cotidiano de Jorge e Zélia Gatai, sua esposa. É lá que estão também duas cozinhas, em especial as dos quitutes, hoje chamados de “comida dos orixás”, “comida baiana”, “comida africana”. De certo, um paladar afetivo também trazido de Ilhéus, por Amado.
Nos Mares de Ilhéus
No resort Jardim Atlântico onde nos hospedamos, uma recepção marcada por esse imaginário que confunde literatura brasileira e boa gastronomia. Pé na areia, o lugar possui uma enorme piscina com deck bar, sauna, spa de massagens, dois restaurantes e, claro, serviço de praia para atendimento exclusivo. Além de lojas de chocolates e até uma fazendinha educativa para crianças. Mais que isso, o Jardim Atlântico é referência gastronômica na região.
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Uma deliciosa moqueca de peixe com banana chamou atenção. O agridoce do prato vinha acompanhado da brisa do mar e de muitas outras regionalidades como o pirão, a farofa de dendê, o picolé com pedaços de chocolate, o suco de cacau, ou ainda as deliciosas sobremesas. Eu provei a mousse de chocolate 65% cacau (impecável) e o tiramissu, uma perfeição! Tão bom que a gastronomia do Jardim Atlântico atrai turistas e moradores da cidade que vêm saborear a culinária do resort. E o mais curioso, quem comanda tudo isso é o gerente de Experiências em Alimentos e Bebidas, Cleber Aguiar, curitibano que foi adotado pela Bahia e por suas cozinhas.
Cravo e Canela
A ERTOUR receptivo e o guia de turismo Manuca (se você chamar de Manoel, ele não responde!) nos convidaram para um passeio pelos casarões históricos do centro de Ilhéus, pelos lugares que fizeram parte das estórias de Jorge Amado, principalmente na obra “Gabriela, cravo e canela” e por uma fazenda de cacau, onde conhecemos a produção que vai das árvores às barras de chocolate.
No “Bar Vesúvio” das obras de Jorge Amado era discutido o machismo, a discriminação, a luta de classes e a mudança dos costumes em uma sociedade que está gradualmente se abrindo para novas ideias e influências externas. Ao lado da Igreja, o Vesúvio da Ilhéus turística de hoje é parada obrigatória para provar pelo menos “o quibe do Nacib”, o proprietário sírio-libanês apaixonado por Gabriela.
O Bataclan, casa noturna de personagens memoráveis como “Maria Machadão”, hoje é um restaurante temático de mesmo nome num resgate histórico da memoria literária brasileira. Uma reverência à cidade, ao patrimônio arquitetônico e cultural, ao turismo e principalmente ao legado de Jorge Amado.
“Tree To Bar” em Ilhéus
Do outro lado da cidade, a mata verde nos leva a outros mares. Uma fazenda de cacau que produz o cultuado “chocolate de origem”, por ser responsável por todas as etapas da produção que vai do cultivo das árvores cacaueiras até as barras e seus infinitos sabores. Dá para provar chocolate de frutas vermelhas, de hibiscos, de bolo de aipim, ou simplesmente chocolate ao leite ou ainda os de maior percentagem, 70, 80% de puro cacau. Foi na Fazenda Capela Velha que conhecemos o mel, a geleia, o suco, e até o chá de cacau.
Nessa viagem cheia de sabor e malas repletas de chocolates, dá até para imaginar Jorge Amado hospedado por aqui. Embora tenha nascido em Itabuna, a 30km de Ilhéus, tudo na cidade remete a Jorge e suas obras. O Pé na areia, o suco de cacau para relaxar, uma boa moqueca e sua crítica social afiada escrevendo as melhores histórias entre quitutes e prosas; entre Gabrielas e coronéis; entre fazendas e praias, nesse lindo resort ou no banco da praça. Afinal, de origem amazônica, o cacau da Bahia é também o “Brasiiil do Brasiiil”.
Thiago Paes viaja o mundo em busca de experiências de luxo e gastronomia. É consultor em Turismo Gastronômico, colunista de Viagem & Gastronomia, apresentador no canal Travel Box Brazil e está no instagram como @paespelomundo.
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