Apresentado como uma manifestação rica e muitas vezes complexa, o canto lírico tem ocupado cada vez mais o espaço nos palcos brasileiros. Seja nas montagens de óperas nas grandes casas de espetáculo, seja em concursos que promovem este segmento, fato é que temos percebido uma presença mais harmoniosa do canto lírico nos meios artísticos, em contraponto ao consumo rotineiro da música popular.
Na cena artística, o canto lírico se destaca pelo refinamento técnico, oferecido pelos cantores, que se dedicam a esta modalidade artística. Além da capacidade de projeção da voz, a interpretação das peças, o canto lírico, exige potência e uma expressividade que garantem a emoção e as sensações para quem as ouve.
Normalmente, os cantores líricos são os intérpretes das óperas, dos oratórios e na maioria das vezes, isto se dá com o idioma de origem do compositor das peças, por isso, para compreender o universo do canto lírico, é muito importante que se esteja minimamente familiarizado com o canto, as técnicas e às mensagens que cada obra se dispõe a passar aos ouvintes.
Para muitos o “bel canto”, termo italiano, que faz menção a beleza do canto lírico, exige um controle vocal especial se o intérprete pretende realmente atingir as notas agudas, vocalmente bem projetadas e com o diafragma garantindo a sustentação dos sons emitidos. Não é uma vida fácil não!!
Os apreciadores do canto lírico, habitualmente são encontrados no público adulto, nos mais idosos, mas há que se perceber, que nas escolas de música, nos corpos estáveis das casas de espetáculos e muitas vezes de onde se menos espera, pessoas interessadas em explorar esta modalidade artística acabam despontando e muitas vezes surpreendendo.
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Como frequento e aprecio muito a boa música, fiz um compilado na cena artística mineira e trouxe hoje para apresentar para vocês, dois belos exemplos de artistas jovens, que trato aqui como as novas faces do canto lírico em Minas Gerais e no Brasil.
Os talentos de Núbia Eunice e Carlos Morais
Falo de Núbia Eunice, soprano, bacharel em música com habilitação em Canto Lírico pela UFMG e de Carlos Morais, barítono e também bacharel em música pela UFMG.
O melhor, é que Núbia e Carlos, com 23 e 26 anos respectivamente, tem oferecido a música mineira, para além do enorme talento, prêmios e reconhecimentos que conferem a ambos o merecimento do destaque de nossa modesta coluna semanal neste portal.
Segundo Núbia Eunice, “Minas Gerais possui alguns movimentos, que mantém o canto lírico vivo. Temos duas casas de espetáculo importantes na capital: o Grande Teatro Palácio das Artes e a Sala Minas Gerais. Temos coros importantes como o Coral Lírico de Minas Gerais, Ars nova – Coral da UFMG e o Coro Madrigale, sem falar das instituições de estudo como, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal de Ouro Preto e a Universidade Estadual de Minas Gerais.”
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Núbia vai além e destaca também o importante papel da Sala São Paulo, que tem como parte dela a Orquestra Sinfônica do estado e os Coros adulto e infantil da OSESP. O “Theatro da Paz e o Theatro São Pedro” são casas lembradas por Núbia, que trazem amparo a esta modalidade, assim como a Casa da OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), a Sala Cecília Meireles, o Centro Cultural Teatro Guaíra, o Coral Lírico dos Teatro Municipal de São Paulo e o do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Todos os espaços citados acima produzem durante o ano inteiro diversos espetáculos onde o canto lírico está presente, seja em vozes de coralistas seja em vozes solistas em óperas, oratórios e concertos diversos. A boa notícia é que, segundo Núbia, “o movimento é muito grande em todo o país e o acesso ao público é fácil, já que sempre há espetáculos com o preço acessível ou até mesmo, de forma gratuita”.
Descobrindo a vocação
Núbia Eunice relata “aos 10 anos, quando estava no ensino fundamental 2, fui surpreendida por alguns professores da Associação Cultural Os Canarinhos de Itabirito, que visitaram a minha escola (Ana Amélia Queiroz), em Itabirito – MG, para ouvir as crianças e adolescentes. Na época, eu nem sabia que existia coral em Itabirito. Lembro-me que quando chegou a minha vez de cantar para o professor que me ouviria, eu fiquei super nervosa e me deu um apagão das músicas na minha mente. O professor tentando me acalmar e me incentivar, sugeriu então que eu cantasse “Parabéns pra você”. Eu respirei e me concentrei em cantar o melhor “Parabéns pra você” que eu já tinha cantado na vida.”
Não deu outra, no dia seguinte, Núbia recebeu uma carta convite endereçada a ela, convidando a estar em um ensaio da entidade. Nestes momentos é que percebemos o efeito da música envolvendo muito a todos e nestes ambientes a oferta de atividades é sempre muito diversificada. Os alunos experimentam aulas de musicalização e flauta, técnica vocal, ensaios semanais, que absorvem o tempo e encantam os ouvidos dos que se dedicam.
“Logo no início eu fui tendo oportunidades de fazer pequenos solos e fui descobrindo a minha voz aos poucos, desenvolvendo e compreendendo que eu gostava de cantar”. Simples assim! “Aos 12 anos, o coral recebeu ingressos para assistir a uma ópera no Palácio das Artes, lembro que fiquei muito empolgada com a oportunidade. Desde que me sentei na cadeira verde do Grande Teatro, nunca mais fui a mesma. Fiquei tão fascinada com a grandeza da arte que tinha assistido. Cantores que, além de cantar, atuavam, vestiam figurinos lindos, com orquestra e coro, cenário… foi avassalador para mim!”
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E sim, foi este o momento de decisão para que Núbia se dedicasse ao Canto Lírico. Em seguida, o caminho lógico, veio o Bacharelado na Universidade Federal de Minas Gerais.
Uma jovem com carreira brilhante
Fazendo jus ao seu talento, Núbia Eunice destaca as premiações que já recebeu, que passam pelo “Prêmio Joaquim Paulo do Espírito Santo – Jovem Solista no 1° Concurso de Canto Lírico Joaquina Lapinha, concurso destinado a pessoas pretas, pardas e indígenas (2022), Prêmio Série Toriba Musical no 21° Concurso Brasileiro de Canto Lírico Maria Callas, edição do centenário do nascimento da cantora Maria Callas (2023), 1° lugar no edital do programa Segunda Musical promovido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais. (2023), 1° lugar e o Prêmio Especial Décio Adriotti no 2° Concurso Zola Amaro para Cantoras Líricas (2023), Jovem Solista na categoria canto do Concurso Jovens Solistas e Regentes da Orquestra Sinfônica da Escola de Música da UFMG edição 2024”.
Realmente é uma carreira de dar orgulho a Minas Gerais.
Aos vinte e três anos de idade, Núbia Eunice já construiu uma carreira brilhante e conta sobre momentos marcantes vivenciados por ela, quando por exemplo, subiu ao palco do Teatro Municipal de São Paulo para se apresentar no recital dos vencedores do 1º Concurso de Canto Lírico Joaquina Lapinha. Núbia conta, “foi algo muito marcante para mim, aos 21 anos, uma cantora lírica jovem, mulher e preta subir ao palco onde tantos importantes nomes fizeram suas histórias e ainda poder trabalhar com o grande maestro Roberto Minczuk e a maravilhosa Orquestra Sinfônica do Theatro s Municipal de São Paulo”.
Mais um sonho realizado
Especial também foi quando Núbia realizou mais um sonho, o de fazer seu primeiro papel em uma montagem de ópera. “Fiz parte do elenco principal, como “Pamina”, na ópera A Flauta Mágica de Mozart. Foi um momento muito especial para mim, não só como parte do elenco, mas também, porque assumi a Direção Cênica da produção feita na Escola de Música da UFMG. Estive 200% envolvida em tudo junto ao querido maestro Charles Roussin, que foi o Diretor Musical e o professor da disciplina Opera Studio, onde realizamos esta obra.
Aprendi muito e levarei sempre em meu coração. Lembro que quando fiquei sabendo do resultado da audição para os papéis e vi meu nome, liguei para o meu pai chorando muito, sem acreditar nesta porta que tinha sido aberta para mim. Significou muito também poder fazer “Pamina”, que na maioria das vezes, é retratada como uma personagem de cor clara e cabelo liso, podendo seu eu mesma e sem ter que alterar minhas características”.
Carlos Morais, um barítono mineiro
Outro expoente talento do canto lírico mineiro é Carlos Morais, um barítono, formado pela Escola de Música da UFMG, que com apenas 26 anos, já experimentou boas sensações em palcos importantes do nosso país.
Carlos avalia que “Minas Gerais é um celeiro de belas vozes e grandes talentos e temos um grande número de cantores líricos profissionais com formação universitária, que na maioria das vezes precisam sair do estado e até mesmo do país para realmente trabalhar com a formação que escolheram. A oferta de trabalho para ser um solista de ópera ou de concerto ainda é muito pequena em relação a quantidade de músicos que temos disponíveis, o que faz com que a maioria dos profissionais atue em outras vertentes como: canto coral, aulas particulares de canto, casamentos, e preparação vocal de grupos. Dessa forma, acredito que no Brasil e em Minas Gerais o canto lírico ainda precisa de muito investimento dos setores culturais para que tenhamos mais oportunidades de exercer nosso ofício, temos muito que caminhar nesse sentido e olhando sempre para a realidade atual”.
Realmente, é um movimento cultural, que precisa receber atenção e incentivos por parte dos gestores culturais em todas as esferas.
Determinado
Carlos Morais conta, que não se julgava capaz para o canto profissional. Relata que determinado, investiu tempo e dinheiro para que o canto lírico se tornasse possível. “Iniciei os estudos aos 15 anos no conservatório da minha cidade natal, Santa Bárbara na região central de minas e aos 18 anos decidi me dedicar a esta profissão quando ingressei no curso de bacharelado em música na UFMG. Ali sabia que conseguiria o necessário para começar a trilhar um caminho como cantor profissional, conseguindo contatos, aprimoramentos e desenvolvimento”.
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Para ele, existem alguns desafios nessa área. A dedicação integral como o canto lírico requer, muitas vezes se torna a principal dificuldade. “exercer qualquer trabalho paralelo acaba dificultando a chegada ao nível esperado de aperfeiçoamento. No canto lírico, é preciso se aperfeiçoar em música, línguas, expressão corporal, estilos musicais, e outros”, destaca Carlos.
O mercado de trabalho também é um grande desafio devido a baixa produção lírica no país. Os cantores avaliam, que no Brasil, temos muitas produções orquestrais e cada vez menos montagens de óperas e espetáculos líricos. Além disso, a pouca produção existente, concentra-se em boa parte em São Paulo e no Rio de Janeiro.
“Eu acredito que essa profissão ainda está muito ligada a elites e pessoas com mais condições financeiras, por tudo que ela exige e pela sua relação com a história, e hoje em dia temos muitos projetos sociais que levam esse mundo a comunidades menos favorecidas e isso faz com que tenhamos muitos cantores vindos dessa realidade competindo com outros cantores com uma base muito mais sólida de estudo e condições de ir atrás de oportunidades”, reflete Carlos.
Sobre Prêmios
Talentoso que é, Carlos Morais, foi vencedor do Prêmio Maria Callas em 2022, no Concurso Joaquina Lapinha e finalista do 1º e 3º concursos de canto com o mesmo nome.
Carlos arremata, “nossa juventude hoje está muito mais diversa e heterogênea do que há 20 anos atrás, devido ao grande número de projetos sociais que ensinam e levam música de concerto e de outros estilos a lugares em que antes não chegavam com frequência, grande evolução da internet e redes sociais, programas de incentivo a educação para as classes menos favorecidas. Tudo isso possibilita que mais pessoas e de distintas realidades se vejam nessas carreiras e exercendo a música como profissão. Da mesma forma que existe investimento em projetos sociais que inserem jovens nesse universo acho que é preciso um esforço dos gestores culturais e das políticas públicas de cultura em fomentar o mercado de trabalho e as oportunidades para que cada vez mais possamos construir nossas carreiras aqui dentro do país sem precisar obter algum destaque internacional”.
O cantor ainda lamenta, que os projetos sociais que ensinam música e outras expressões da arte, se interessam muitas vezes pelo efeito dos holofotes focalizados nas ações sociais, mas nem sempre oferecem aos jovens, o encaminhamento profissional para quando chegam ao mercado de trabalho e normalmente se deparam com pouquíssimas oportunidades.
O Brasil é um país imenso com possibilidade de levar esses jovens a poder trabalhar dignamente, mas fica a reflexão de um artista que se dedicou, investiu e pouco a pouco está ocupando o seu espaço no cenário artístico no país.
Poucas oportunidades
Voltando à Núbia Eunice, que também arremata, “Sendo uma mulher jovem e preta, posso citar algumas coisas que tenho observado e discutido com colegas. É desafiador todo o processo de estudo e dedicação de uma vida ao aperfeiçoamento da sua técnica vocal, performance, dicção lírica em diversas línguas, percepção musical, história da música e etc. Mas é ainda mais difícil furar uma bolha para ser apenas ouvido por uma banca, e, quando se e é jovem e preto, é muito mais difícil ainda. Nos é pedido experiência, mas não nos é dado a chance de adquiri-la.
Aqui em Minas Gerais, temos o Grande Teatro do Palácio das Artes, que já promoveu grandes espetáculos operísticos. Quando me mudei para Belo Horizonte por causa da carga horária da minha graduação e trabalho, vim com uma esperança muito grande em ter oportunidades. Ao longo dos anos, fui percebendo que a oportunidade muitas vezes eram dadas para pessoas de outros estados, ou até outro país. Muitas vezes os cantores de Minas Gerais, eram chamados às vezes e para papéis pequenos, que hoje até são chamados para ter mais destaque, mas são os mesmos de sempre, não há rodízio e/ou oportunidades para outros da cidade”.
E Núbia reforça “eu questiono, você ter um diploma de bacharel, várias premiações, boa técnica, vontade de aprender e ter experiência, significa que um dia terá realmente boas oportunidades? Em outros lugares do país, como São Paulo, há movimentos grandes e importantes para que os jovens sejam mais incluídos nesses grandes palcos e tenham a oportunidade de mostrar seu trabalho”.
Neste sentido, Núbia cita por exemplo, o Concurso de Canto Lírico Joaquina lapinha, criado pela Mezzo-soprano Mere Oliveira, que visa dar visibilidade aos cantores líricos negros, pardos e indígenas e que inclui em uma de suas premiações a oportunidade dos vencedores de subir ao palco do Teatro Municipal de São Paulo.
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Outra citação vai para o Ubuntu Brasileiro, que produz festivais, concertos e põe em discussão várias pautas sobre a inclusão e a oportunidade para cantores pretos.
Núbia conta ainda que faz parte do elenco da agência Duo Conexões, que agencia diversas vozes jovens do país, buscando incluir esses cantores nos grandes palcos do país e põe aí a sua expectativa de que assim seja diminuída a distância entre os palcos e o seu enorme talento.
Os jovens talentos seguem em frente
Por fim, Núbia e Carlos avaliam, que “não é fácil ser um cantor lírico no Brasil, passamos por muitos momentos desafiadores, mas amamos tanto o que fazemos e o fazemos com tanta dedicação, que não existe a palavra desistir na mente. Quando saímos do palco e recebemos relatos de pessoas que se emocionaram ou até foram transportadas para outro universo durante o concerto, é o que faz todo esforço valer a pena”.
Entendendo os pontos de vista dos jovens artistas, torço mesmo é para que eles sigam em frente, com garra e determinação, fazendo valer o talento da juventude brasileira, que tem corrido atrás de oportunidades de trabalho, obedecendo suas vocações e oferecendo seu conhecimento e versatilidade vocal, que encanta a tantas pessoas.
Fato é, que se dar esta visibilidade a estas jovens carreiras, colabora com um futuro melhor, faço isso com prazer e honrado por ter tido a oportunidade de já ter ouvido essas duas vozes pra lá de especiais.
A vocês, recomendo atenção a estes nomes, porque estamos falando do futuro artístico brasileiro.
Até a próxima!
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