Sem lhe conhecer, caro(a) leito(a)r, consigo imaginar que em sua lista de desejos consta o nome de um paraíso: Paraty, um refúgio verde no meio caminho entre Rio de Janeiro e São Paulo, a cidade histórica e costeira de 45 mil habitantes, que não é fácil de chegar, mas é quase impossível sair. São cerca de quatro horas, via Serra do Mar, de qualquer uma das duas capitais. De Belo Horizonte, são nove horas. Situada na Costa Verde do Brasil, com montanhas cobertas de floresta tropical de um lado e as águas verde-esmeralda do outro, preserva mais de 30 quarteirões como seu centro histórico, uma grade de ruas de paralelepípedos exclusivas para pedestres, ladeadas por fachadas caiadas dos séculos 18 e 19, muitas delas remanescentes da era colonial portuguesa.

 


A partir de meados de 1600, a cidade prosperou como porto marítimo durante a corrida do ouro do país (muitas das maiores minas de ouro estavam no estado vizinho, Minas Gerais) - e como centro para o comércio de negros escravizados. Depois que o ouro parou de passar por Paraty para exportação no início de 1700, a cidade continuou a colher cana-de-açúcar e a produzir cachaça, a bebida alcoólica nacional, antes de mudar seu foco econômico para o comércio de café.

 

 

Passeio de escuna, sobre o mar de água esverdeada, passa por belas ilhas da região

Fotos Incríveis/Divulgação


Saborosa literatura

De três décadas para cá, a literatura e a gastronomia vêm assumindo lugar de destaque nesta história, para além das ruas de pedra nas cores e no estilo coloniais. O que torna um restaurante importante? Num cenário volátil e subjetivo como o da gastronomia, outros fatores que não a relevância do chef e a qualidade dos insumos também influenciam na resposta.


A quatro meses da 14ª edição de Festa Internacional Literária de Paraty (Flip), a cidade do chapéu Panamá e look xadrez está em festa pelos 30 anos de um dos seus filhos mais pródigos. Há três décadas, a chef Ana Bueno engrenou uma relação de amor a três: com o marido Casé Miranda e a casa onde ele nasceu, hoje o restaurante Banana da Terra, uma espécie de patrimônio culinário de Paraty, município do litoral fluminense, Patrimônio Mundial da Unesco e também umas das cidades criativas pela gastronomia. Nascida em São José dos Campos, no interior de São Paulo, Ana atrelou seu nome a Paraty, aos 17 anos, onde começou a fazer bolos para pagar as contas.

 



 

 

Sabores do Brasil

Saboroso prato mineiro da Casa Paratiana, arroz caldoso de galinha servido com quiabo

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A melhor época para visitar Paraty é de maio a agosto, quando chove menos, o céu está lindo e o mar maravilhoso. É divertido também ir até a Fazenda Bananal, um ótimo lugar para levar crianças. É uma reserva natural na floresta com uma casa de fazenda. Tem trilhas para caminhada, animais da fazenda e um restaurante simpático. Muitos dos ingredientes vêm da fazenda. Mas é na vizinha Casa Paratiana, também, da chef Ana Bueno, praticamente dentro do alambique de mesmo nome, que eu comi muito bem, digo arroz caldoso de galinha caipira servido com quiabo e também porco na lata (R$ 85), torresmo (R$ 45), feijão tropeiro, tutu de feijão e muito mais comidas de panela.


Marina Hirsch, que foi sócia do Zuka e Sushi Leblon, no Rio, mudou-se para Paraty com o marido Gustavo, que é velejador. Há dois anos, abriram a Magu, pousada de duas suítes, voltada para o mar e os barcos, e um restaurante com frutos do mar: moqueca de siri catado ali do lado; polvo grelhado; linguine ao vôngole e ceviche de lula.


Há oito anos, Anna Paula Barreto e Maria Claudia Franca Mello criaram a marca Casa das Meninas Charcutaria Terra&Mar, uma loja com Deli e cozinha de charcutaria de onde saem verdadeiras obras de arte retiradas do mar: lula e mexilhões defumados; salame de atum; tainha maturada em beterraba e cachaça e polvo com garum e folhas da horta com azeite.

 

Moqueca de camarões com lula servida no Recanto da Cida

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A Gelateria Miracolo oferece sorvete de cupuaçu e outras frutas amazônicas, incluindo o cacau. A 20km ao Norte de Paraty, um lindo vale na Mata Atlântica e um almoço no Le Gite d'Indaiatiba, onde o chef serve ravióli com taioba. Para os fãs de japa, o Fugu Japanese Food só serve peixes pescados frescos do dia, como a sororoca e a prejereba. Não deixe de conferir a ótima seleção de saquês e o sorvete de wasabi. De catamarã, chega-se ao Recanto Caiçara, restaurante da chef Cida, onde se prova - quase dentro do mar - algumas das melhores iguarias daquelas águas gélidas: polvo, lula, camarão e peixes grelhados ou na panela de barro fumegando. Além da comida da Cida, chama atenção a decoração caiçara e utensílios simples, capazes de transformar insumos da natureza em iguarias que são um abraço no estômago.

 


Reconhecido conforto

Pousada Literária, a queridinha dos nobels da Flip, recebe certificação internacional de sustentabilidade

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A Pousada Literária de Paraty tem um encanto. Um hotel aconchegante dentro de um conjunto de casarões históricos que cercam um jardim tropical com um belo restaurante além da piscina exuberante. Localizada no Centro Histórico, a pousada pertencente ao Grupo OCanto acaba de receber a certificação do Global Sustainable Tourism (GSTB), uma das rígidas e renomadas referências em sustentabilidade para o setor hoteleiro em todo o mundo.


As certificações de práticas sustentáveis são fundamentais para empreendimentos turísticos. Mas é preciso conformidade com algumas regras, entre elas gestão ambiental, conservação da biodiversidade, respeito às comunidades locais, proteção do patrimônio cultural e apoio econômico local.


Com 28 suítes e villas distribuídas em um conjunto de casarões coloniais, a Pousada Literária é um silêncio em meio ao burburinho. Diárias a partir de R$ 1,8 mil.

 

De catamarã, chega-se ao Recanto Caiçara, restaurante da chef Cida, onde se prova - quase dentro do mar - algumas das melhores iguarias da região

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‘Caravana Paratiana’

Projeto "Caravana Paratiana", do restaurante Banana da Terra, promove encontros com chefs em jantares harmonizados com bons vinhos

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O “Caravana Paratiana”, idealizado pela paulista Ana Bueno junto com a jornalista carioca Maria Vargas, surgiu para reunir chefs e jornalistas na cidade histórica em torno da mesa e de encontros para trocar experiências, compartilhar receitas, histórias e, sobretudo, afeto. A gastronomia tem dessas coisas. O próximo será no de 17 a 20 de junho, com um jantar a oito mãos no Banana da Terra (dia 18): os chefs Ana Bueno, Flávia Quaresma (RJ) e Rafa Gomes (RJ), além de mais um cozinheiro a confirmar. R$ 350, por pessoa (quatro cursos).


É inclusive uma questão de oportunidade que faz com que o celebrado projeto “Caravana Paratiana”, que o restaurante Banana da Terra, em Paraty, inaugurou este ano - para celebrar três décadas de vida -, seja um dos mais importantes encontros de chefs que a cidade histórica e sede da Festa Internacional Literária (Flip) já recebeu.

 


Já passaram por lá as chefs Paula Prandini (Empório Jardim, Rio), Elisa Fernandes (Clos; SP) e Morena Leite (Capim Santo; SP) e ainda estão previstos nomes como Fabrício Lemos e Lisiane Arouca (Origem; Salvador), Rubens (Catarina) Salfer (ex-D.O.M.; SP), Mônica Rangel (Gosto com Gosto; Visconde de Mauá), entre outros. Tudo isso com harmonização de vinhos selecionados pelo sommelier Ricardo Santinho.


Ao longo do ano, Ana Bueno pretende ainda mexer no cardápio e incluir novidades, como vem fazendo há três décadas. A carta de vinhos também muda. Ricardo Santinho foi convocado diretamente de São Paulo para dar aquele tapa no visual da adega e trocar alguns dos rótulos mais convencionais por vinhos mais autorais, priorizando pequenos produtores do Brasil e também de outros países. “O conceito muda, em vez do rótulo do lugar tal, entram em cena as tipicidades, como o vinho tinto claro, o clarete, ou então tintos estruturados ou frutados. Tem ainda os brancos de maceração, conhecidos como laranjas. Alguns desses em taça”, informa.

 

 

Frutos da terra

Famoso peixe com purê banana é feito com lombo de robalo maturado na casa e cozido em molho com especiarias

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No Banana da Terra, a chef Ana Bueno serve comida caiçara contemporânea indo além da salada de manga com camarão ou então hambúrguer feito com carne de caranguejo. Ali, as estrelas são os ingredientes da terra, de sabores únicos e memória afetiva. Entenda por isso pescadores e insumos locais (a farinha de mandioca tem um pouco do polvilho e uma textura diferente). Tudo vem da costa paratiense.


O polvo vai laminado sobre telha de arroz negro com tapenade, picles de cebola roxa, maionese de molho de ostra e alcaparras (R$ 72, a porção); o famoso peixe com purê banana é feito com lombo de robalo maturado na casa e cozido em molho com especiarias da Mata Atlântica e telha de pirão (R$ 165). Um dos pratos mais conhecidos da Ana é a lula recheada com ricota preparada na casa (“trouxe uma acidez bem interessante”), servida com arroz cremoso de taioba da horta (R$ 157). Uma festa no paladar e na memória de quem conviveu com a verdura à mesa na infância.


“Quando comecei a namorar o Casé, os pais dele estavam fazendo 25 anos de casados, e no jantar, um dos pratos servidos foi a lula recheada com queijo e banana. Sempre fez parte do cardápio do Banana da Terra e também de momentos de encontro e celebração da nossa família”, diz Ana Bueno, mãe de três filhos e ainda de sobremesas que dariam um livro, uma delas o bolo gelado de coco servido com cocada de pimenta, sorvete de abacaxi, gengibre e praliné crocante (R$ 56).


Atenção para o shiitake sandú - marinado e crocante emparedado de pão no vapor, com pepino em conserva, salada de folhas com tomate e maionese de leite de castanha (R$ 64). E mais atenção ainda para a sobrecoxa de pato desfiado que vai com ravióli de queijo com banana da terra, folhas de jambú e pesto de castanha com laranja curada (R$ 176).

 


Lugar de encontros

 

Banana da Terra é para quem ama Paraty. Alguns dos mais prestigiados nomes da literatura mundial vivem sentados por lá antes, durante e depois da Flip, assim como outros nomes das artes e da cultura. Silvia Furmanovich, designer de joias finas que mora entre São Paulo e Nova York, tem viajado para Paraty a cada dois anos nas últimas três décadas. O artista e fotógrafo Vik Muniz, radicado no Rio e em Nova York, visita a cidade desde 1999. O fotógrafo de natureza Dom João de Orleans e Bragança, que hoje mora lá a maior parte do ano, é um entusiasta: “Você nunca verá um arranha-céu e não temos grandes resorts ou hotéis aqui”, disse ele numa entrevista. Que assim seja!

*O jornalista viajou a convite do Banana da Terra em parceria com a Pousada Literária.

SERVIÇO

Restaurante Banana da Terra

• Rua Dr. Samuel Costa 198, transversal à icônica Rua do Comércio (Pousada Literária) e perto da Praça da Matriz, às margens do Rio Perequê-Açu

Instagram: @restaurantebananadaterra

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