"Toda manhã, quando venho trabalhar, olho para o oceano e penso: 'como está o dia hoje?'", conta Rumi Nakamura.

"Se o oceano estiver bonito, com sua cor azul, fico feliz. E, se as ondas forem fortes, sinto meu coração agitar. Nós [moradores locais] temos muito orgulho do mar, é como se ele fosse parte da nossa família."

Nakamura cresceu em Fukutsu, na prefeitura de Fukuoka, no sul do Japão – bem no litoral.

O oceano sempre ocupou um lugar especial no seu coração. Ela brincava na areia da praia com seus amigos e nadava nas águas do mar.

Mas, depois de visitar praias em outros lugares do mundo, ela percebeu que existe algo no litoral de Fukutsu que o torna ainda mais especial: o deslumbrante efeito de espelho, que se forma ao longo dos seus 3 km de areia.

 



 

 

Sob condições ideais, ela conta que é possível observar belos reflexos do céu sobre as praias. A sensação é que estamos no limite extremo da Terra.

"Desde a minha infância, sabíamos que, quando a maré vai embora e alguém fica de pé em um local mais distante, essa pessoa ou as nuvens serão refletidas na água, criando um cenário muito bonito", ela conta.

Agora, Nakamura trabalha no escritório local de turismo, para divulgar toda essa beleza para o mundo.

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Dificilmente se encontra algum tipo de lixo na faixa de areia intocada de Fukutsu, no sul do Japão

Quando ela era criança, aquele era um simples segredo guardado pelos moradores locais. Mas, nos últimos anos, o surpreendente fenômeno, chamado em japonês de Fukutsu Kagami no Umi ("Espelho do Mar de Fukutsu"), ganhou fama muito além da região. Ele atrai multidões de turistas para a pequena cidade litorânea.

 

 

A região de Fukutsu já é conhecida nacionalmente pelo belo cenário do pôr do sol sobre o santuário Miyajidake.

Em fevereiro e outubro, a luz do sol cria uma linha perfeita sobre a estrada que liga o santuário ao mar.

Mas, para tentar encontrar novas formas de trazer visitantes para a região, em 2021, Nakamura e o escritório de turismo começaram a incentivar os visitantes a tirar e compartilhar fotos do Espelho do Mar de Fukutsu.

A divulgação do Espelho do Mar de Fukutsu coincidiu com a pandemia de covid-19, segundo ela.

"Quando as pessoas não podiam ir para locais fechados repletos de gente, eles podiam vir para a praia aberta, sem precisar falar nem se aproximar dos demais, e tirar uma foto", explica Nakamura.

"Olhar para o mar e se libertar daquele acúmulo de estresse servia para dar energia para o dia seguinte", diz ela.

Os visitantes começaram a chegar e passaram a postar suas fotos do espelho natural no Instagram.

E o escritório de turismo publicava dicas para tirar a foto perfeita e postá-la no website do Espelho do Mar de Fukutsu.

 

 

Pouco tempo depois, passou a ser normal ver casais apontando suas câmeras para uma foto romântica ou grupos de amigos pulando no ar várias vezes, até que a imagem fosse capturada com perfeição.

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As nuvens oferecem uma textura especial aos reflexos do Espelho do Mar de Fukutsu

É neste ponto que a história de Fukutsu tomou um rumo diferente.

Em outros lugares, este sucesso turístico teria terminado em hordas de visitantes e pilhas de lixo, como acontece nas praias do Mediterrâneo, ou com as 11 toneladas de resíduos encontradas no topo do monte Everest.

Mas, em Fukutsu, os moradores locais priorizaram a manutenção das suas praias intocadas. E eles correram para proteger seu ambiente natural dos caçadores de selfies e turistas do Instagram.

Hoje, o visitante que for àquele trecho do litoral japonês provavelmente irá encontrar uma faixa infinita de areia, pessoas praticando windsurf e moradores locais em suas caminhadas diárias – além dos turistas tentando tirar a foto perfeita.

Não há sinais de garrafas plásticas se empilhando nos cantos, nem pacotes de salgadinhos voando pelo ar. Qualquer lixo perdido será rapidamente identificado e recolhido.

Isso porque os moradores locais se comprometeram a retirar todo o lixo que encontrarem nas suas frequentes caminhadas pela praia. E grupos de pessoas se reúnem no fim de semana ou em outros dias combinados para mais sessões de limpeza.

 

 

Muitas dessas atividades são conduzidas por organizações sem fins lucrativos, dedicadas a atividades ambientais e de conservação.

A população de Fukutsu é de apenas 60 mil habitantes, mas a prefeitura local reconhece mais de 30 desses grupos – e o próprio governo ajuda nos trabalhos, promovendo fóruns e simpósios para ajudar a educar os moradores sobre questões ambientais.

Existem até "ecolojas" certificadas por toda a cidade. Elas ganham esta certificação implementando atividades ambientalmente conscientes, como a redução ou reciclagem dos resíduos.

Muitas delas se dedicam ao mar, mas existe uma consciência geral sobre o meio ambiente e a natureza local. E os moradores locais esperam que os visitantes reconheçam e reproduzam essa conscientização.

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Os turistas podem colaborar com a limpeza das praias recolhendo seu lixo durante suas visitas

Grande parte do incentivo se resume simplesmente à inexistência de sujeira nas praias.

"Se houver lixo sobre lixo, as pessoas irão pensar que não há problema em jogar coisas fora naquele local", explica Nakamura.

"Acho que o hábito de manter a praia limpa, antes de tudo, é o mais importante para evitar que isso aconteça", ela acrescenta.

Parte da motivação para proteger o litoral de Fukutsu vem de uma espécie animal ameaçada de extinção – a tartaruga-marinha-comum.

 

 

O litoral de Fukutsu era um local frequente de reprodução das tartarugas. Mas, desde 2010, seus números vêm diminuindo.

A causa é desconhecida, mas a recente fama de Fukutsu como ponto turístico e local de fotografias gerou a preocupação de que o aumento do número de visitantes possa prejudicar ainda mais as tartarugas no futuro.

"Queremos que as pessoas venham se divertir", afirma Shota Chawara, funcionário da Divisão da Tartaruga-Marinha de Fukutsu, criada para ser um centro de apoio para os problemas ambientais locais e a proteção da tartaruga-marinha.

Mas ele já levantou preocupações no passado, com tartarugas comendo plástico por engano e morrendo. Por isso, ele aconselha: "não deixe sujeira quando vier visitar, leve o lixo de volta para casa com você".

Ele também alerta aos turistas para que evitem visitar o litoral à noite e mantenham silêncio para não afugentar as tartarugas. E é preciso ter cuidado ainda maior durante o período de reprodução, que normalmente vai de junho até agosto.

Uma das contribuições que os visitantes podem oferecer é simplesmente recolher o lixo durante a sua visita. Você pode pedir sacos e pinças para o escritório de turismo e levar o lixo para o seu ponto de coleta especificado.

Existe até um tour dos pontos turísticos da região de Fukutsu – atualmente, apenas em japonês, mas com planos de criação de uma versão em inglês – que inclui uma atividade de coleta de lixo no Espelho do Mar de Fukutsu.

Todas as pessoas com quem conversei deixaram muito claro que estão otimistas em relação a essas atividades e à consciência ambiental. Elas desejam compartilhar o belo litoral de Fukutsu com o mundo.

Depois de me contar como ela olha para o mar todos os dias e sente seu humor mudar de acordo com a sua aparência, Nakamura declarou:

"Esperamos que as pessoas de todo o mundo venham conhecer o Espelho do Mar de Fukutsu e também ajudar a proteger este belo oceano. Eu adoraria se todos pudessem participar do ciclo de visitas e fazer parte dos esforços [de limpeza]."

Como observar o espelho do mar

 

 

Os reflexos do Espelho do Mar de Fukutsu podem surgir em qualquer ponto da linha costeira de 3 km, que é dividida em três praias diferentes: praia de Tsuyazaki, praia de Miyajihama e praia de Fukuma.

Mas o fenômeno pode ser um tanto elusivo, pois está sujeito às marés e às condições do tempo.

O melhor momento é durante a maré baixa, quando a maior parte da praia é exposta à luz do sol e a água do mar que permanece sobre a areia pode criar o efeito de espelho, quando os ventos não forem fortes demais.

Os visitantes podem consultar as previsões das marés no website Kagami no Umi (em inglês).

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.

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