Luís Rodrigues, CEO da TAP ( Transporte Aéreos Portugueses) não esconde a paixão pelo Brasil. A cada mês ele visita as terras brasileiras para encontros de negócios com governos ou com a equipe operacional. Em entrevista exclusiva ao jornal Estado de Minas, o português que comanda a companhia aérea desde 2023, ficou impressionado com os bares lotados em Belo Horizonte em pleno domingo à noite, mas sentiu falta, como ele mesmo diz, de ter um restaurante com “uma fantástica comida mineira” para jantar na capital mineira.
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Rodrigues é um grande apreciador de queijos. Quando soube que o "jeitim" de fazer o queijo mineiro recebeu o título – Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco – na semana passada, aplaudiu a conquista: “eu digo sempre, se um dia tiver que dar uma de Robinson Crusoé, e ficar sozinho numa ilha deserta, a única comida que eu gostaria mesmo é o queijo. Se for o mineiro e o da Serra da Estrela, melhor ainda. Portugal. que eu saiba, não tem uma Rota do Queijo. Tem a Rota do Vinho. Criar um roteiro turístico juntando as duas, como é feito em Minas Gerais, seria o melhor dos dois mundos”’, admira.
Na entrevista, o CEO da TAP falou da ampliação de voos para a Belo Horizonte e Brasil, da proposta da empresa de investir em Centro de manutenção de aeronaves e do real desvalorizado que impacta as viagens dos brasileiros para a Europa; confira:
No mês passado, o governador de Minas Gerais Romeu Zema esteve em Portugal, num evento para divulgar a nossa comida, a culinária mineira. No Lá, ele comentou que os voos de Confins para Lisboa estão sempre lotados, e sugeriu um aumento de 7 para 10 voos por semana. Existe essa possibilidade? A TAP vai acatar esse pedido do governador?
Nós ontem (domingo) à noite chegamos cá e tentamos jantar a fantástica comida mineira. Estava tudo fechado. Não tem como, não é possível! Ligamos para uma dúzia de restaurantes e estava tudo fechado. Acabamos num boteco magnífico (Savassi). Portanto, a minha pergunta é: tem como abrir restaurantes domingo à noite para que o cara que chega aqui possa ir jantar fora. A comida mineira é fantástica, que eu adoro. Brincadeiras à parte, embora isso seja verdade, tudo o que nós pudéssemos aumentar para o Brasil, nomeadamente para Minas e para Belo Horizonte, está sempre no radar. Só que neste momento temos duas restrições ativas. Uma é que até ao final de 2025 a TAP não pode ter mais aviões. por causa do plano de recuperação da empresa que foi acordado lá atrás com a Comissão Europeia. A segunda, e maior, é que o aeroporto de Lisboa está completamente saturado. Não tem mais espaço para ter mais slots para nós e para quaisquer outras companhias por causa do total preenchimento do aeroporto. Agora, o governo português já anunciou a nova localização de um novo aeroporto em Lisboa. Vai demorar tempo a construir, mas acho que é um primeiro passo decisivo. E quando isso acontecer, é óbvio que o aumento das frequências e dos destinos do continente brasileiro será a primeira prioridade, porque este é o nosso maior mercado, é ele que podemos servir melhor do ponto de vista geográfico e estratégico. Portanto, a questão é, a resposta é sim. Para quando? Ainda tem que se perceber melhor quais são os desenvolvimentos que vão existir nos próximos anos.
Jorge Rebelo de Almeida, presidente do grupo Vila Galé, inaugurou o 11º empreendimento no Brasil e elogiou a infraestrutura dos aeroportos brasileiros, principalmente os que foram privatizados. O senhor concorda com a fala dele? O que o senhor acha dos aeroportos onde a TAP opera, no caso de Confins?
“Ah, eu concordo absolutamente. Eu comecei essa aventura na aviação em 2009. Acho que isso foi pouco antes da onda de privatização dos aeroportos brasileiros. Lembro-me,que quando começámos a voar para aqui, ainda sem todo esse novo investimento por trás dos aeroportos brasileiros, investimento que é privado mas também público. As condições eram particularmente exigentes. Acho que agora estamos a ver aeroportos no Brasil comparáveis com qualquer outros tantos bons que existem no mundo inteiro. E com espaço para crescer. E é interessante ver a quantidade de novos aeroportos que surgem e que as autoridades dos governos regionais estão apostando em desenvolver. Eu lembro que há dois ou três meses começamos a rota de Florianópolis e o governador Jorginho Mello fez uma apresentação sobre a infraestrutura aeroportuária no estado de Santa Catarina. Hoje estamos pouco mais de 20 aeroportos brasileiros para servir um continente tão grande, ou um país tão grande, que é maior que o continente Europeu onde a infraestrutura aeroportuária é absolutamente fundamental, porque as estradas e os transportes ferroviário não existem, as estradas são muito longas. Mesmo aquelas vias que são servidas por rios, e nós tivemos a sorte e a oportunidade de abrir em Manaus agora há pouco tempo, não tinha... A Rota para Manaus foi no mês de novembro. Não tinha ideia que a infraestrutura do rio era tão importante para a região, mas aquilo que temos visto, e que eu acho que é fundamental para contribuir para o desenvolvimento do turismo e da economia brasileira, é um desenvolvimento dos aeroportos. É fantástico, e isso é de aplaudir.
Qual será o novo destino que a Tap vai operar no Brasil?
Temos um conjunto de destinos para os quais ainda não operamos no Brasil, que são elegíveis para isso, logo que haja oportunidade, tal como o aumento de frequências logo que haja oportunidade. O próximo destino que está no mapa não é um destino novo, é um destino onde já operamos e temos todo o gosto de voltar, que é Porto Alegre. Nós tivemos que sair, por causa daquilo que toda a gente sabe acontecer, que foi a tragédia das chuvas no primeiro semestre. Estamos a aguardar que o aeroporto tenha condições para receber aviões de longo curso, como os nossos. Neste momento já recebe aviões de médio curso. Portanto, estamos a aguardar essa validação técnica para poder incorporar na na malha da TAP, e poder retomar a rota de Porto Alegre, que em princípio deve acontecer no primeiro trimestre de 2025.
A previsão inicial seria o retorno das atividades no aeroporto Salgado Filho, na capital do Rio Grande do Sul, antes do Natal. Então será adiada a retomada?
Isso não vai acontecer. É muito difícil, primeiro é a validação técnica, e depois é necessário pôr à venda. E pôr à venda não é de uma hora para outra... Não é pôr à venda hoje para começar a pagar amanhã, se não o avião fica vazio. E depois é preciso a existência de slot do lado de lá, do lado de Lisboa, que também, com tudo o que aconteceu, esse slot foi desviado para outras questões. E agora é preciso reacomodar isso. Tudo isso precisa de um tempo natural de maturação, mas eu acho que o primeiro trimestre é melhor
A TAP quer investir no centro de manutenção? Ele será construído no novo aeroporto, do lado de Lisboa, ou em outro local?
A manutenção é uma atividade com a qual a TAP tem uma afinidade enorme, tem um histórico enorme, tem muitas valências e muito boas capacidades, que são globalmente reconhecidas no mercado, no
mundo da aviação. Nós podemos desenvolver oficinas de motores, de componentes, tudo fora da localização do novo aeroporto. Portanto, isso não está dependendo se o aeroporto vai ser aqui ou ali. Vai ser onde nós achamos que há condições para fazer. O que é importante é haver acesso rodoviário muito bom, porque os motores chegam de caminhão, os componentes chegam de caminhão, não depende do aeroporto. Esse setor de manutenção não vai ser somente de aeronaves da TAP, vai estar aberto a outras companhias aéreas da Europa. Nós hoje temos um negócio que está, por causa das limitações da infraestrutura que temos, eu diria que 70% virado para dentro, é a nossa própria infraestrutura, 30% para fora. E a ideia é aumentar o negócio para com terceiros muito mais. O mercado da TAP é uma companhia pequena e pode continuar a ser uma companhia pequena comparado com os grandes, porque o país é pequeno. Embora possa crescer bastante, nunca será do tamanho de uma Lufthansa, ou de uma United, ou algo do tipo. Mas a ideia é crescer o negócio para terceiros, onde nós temos uma marca de TAP de manutenção engenharia muito forte, skills muito bons, conhecimento, portanto, da indústria muito bom, e temos espaço, em Portugal. É um plano que nós começamos agora a brincar a longo prazo, para, uma vez que o negócio de passageiros cresce normalmente 2% ou 3% ao ano, o negócio de manutenção pode crescer 10%, 15%. Portanto, o objetivo é exatamente crescer essa nossa manutenção. E acho que também faz parte da segunda corrida de negócios, diminuir essa dependência de passageiros, investir em outros negócios que não dependam tanto do turismo, ou possam ser interrompidos como foi a pandemia da Covid.
A TAP é uma companhia aérea estatal do governo Português. Como anda a possibilidade de privatização?
Sim, a TAP é 100% do governo de Portugal. A questão sobre a privatição é um tema que nós deixamos aos acionistas e, bem, eu acho que temos toda a confiança no acionista, temos uma ótima relação e sabemos que o acionista tem sido, tem publicamente dito que isso é um objetivo para 2025 e continuamos a acreditar que isso vai acontecer, as companhias estão capazes de facilitar o processo e não parar o conduzir, isso compete ao acionista.
O presidente Javier Miley na Argentina decidiu privatizar a Aerolineas Argentinas. É uma questão política também, o governo de Portugal tem um pouco do pensamento liberal de estado mínimo?
Eu não conheço o caso da Aerolineas, sei que historicamente é uma companhia muito difícil de gerir, percebo que o governo da Argentina tem outras prioridades e, portanto, queira resolver esse problema de uma maneira que até agora não foi possível, mas, de fato, não posso olhar para isso do ponto de vista ideológico. Acho que a relação entre as partes e a comunicação entre as partes é sempre o melhor caminho. Portanto, tenho certeza que o governo argentino vai encontrar uma solução para a Aerolineas, que resolva o problema estrutural da companhia.
Hoje, na América Latina, são quantos países que a TAP faz voos regulares?
Brasil, definitivamente. Venezuela e República Dominicana. Periodicamente fez para o México até há pouco tempo. Lá atrás fez, agora já não faz mais, Colômbia e Panamá.
O Vila Galé abriu um resort em Cuba. Existe alguma proposta de ter um voo direto de Portugal para Cuba?
Havendo mercado e estando livre das restrições, a TAP pode voar para qualquer cidade. Normalmente eu digo sempre: a nossa estratégia é voar para o Oeste. Portanto, Cuba está nesse nível. No momento, não é um destino que esteja no nosso radar porque tem muitos outros, muitas outras oportunidades para considerar. Eu estive em Cuba há 20 anos e gostei,
mas neste momento não estava na nossa equação.
Eu gostaria que você me falasse um pouco do turista mineiro. Quantos por cento é o turista de Minas?
Eu não tenho dados que me permitam responder com precisão a essa pergunta, mas eu gosto de Minas por uma questão muito simples, que é o Brasil, na generalidade, tem um potencial enorme de turismo. O turismo para nós em Portugal representa, dependendo dos números exatamente, mas 18% do PIB aqui representa 6% ou 7%, portanto é um terço. Agora o Brasil é 10 vezes ou 20 vezes maior que Portugal. Imagina o potencial que isso não tem. Aquilo que nós temos feito no último ano é, em cada estado brasileiro, sensibilizar os governantes locais para a necessidade de promover o destino na Europa.
Como a alta do dólar e do euro impactaram nas viagens?
Temos vivido um período muito difícil desde março deste ano, por conta da desvalorização do real. Torna muito mais complicado o turista brasileiro vir para a Europa. E o discurso interno tem sido: bom, ok, mas temos que ter paciência, porque isso torna o turismo no Brasil mais atrativo aos europeus. Também é só uma questão de tempo deles se ajustarem. O que precisamos mesmo é que os os governadores invistam no turismo de seus destinos na
Europa.
Como os portugueses enxergam os destinos turísticos no Brasil, particularmente em Minas?
Nós em Portugal não conhecemos muito bem o Brasil. Sabe que é um país grande na América do Sul, mas não faz ideia das maravilhas que existem aqui neste país. Nem os próprios brasileiros sabem que isto é tão grande, tem tanta coisa boa. Agora, Minas interessa-me particularmente porque, apesar desse potencial do turismo, o Brasil não é só praia. E portanto, há todo um mundo para descobrir para além da praia, e nós temos todo o prazer em viajar para, assim como de repente, três destinos interiores. Belo Horizonte é um deles, Brasília é outro e Manaus é outro. Portanto, queremos muito desenvolver todo o turismo para além da praia, por todo esse turismo de natureza, de cultura, de gastronomia que pode ser desenvolvido. E por isso é que o turista de Minas que traga Minas para a Europa, poder conhecer Minas da Europa é muito importante para nós e para nós também é muito importante esse destino. Essa aposta em Belo Horizonte para nós é muito importante. Agora quero relembrar, seria bom que tivesse um bom restaurante de comida mineira aberto aos domingos à noite para o turista chega na cidade.