Cansou de ser esquecida: joia barroca em Minas quer brilhar em 2025
Vizinha de destino famoso no Campo das Vertentes, cidade tricentenária guarda rico patrimônio, formado por igrejas, museus. pontes e casario colonial
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Siga noGrande parte dos cerca de 280 mil turistas que, de acordo com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, visitam, por ano, a cidade de Tiradentes, na Região dos Campos das Vertentes, acabam passando completamente batidos por São João del-Rei, que fica a apenas 11 quilômetros de distância. No máximo, alguns deles permanecem no entorno da estação ferroviária por um par de horas ao fim do famoso passeio de Maria Fumaça, enquanto aguardam a partida do próximo trem: muitos sequer chegam a tanto, tomando um veículo para retornar logo após o desembarque. Quem faz isso, porém, não sabe o que está perdendo. Afinal, o município oferece uma série de atrativos, que incluem um vasto patrimônio histórico.
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Primeiramente, cabe destacar que, até a virada do século, a situação era contrária: São João del-Rei despontava como pólo turístico da Região dos Campos das Vertentes e hospedava a maior parte dos visitantes, que, em geral, se limitavam a passar algumas horas na cidade vizinha. A partir dos anos 2000, no entanto, Tiradentes ganhou projeção nacional em decorrência, principalmente, da Mostra de Cinema, o que desencadeou um rápido crescimento da infraestrutura do município. O aspecto bucólico do centro histórico, praticamente intocado e posicionado bem aos pés da Serra de São José, logo seduziu o país.

Por sua vez, São João del-Rei tem uma aura distinta, mas não menos fascinante: em vez de um núcleo urbano com ares de vilarejo, os visitantes se deparam com uma cidade relativamente grande - a população, segundo o Senso de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 90.225 habitantes - e vibrante, com muitas atividades além do turismo. Parte dessa pujança vem dos alunos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), que constantemente rejuvenescem e movimentam as ruas centenárias.
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Herança colonial

A atual conformação urbana é resultado de uma história bastante particular. Desde o período colonial até a atualidade, São João del-Rei desempenha influente papel econômico em relação aos municípios do entorno. Ao longo dos últimos dois séculos, o protagonismo local atraiu investimentos e obras mesmo após o período conhecido como Ciclo do Ouro, como a própria estrada de ferro que passa por Tiradentes, o que enriqueceu o patrimônio da cidade e até moldou a identidade dos moradores. "São João del-Rei era a cabeça da extensa comarca do Rio das Mortes, ou seja, sede político-administrativa, além de centro creditício para os produtores dessa região", explica Afonso de Alencastro, professor de história da UFSJ. "A economia da região se tornara, no período (da metade do Século 18 a meados do Século 19), o maior celeiro de Minas e abastecia o Rio de Janeiro, em particular", complementa.
Por outro lado, o dinamismo econômico mostrou-se uma faca de dois gumes, já que resultou nas perdas de alguns patrimônios arquitetônicos, das quais a mais inestimável foi a Igreja de Bom Jesus de Matozinhos: mesmo protegida por tombamento em âmbito nacional, a construção foi ilegalmente derrubada em 1970, quando completava exatos 200 anos. Outras baixas relevantes foram a de um aqueduto, que desembocava no Largo do Tamandaré, e a do edifício da primeira Câmara Municipal, além da descaracterização ou demolição de diversas casas, inclusive o sobrado no qual viveu o fotógrafo André Bello, jogado ao chão para dar lugar a um posto de combustíveis. "Não houve a preocupação que as pessoas em Tiradentes tiveram, como parte de um turismo que animou a preservação", lamenta Alencastro.
Para o guia Luiz Antônio Sacramento Miranda, que é técnico em turismo e membro do Instituto Histórico e Geográfico (IHG) de São João del-Rei, faltaram investimentos no setor ao longo das décadas passadas, na contramão do que aconteceu em Tiradentes. Ele propõe uma parceria entre ambos os municípios, que, além de vizinhos, têm um passado com muitos pontos em comum. "Essas duas cidades podem coordenar e ampliar o turismo juntas", opina. O profissional deseja ver mais visitantes em São João del-Rei, mas pondera que o poder público deve agir para que não ocorra um processo de gentrificação. "Tem que ser um trabalho muito consciente. Turismo é vida, desde que inclua o povo nas atividades culturais", destaca.
Tradição barroca

Casario da Praça Doutor Paulo Teixeira, também conhecida como Largo da Cruz, com o frontão e as torres da Igreja de Nossa Senhora do Carmo ao fundo
Ainda que não tenha permanecido tão preservada como Tiradentes, o fato é que São João del-Rei ainda preserva muitas obras arquitetônicas do período colonial e ostenta um belo e bem-cuidado centro histórico, cortado por vias planas que convidam a passeios a pé. A Rua Getúlio Vargas, ou, como dizem os moradores mais conservadores, a Rua Direita, concentra, sozinha, três igrejas com elementos nos estilos Barroco e Rococó, que podem ser vistas em uma única caminhada. Os templos são consagrados a Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora do Pilar, sendo essa última a matriz, atualmente fechada para obras de restauração, cuja conclusão não ocorrerá antes do primeiro trimestre de 2026. A poucos quarteirões, fica outra igreja, dedicada a Nossa Senhora das Mercês, que se eleva em frente a um extenso largo, ladeado pela praça onde está situado o Pelourinho da cidade.
Semana santa

Uma das tradições que o município mantém viva, ainda mais na semana santa, é consequência direta da presença de tantas igrejas: o toque dos sinos. As badaladas provenientes das torres dos templos são mais do que sons, uma vez que carregam significados e, assim, constituem linguagem. Em 2009, essa manifestação religiosa foi registrada como patrimônio nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A apreciação do toque dos sinos é justamente um dos atrativos turísticos mais famosos de São João del-Rei. As badaladas ecoam por toda a área central, mas a indicação deste jornalista é ouvi-las de um dos bancos da pitoresca Praça Doutor Paulo Teixeira, ou, novamente recorrendo às antigas alcunhas, do Largo da Cruz, distante apenas um quarteirão tanto da Rua Direita quanto do Pelourinho.
Contudo, a igreja mais famosa da cidade é a de São Francisco de Assis. Rodeada por jardins, a imponente construção abriga ainda um cemitério, onde está sepultado o são-joanense Tancredo Neves, primeiro presidente civil eleito após a redemocratização do Brasil, mas morto antes da posse, em 1985. O templo fica do lado oposto do Córrego do Lenheiro, que corta a área central. A própria travessia do curso d'água por uma das quatro pontes centenárias ali preservadas é outra imersão na história: duas delas, de pedra, foram erguidas no fim do Século XVIII, e as outras duas, metálicas, datam do Século XIX. Na orla, situam-se alguns dos imóveis mais emblemáticos do município, que guardam estilos arquitetônicos de diferentes períodos históricos. Os prédios formam, junto com as pontes, um conjunto encantador.
Os destaques são a Prefeitura (antiga Casa de Câmara e Cadeia), o Teatro Municipal (em arquitetura neoclássica) e quatro museus: o Regional, dedicado à história da cidade, o da Força Expedicionária Brasileira (FEB), o Memorial Tancredo Neves e o Ferroviário, montado na estação da antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM). É de lá que sai até hoje o trem a vapor rumo a Tiradentes. O edifício, em estilo eclético, abriga um precioso acervo, que inclui a primeira Maria-Fumaça utilizada na ferrovia, além de instrumentos de comunicação e manutenção. A entrada é gratuita, mas o acesso à rotunda - um girador de locomotivas circundado por máquinas a vapor e a diesel e por vagões com diferentes características, sendo um deles funerário - é pago à parte. Os ingressos dão direito a visitação em horários pré-determinados: vale a pena conhecer.
Outros museus da cidade são a casa de Bárbara Heliodora, onde nasceu e viveu a poetisa que integrou a Inconfidência Mineira; o de Arte Sacra, que recentemente recebeu uma portada em pedra-sabão que ornava a já citada antiga Igreja de Bom Jesus de Matozinhos - a obra passou décadas em um acervo particular no interior de São Paulo e retornou à cidade após uma luta judicial empreendida pelo IHG de São João del-Rei -; e o dos sinos, localizado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo. O primeiro fica próximo à Igreja de São Francisco de Assis, enquanto os segundo e o terceiro estão na Rua Direita, que dá acesso ainda ao Cemitério do Carmo, onde as passagens aos túmulos de estilo gaveta, cravados nas paredes, são peculiarmente cobertas por telhados.
Por fim, uma vez ali, não deixe de conhecer também a Rua Santo Antônio, que se estende por detrás da Igreja do Rosário, e ver as chamadas "casas tortas", cujas paredes centenárias se inclinaram com a ação do tempo, mas, surpreendentemente, resistiram de pé. Porém, todo o casario histórico da cidade é digno de um olhar cuidadoso, com destaque para os sobrados: o mais famoso deles é o Solar dos Neves, até hoje pertencente à família do presidente que não pôde subir a rampa do Palácio do Planalto depois do período da ditadura militar.
Hospedagem e alimentação

São João del-Rei dispõe de rede hoteleira estruturada, com hospedagens para diferentes gostos e bolsos. Entre as opções mais em conta, está a Pousada Estação do Trem [(32) 3372 1985], instalada em um casarão do Século XIX bem na praça onde situa-se o terminal ferroviário. Por valor pouco maior, mas ainda acessível, há estabelecimentos com piscina, como a Pousada Villa Magnólia [(32) 3373-5065], que também ocupa um imóvel histórico, vizinho à Igreja de São Francisco de Assis, e o Hotel Ponte Real [(32) 3371 7000], posicionado praticamente em frente a uma das famosas pontes de pedra e à prefeitura. Visitantes que apreciam uma atmosfera mais campestre têm como alternativa a Pousada Estrada das Águas [(32) 99994 5799], no Bairro Colônia do Marçal.
Também há variedade no quesito culinário, porém não espere por estabelecimentos de alta gastronomia, comandados por chefs famosos, como os existentes na vizinha Tiradentes. No lugar da sofisticação, há muita tradição e autenticidade, o que, sob um ponto de vista mais regionalista, pode até ser uma vantagem. Um dos restaurantes mais conhecidos da cidade é a Churrascaria do Ramon [(32) 3371 3540], no centro histórico, que há décadas serve carnes à la carte, mas também prepara pratos tipicamente mineiros, como lombo com tutu ou feijão tropeiro. Para lanchar, a boa pedida é o pão de queijo recheado da Padaria Florença [(32) 3371 4368], localizada no Bairro Fábricas.
A sobremesa mais famosa da região é o Picolé do Amado [(32) 99988-4899], legitimamente são-joanense: vários estabelecimentos distribuem a iguaria, mas o barato é experimentá-la na própria picoleteria, que opera uma unidade na área central. Outra boa opção fica por conta das guloseimas da Confeitaria Bom Bocado [(32) 98861-3175], também situada na porção histórica da cidade.
A vida noturna em São João del-Rei é animada, fazendo jus às tradições boêmias de Minas Gerais. Na Taberna d'Omar [(32) 98882 2014], que funciona em um casarão bem em frente à Igreja do Carmo, é possível curtir uma roda de samba, tomar alguns drinks e provar quitutes como o quibe de grão-de-bico. Do outro lado do Córrego do Lenheiro, a Avenida Tiradentes e a Rua Padre José Maria Xavier concentram vários bares e restaurantes, sendo que alguns deles abrem também para almoço. Nessa região, a reportagem esteve na Scenario Chopperia[(32) 99999 9654], que serve bebidas diversas e pratos internacionais. Para quem prefere um local mais tranquilo, a Pizza Raro [(32) 3372 2536] oferece produtos artesanais no Bairro Águas Santas, próximo a um balneário homônimo, fora do centro histórico.