Ao longo da história do carnaval, as alegorias triplicaram de tamanho e trazem cada vez mais inovações. Antes, eram apenas tripés, sem componentes e composições em cima. Agora, se transformaram em verdadeiras obras de arte, que se utilizam de diversos materiais e um trabalho longo para confeccioná-las.
Durante meses, os carros alegóricos são confeccionados por uma grande equipe de profissionais. Eles são pautados em algumas áreas que se completam para que a alegoria saia do papel ou computador e se transforme: design, engenharia, iluminação e decoração.
Antes do processo de design, esta a escolha do enredo por parte das escolas. O carnavalesco ao lado de sua equipe, do enredista e da direção da agremiação chega a um consenso quanto ao tema e viés que serão desenvolvidos.
A partir disso, é elaborada uma sinopse, que é um texto que norteia como o enredo será desenvolvido. Ela é disponibilizada para os compositores que formam parcerias para a disputa das eliminatórias de samba-enredo.
Além da sinopse, o carnavalesco idealiza o projeto de setorização e organograma do desfile. De que maneira ele irá contar a história em fantasias e alegorias, assim como os tripés, que também fazem parte do espetáculo.
Com a setorização em mãos, tendo o número de alegorias e o que cada uma delas irá representar, tem a parte do design. Nela, são elaborados os desenhos de cada carro, seja em mãos ou de forma virtual - modelo 3D.
A alegoria pode ser acoplada, ou seja, dois chassis unidos contando como apenas um. Nos desenhos, o carnavalesco idealiza as esculturas, adereços, fantasias das composições, estrutura, em uma etapa de suma importância para a aparência da obra.
No Grupo Especial do Rio de Janeiro, as alegorias ficam na Cidade do Samba, que conta com 14 barracões, onde as 12 escolas utilizam toda a estrutura para montarem seus desfiles.
No entanto, não é apenas a estética que prevalece. O lado 'mecânico' é essencial para a locomoção e fluidez desta alegoria durante o desfile. Além do peso que ela irá carregar, altura e largura que terá e a segurança de cada desfilante.
Engenheiros, profissionais que mexem com ferragens, entre outros, contribuem para a base da obra. Uma mistura de habilidades técnicas e muita criatividade, que resulta em grandes obras de arte que encantam o Brasil e o mundo.
Os carros alegóricos são construídos com chassis de veículos de grande porte, como caminhões e ônibus, podendo ter até três eixos de rodagem.
Os carros alegóricos dos desfiles de carnaval são geralmente movidos por motores pequenos, de baixa potência, que são usados apenas para mover o veículo durante o desfile. Apesar disso, ainda existem trabalhadores da força para empurrá-los caso haja algum problema técnico e mecânico.
Para desfilar na avenida, os veículos ainda têm que passar por uma série de aprovações regulatórias. No Carnaval de São Paulo, por exemplo, cada carro alegórico precisa ser submetido à 'Anotação de Responsabilidade Técnica', a ART, que é um laudo técnico feito por empresas de engenharia habilitadas pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP).
O lado externo do carro alegórico é justamente onde a maior parte da decoração é aplicada. Ela é geralmente feita de madeira ou material leve, como fibra de vidro, para ser moldada e decorada mais facilmente. Também tem o apoio de profissionais de Parintins, no Amazonas, especialistas no movimento dessas esculturas.
Um elemento extremamente importante e que terá destaque no carnaval de 2024 é a iluminação. Ela contribuiu para destacar esculturas, destaques e dar ainda mais vida ao carro alegórico. Na Sapucaí, uma nova iluminação será utilizada, com o jogo de luzes.
Os carros alegóricos estão cada vez maiores, não cabendo na cidade do samba e sendo montados na concentração do desfile. A elaboração passa por todas as etapas citadas e abarca profissionais de diversas áreas. Recursos técnicos, elétricos, hidráulicos e estéticos fazem a magia que todos veem atravessar a Marquês de Sapucaí e o Anhembi, em São Paulo.
O Flipar, então, relembra algumas alegorias marcantes do carnaval carioca. A primeira delas é a tradicional águia da Portela, que completou 100 anos em 2023. Em 2015, ela se transformou em redentora, fazendo referência ao Cristo e encantou o público.
No ano anterior (1988), a Vila Isabel trouxe um enredo antológico sobre a negritude: 'Kizomba, a festa da raça'. Para ilustrar um dos maiores desfiles da história, nada melhor que o abre-alas, que trouxe a coroa da escola, com materiais africanos. O enredo queria dar luz ao que acontecia na África do Sul na época: o apartheid.
Cada artista tem seu estilo de usar os materiais e construir as alegorias. Em 2004, Paulo Barros, que se destacou no acesso no ano anterior, trouxe os famosos carros alegóricos 'vivos', com o uso de muitos componentes fazendo coreografias sincronizadas. Na Unidos da Tijuca, a obra toda em azul (DNA), com os desfilantes em cima, entrou para a história.
O mesmo Paulo Barros ousou mais uma vez em 2007. Na Unidos do Viradouro, decidiu ao lado do mestre Ciça, colocar a bateria para subir no carro alegórico. Representando peças de Xadrez, os ritmistas junto com a rainha de bateria Juliana Paes subiram e desceram da alegoria ao longo do desfile.
Outro artista do carnaval que se destaca é o carnavalesco Renato Lage. Em 1996, trouxe as criações do mundo e do universo na Mocidade e conquistou o título. O abre-alas representou a visão carnavalesca da criação do mundo, com um globo terrestre em construção e uma estrutura vazada e metálica.
Em 1982, o saudoso Max Lopes trouxe o enredo 'É hoje!', que retratava um dia na vida de um sambista da União Ilha do Governador. No abre-alas, trouxe obras do cartunista Lan sob um dos sambas mais cantados da história do carnaval.
Rosa Magalhães é uma das maiores carnavalescas da história. A professora, como é conhecida, trouxe em 1994 pela Imperatriz Leopoldinense uma alegoria representando as figuras marinhas do rio Sena. No enredo sobre uma história do Século XVI, em que cerca de cinquenta indígenas brasileiros foram transportados para a França. O intuito era representar seus hábitos e costumes em uma festa para o Rei Henrique II e a Rainha Catarina de Médici.
No ano seguinte, em 1995, a emblemática águia da Portela surgiu na Marquês de Sapucaà no clima de festas de carnaval. O desfile do carnavalesco José Félix ficou com o vice-campeonato, questionado até hoje pela campeã Imperatriz ter entrado sem uma alegoria e mesmo assim ter ficado com o troféu.
Paulo Barros, em 2023, trouxe uma escultura de São Jorge, que foi a sensação do carnaval e segue exposta na Cidade do Samba. Feito de arame e papel espelhado, seus imponentes 14 metros de altura chamavam ainda mais a atenção conforme ele ia sendo iluminado com diferentes cores, ou quando saía fumaça pela boca do dragão.
Em seu primeiro título na elite do carnaval, o Acadêmicos do Grande Rio trouxe para a avenida, em 2022, um enredo sobre o orixá Exu. A história da entidade marcou a avenida, assim como o abre-alas, que representa uma grande encruzilhada, todo vermelho, com bandeiras tremulando com as denominações.
Com Renato Lage, a Mocidade homenageou o maestro Villa-Lobos, porém deixou o título escapar por causa de muitos erros em evolução. Destaque para a alegoria do pierrô, que soltava papéis picados e gerava um lindo efeito na avenida. A gola era feita com copos de café, mostrando a criatividade do carnaval.
A Paraíso do Tuiuti, em 2018, surpreendeu o carnaval com um enredo sobre as formas de escravidão e ficou com o segundo lugar. As escolas de samba são entidades culturais e contestam as mazelas sociais de sua época. Com isso, a agremiação trouxe a 'escravidão trabalhista' e no topo da alegoria um componente representando o ex-presidente Michel Temer como um vampiro.
Em 1989, a Imperatriz Leopoldinense trouxe o enredo: 'Liberdade, Liberdade, abre as asas sobre nós' e conquistou mais um título. Max Lopes elaborou uma alegoria em homenagem ao Duque de Caxias. O carro era repleto de cavalos e tinha um deles no topo, com o sambista Zacarias de Oxóssi.
O último título do Império Serrano na elite do carnaval carioca foi em 1982. Com um enredo emblemático intitulado ' 'Bum Bum Paticumbum Prugurundum', fazia uma crítica ao 'gigantisco', que caminhava as escolas de samba. Em uma das alegorias, ventarolas pratas com escultura de Joãosinho 30 e Pinah no centro.
A Estácio de Sá conquistou seu único título na elite do carnaval carioca em 1992, com uma homenagem ao Modernismo e a Semana de Arte Moderna. O abre-alas era o Teatro Municipal com um letreiro com o nome da escola. Um palco para os artistas mostrarem suas obras.
O Acadêmicos do Salgueiro trouxe para 2007 um homenagem às Candaces, todas as orixás femininas e rainhas guerreiras. O abre-alas era impactante com uma enorme escultura de uma feiticeira. Ao lado, esculturas das orixás, assim como a iluminação e a fumaça que davam um toque especial. O carnavalesco era Renato Lage, que ficou quinze anos na agremiação.
A Portela conquistou o campeonato em 2017 depois de 33 anos de jejum. O carnavalesco Paulo Barros ousou novamente e trouxe uma alegoria sobre o rompimento da barragem de Mariana. Forma de protesto e alerta, com encenação dramática e uma escultura impactante.
Também em 2017, a Mangueira falou sobre a religiosidade e trouxe um abre-alas impactante pela riqueza de detalhes. Na frente, uma estrutura giratória e ao lado imagens de santos católicos. O carnavalesco Leandro Vieira trouxe uma bela alegoria que mostrava a relação do brasileiro com o divino.
No mesmo desfile, a Estação Primeira trouxe um tripé, que tem sido muito utilizado por ser menor e acrescentar informações ao desfile. De um lado estava Jesus Cristo e do outro Oxalá, para representar o sincretismo religioso.
Por fim, outra escultura característica em abre-alas é o tigre da Unidos do Porto da Pedra, escola de São Gonçalo. Muitas agremiações costumam utilizar o seu símbolo: águia, tigre, leão, coroa, entre outros, na primeira alegoria.