Inicialmente, o mamífero foi confundido com um vira-lata, mas os estudiosos perceberam que tratar-se de uma 'mistura' de duas espécies.
O animal foi resgatado em um trecho de estrada do município de Vacaria, no nordeste do estado do Rio Grande do Sul, em 2021.
O biólogo Herbert Hasse Junior resgatou o animal ferido auxiliado por integrantes da patrulha ambiental da cidade gaúcha.
Conduzido ao hospital veterinário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Hasse Junior identificou o mamífero inicialmente como a fêmea de um animal silvestre. No caso, seria um graxaim-do-campo.
O graxaim-do-campo (Lycalopex Gymnocercus) assemelha-se a uma raposa, tem pelagem bege e cinza e é uma espécie endêmica em algumas regiões da América do Sul.
No entanto, ao retirar o animal da caixa de transporte a pesquisadora Flávia Ferrari logo notou que não se tratava de um graxaim-do-campo.
Ao transferir o animal para um espaço de espécies domésticas começou o mistério que intrigou os especialistas da UFRGS.
O comportamento do animal diferia muito do de um cachorro. O aspecto que mais chamou atenção dos cuidadores foi o suposto cão recusar-se a comer ração.
Cismada, a equipe do local testou colocar pequenos roedores no canil. O animal devorou a nova refeição, comportamento alimentar típico de um graxaim-do-campo.
Diante disso, o mamífero foi transferido para o setor de animais silvestres. Com aparência incomum para um graxaim-do-campo, mas hábito alimentar idêntico ao dessa espécie de canídeo, o bicho deixou os pesquisadores intrigados.
Chamado para auxiliar na identificação, o geneticista Thales Renato Ochotorena de Freitas, do Instituto de Biociências da UFRGS, avaliou o animal e surpreendeu-se com o fato de ele latir como um cachorro.
O graxaim-do-campo emite apenas pequenos ganidos agudos, nada parecidos com os ruídos típicos dos cães.
Diante do enigma, os pesquisadores recorreram ao citogeneticista Rafael Kretschmer, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), para fazer a contagem de cromossomos (estruturas internas às células que abrigam o material genético dos seres vivos).
O cachorro doméstico tem 78 cromossomos e o graxaim-do-campo, 74, uma diferença importante no código genético das espécies.
Foi então que veio a surpresa: a análise mostrou que o animal tinha 76 cromossomos.
'Fizemos uma biópsia da pele e uma cultura celular. Ao fazer a análise, descobrimos que o animal tinha 76', contou Kretschmer à BBC.
No Rio Grande do Sul, o lobo-guará é a única espécie de canídeo com 76 cromossomos. Porém, o animal ferido não guardava nenhuma característica desse tipo de animal.
Para uma certeza científica, a bióloga Bruna Elenara Szynwelski, da UFRGS, procedeu a uma análise dos genes do híbrido.
Ao vasculhar o DNA, ficou evidente a presença de grupos de genes de cachorro doméstico e outros de graxaim-do-campo.
A descoberta, publicada no periódico científico Animals, foi descrita como rara pelo fato de haver considerável distância parental entre cachorros e graxains-do-campo na árvore evolutiva.