Essa vestimenta cerimonial possui quatro mil penas de araras vermelhas e mede pouco menos de um metro e oitenta.
O elemento-chave na cultura Tupinambá tinha significado ritualístico e simbólico relacionado às hierarquias sociais e ao poder dentro da tribo. Era, muitas vezes, usado como roupa cerimonial pelos povos indígenas costeiros.
Contudo, o artefato foi levado do povo Tupinambá durante o período colonial português em uma expedição ao Brasil. Algo recorrente na relação entre metrópoles e colônias.
Com saques e o comércio da época, os dinamarqueses se apropriaram de muitos objetos indígenas durante a exploração do 'Novo Mundo'. O manto raro e belo, então, foi parar no acervo do país europeu.
Após o roubo, a manta foi levada para o velho continente como parte da coleção de Frederico III, em 1689.
Ela também passou por diversas coleções de museus reais na Dinamarca. Coube ao Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague, ser o último portador de um dos poucos mantos tupinambá que sobreviveram ao tempo.
A preservação aconteceu em meio às interações coloniais e ao 'intercâmbio' cultural entre a Europa e as Américas. Algo que também simboliza a exploração e a pilhagem do patrimônio cultural indígena.
Depois de mais de 300 anos no exílio, o artefato retornou à sua origem. Após o anúncio de devolução feito pela Dinamarca, em julho, o manto foi oficialmente apresentado em cerimônia no Rio de Janeiro, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um grupo de duzentos Tupinambás acampou ao lado de fora do prédio, com tambores e todas as honras para ver o precioso manto e se reconectar com suas antigas tradições. Agora, o manto fará parte do acervo do novo Museu Nacional, destruído por um incêndio em 2018, e que deve ser reaberto em 2025.
'Senti tristeza e alegria. Uma mistura entre nascimento e morte. Os nossos antepassados dizem que quando [os europeus] nos tiraram o dinheiro, o nosso povo ficou sem rumo.', disse Maria Yakuy Tupinambá, anciã da comunidade dos Tupinambá de Olivença.
O retorno do manto ao Brasil repercutiu em todo o mundo. O evento também foi para reconhecer os povos indígenas, suas terras e seus direitos.
Essas capas provavelmente funcionavam como peles sobrenaturais, transferindo força vital de um organismo vivo para outro', disse Amy Buono, professora associada de história da arte na Universidade Chapman, ao The Guardian.
'As mantas Tupinambá eram um dos objetos mais procurados no início do século XVI. Várias foram usadas pelos cortesãos durante uma procissão em 1599 na corte do Duque de Württemberg, em Stuttgart.', completou.
Manto Tupinambá é uma vestimenta sagrada, utilizada em rituais e composta por penas de aves nativas. A preservação do território e de sua natureza garante que a colheita das penas seja feita de forma respeitosa e também protege a vida que flui no Manto.
A indumentária emplumada representa para o povo Tupinambá uma confluência entre a dimensão espiritual (os Encantados e os antepassados), o meio ambiente, a economia e a agroecologia e a transmissão de saberes.
O processo de confecção do Manto foi possível graças ao diálogo com os Encantados, as anciãs e toda a comunidade. Como forma de reavivamento de memórias e revitalização da cultura do povo Tupinambá. Na foto, a representação dele no carnaval carioca, pela Acadêmicos do Grande Rio.
Em 1500, os Tupinambás habitavam Pindorama (Terra das Palmeiras, como o Brasil era chamado na época), em uma localização próxima à Bahia, quando os europeus dominaram seu território.
Desde aquela época, o povo Tupinambá manifesta resistência e coragem para viver em harmonia com a terra que abriga sua história e ancestralidade. Mesmo diante de todos os desmandos europeus nos séculos de colonização.
Apenas em 2001, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) reconheceu oficialmente a existência da etnia Tupinambá.
Oito anos depois, em abril de 2009, a primeira fase para a demarcação do território foi concluída, com a publicação do resumo do relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença.
O povo Tupinambá, assim como diversos outros originários, buscam a revitalização de sua cultura e a segurança de sua comunidade.
O escritor Eduardo Bueno, baseado nos escritos de Teodoro Sampaio, afirma que o termo 'tupinambá' é oriundo do tupi. Ele significa 'descendentes dos primeiros pais', através da junção dos termos tuba (pai), ypy (primeiro) e abá (homem).
Os Tupinambá de Olivença vivem na região de Mata Atlântica, no sul da Bahia. Seu território situa-se ao sul da cidade de Ilhéus e se estende da costa marÃtima da vila de Olivença até a Serra das Trempes e a Serra do Padeiro.
Atualmente, a vila fica no local onde, em 1680, foi fundado por missionários jesuítas um aldeamento indígena. Desde então, os Tupinambás residem no território, nas proximidades do curso de vários rios. Entre eles, se destacam Acuípe, Pixixica, Santaninha e Una.