A crise vem desde a década de 1950, quando a espécie conhecida como serpente-arbórea-marrom foi acidentalmente introduzida no local, provavelmente em cargas militares vindas de outras regiões do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial.
Sem predadores naturais para conter sua população, a serpente se reproduziu descontroladamente, causando sérios danos. A presença dessas cobras levou à quase extinção de diversas espécies de aves nativas, uma vez que elas se alimentam de ovos e filhotes nos ninhos.
A infestação também gera prejuízos econômicos significativos, pois as serpentes danificam a infraestrutura elétrica e causam interrupções no fornecimento de energia.
No Brasil, existe um lugar parecido: a Ilha da Queimada Grande, a 35 km do litoral paulista, é considerado um dos lugares mais perigosos do mundo. Ninguém pode pisar lá, exceto com autorizações especiais.
O motivo é a quantidade impressionante de cobras. Queimada Grande é a segunda ilha com maior densidade populacional de cobras no planeta. Três mil cobras numa área de 430 mil m². Ou seja, 143 cobras a cada mil m². É como se houvesse 1.430 cobras a cada campo de futebol.
A ilha pertence à Marinha do Brasil. Mas o acesso não é liberado nem mesmo para os integrantes das Forças Armadas sem licença especial. Ali só podem entrar pesquisadores, ambientalistas e cientistas com autorização.
A Queimada Grande só perde em densidade de cobras para a Ilha de Shedao, na China, onde proliferam espécies locais, inclusive a espécie Gloydius blomhoffii (foto).
A Ilha da Queimada Grande faz parte de uma unidade de conservação criada em 31/1/1984. Tem o título de 'área de relevante interesse ecológico', ou seja, com proteção determinada por lei para a preservação da fauna e da flora.
A ilha tem fauna endêmica (que só existe lá), como a jararaca-ilhoa (justamente a cobra que existe em profusão no local - foto) e a perereca 'Scinax peixotei'
O mais antigo registro histórico da ilha data de 1532. O português Martim Afonso de Souza aportou na ilha durante uma missão colonizadora.
O nome Queimada Grande tem uma explicação: os marinheiros que iam à ilha antes da proibição (até porque o farol era operado manualmente) acendiam grandes fogueiras para espantar serpentes. E o fogo era visto do continente.
O Instituto Butantan explica que a jararaca-ilhoa remonta a 11 mil anos atrás, após a Era Glacial. Com o aumento da temperatura, a espécie se adaptou no isolamento.
A falta de predadores naturais e da intervenção humana permitiu a proliferação dessas serpentes num ambiente isolado e a ilha foi se consolidando como um dos lugares mais inóspitos do planeta.
Esta espécie desenvolveu adaptações, ficando com cauda longa, para agarrar, e escura na ponta, usada para imitar larvas de inseto e atrair presas.
O veneno da jararaca-ilhoa é estudado pelo Instituto Butantan, mas seu antÃdoto é pouco fabricado, justamente porque essas serpentes vivem em área de acesso restrito a pesquisadores.
Em 1911, o faroleiro Antônio Esperidião da Silva foi o responsável por enviar exemplares da jararaca-ilhoa para o Butantan, dando início às pesquisas com a espécie.
Desde 1925, um farol automático está instalado na parte mais plana da ilha, mantido e conservado pela Marinha. Mas sem necessidade de alguém no local.
Itanhaém é um dos 15 municípios paulistas considerados 'estâncias balneárias'. Com 601 km², tem 104 mil habitantes, a 109 km da capital São Paulo.
Peruíbe é uma cidade com belas praias, turismo ecológico e turismo rural. Fica a 141 km da capital São Paulo e tem 67 mil habitantes em 326 km².
As jararacas-ilhoas são predadoras dos atobás-pardos, espécie que tem o hábito de botar ninhos em ilhas e que também se reproduz na Queimada Grande. As cobras capturam os pássaros e também comem os ovos.
Lagartos, anfíbios e centopeias (foto) também são comidos pelas jararacas-ilhoas
As jararacas-ilhoas ficam em galhos com frequência, podendo capturar presas também no alto. Mas elas têm capacidade de passar meses sem alimento.
O jornalista Goulart de Andrade (1933-2016) entrevistou o herpetólogo (especialista em cobras) Marcelo Duarte, do Butantan, que disse: 'Esse bicho não come mais que 3 pássaros por ano. Sobrevive com pouquíssimo alimento'.