A Sorveteria Universal, inaugurada em 1928, ainda mantêm vivo o jeito tradicional de fazer sorvetes -  (crédito: Túlio Santos/EM/D.A Press)

A Sorveteria Universal, inaugurada em 1928, ainda mantêm vivo o jeito tradicional de fazer sorvetes

crédito: Túlio Santos/EM/D.A Press

Esqueça os tradicionais sorvetes de chocolate, morango, creme e flocos. As sorveterias de BH estão cheias de combinações e sabores inusitados para quem quer experimentar e se refrescar nesta primavera de dias quentes.

Os estabelecimentos têm investido em pesquisa, maquinário e escolha por produtos naturais para criar experiências e despertar sensações nos clientes. Há sabores que resgatam memórias de infância, recriam sobremesas clássicas em versão gelada, usam ingredientes que, em geral, estão em comidas salgadas e até misturam ingredientes que supostamente agradam ao Papa Francisco, como forma de homenageá-lo.

Whisky, cachaça e queijo

O primeiro sabor que Talita Viza, sócia-proprietária da Alento Sorvetes Artesanais, desenvolveu foi de manjericão. Ela conta que o sorvete seria para harmonizar com morangos e um bolo de chocolate em um jantar. “Recebi muitos elogios”, lembra.

Um tempo depois, a irmã da empresária provou um sorvete de queijo durante uma viagem ao Rio de Janeiro e comentou não ter nada parecido em BH. Talita, então, desenvolveu o sabor para a irmã, que era servido com uma calda de goiabada com cachaça. “Comecei a levá-lo nos jantares também. Até que surgiu uma oportunidade de colocar meus sorvetes como sobremesa em um restaurante pequeno perto da minha casa. Levei esses dois sabores e os clientes amaram.”

Talita diz que as pessoas iam até a casa dela, aos domingos, para comprar os sorvetes que tinham provado no restaurante. “Depois dessas experiências, fui amadurecendo a ideia de desenvolver sorvetes para vender.”

Na fase de testes, um professor de gastronomia sugeriu a ela um sabor inspirado no whisky Jack Honey, que une o Jack Daniel’s Tennessee com licor de mel. “Casou com a ideia de que queríamos vender numa feira de cervejas. Ele recebeu uma aprovação muito grande do público.” Quando Talita começou um projeto de desenvolver sabores para chefs de cozinha que colocavam esses sorvetes em seus cardápios, veio a sugestão do sorvete de cachaça com melado, que seria uma versão mineira do Jack Honey.

Além desses, ela já desenvolveu outros sabores inusitados, como tomate, lavanda, paté de fígado, bacon, pimenta rosa e pão de queijo, que, até o momento, não estão mais nas cubas expositoras. Atualmente, nas duas lojas, uma no Mercado Novo e outra no Bairro Buritis, são 16 sabores. “Não há regras. Geralmente, no verão oferecemos opções mais leves e cítricas. No inverno, sabores mais quentes, como chocolate, doce de leite e canela.”

Gelato com cara de Brasil

Gelatos feitos com mistura de sabores e texturas para fazer o cliente se sentir na Itália. Essa é a proposta da Goccia di Latte. A gerente da sorveteria do Bairro de Lourdes, Elaine Gil, conta que os donos, dois italianos, visitaram várias cidades do Brasil e escolheram Belo Horizonte para abrir o negócio.

Entre os sorvetes do cardápio, um chama a atenção: o sabor do papa Francisco, criado em homenagem ao pontífice. Elaine explica que, segundo um dos donos, o religioso seria apaixonado pelo sabor de café em sorvetes, típico dos affogatos. A sobremesa italiana é composta por gelato de baunilha acompanhado de uma dose quente de café expresso.

A versão da sorveteria é feita com calda, gelato de café com stracciatella amargo (queijo com leite de búfula) e rum. “Resolvemos fazer essa homenagem de colocar o nome do papa. Só a gente tem esse sabor”, diz a gerente.

Outro sabor exclusivo da sorveteria é o cheese pêssego, feito com iogurte e pedaços da fruta. Elaine destaca que os sorvetes são desenvolvidos por um mestre gelateiro. “Os fornecedores de fábricas italianas oferecem as opções e a gente faz. O que diferencia uma gelateria é o investimento e a gente investe. Isso resulta nos sabores diferentes.”

O cardápio da gelateria conta com 24 sabores. Outros que não são comuns e agradam ao público são trufa mascarpone, feito com queijo mascarpone e trufa de chocolate, e de chocolate com raspas de laranja. “A gente cria aqui uma experiência para o cliente. Eles sentem aqui como se estivesse na Itália.” A gerente diz que muitos clientes apaixonados por gelatos batem ponto na sorveteria pela qualidade e diversidade dos produtos.

 

Essência mineira e italiana

Fundada em 1928, no Centro de BH, a sorveteria Universal é um negócio de família, como relata a sócia-proprietária Liliane Laporte, bisneta do fundador. Atualmente, ela gerencia o negócio com a irmã. Em meados dos anos 1930, a passagem de bondes, transportes muito usados na época, e a presença de uma igreja em frente ao local fizeram com que a loja fosse para o Bairro Floresta, na Avenida do Contorno, onde fica a sede até hoje. Mas, há uma segunda unidade na Avenida Bandeirantes, no Bairro Mangabeiras.

A sorveteria foi repassada para a avó e a tia-avó de Liliane, ficando lá até 1994, quando um incêndio consumiu quase tudo da loja, exceto algumas poucas máquinas. “O amor dos clientes pelo nosso sorvete não nos fez desistir. Eles ligavam pra gente para perguntar: o que que precisam para não fechar? Fomos surpreendidos com freezer, balcão, mesa, cadeira, placa. Tudo pra gente não fechar. Voltamos. Persistimos, apesar do incêndio”, relata a empresária.

O maquinário que foi salvo da tragédia é usado até hoje na produção dos mais variados sorvetes. “Os sorvetes de fruta são feitos de fruta natural. Temos sabores inusitados, como tamarindo, jaca, graviola e jabuticaba, que é a nossa querida.”

O campeão de vendas da casa é o Bombom Jack Daniel’s, feito com sorvete de chocolate, calda de caramelo, whisky Jack Daniel’s e crocante, que traz textura e um tom alcoólico. “Estamos sempre inovando aqui, mas sem perder a essência mineira e italiana que é a nossa raiz”, afirma. Ela cita ainda o Universal Premium, que une sorvete de baunilha, caramelo flor de sal e pedaços de chocolate; e o café mocaccino como algumas das inovações.

A empresa fabrica em torno de 50 sabores. No caso dos de frutas, ela comenta que como só trabalha com ingredientes naturais, investe na sazonalidade. “Não é sempre que você vai achar todos eles, mas nosso cardápio varia em torno disso.”

Sobre o Queimadinho, Liliane diz que o sabor é uma herança. "As pessoas esqueceram que sorvetes antigos são gostosos. É o mesmo sorvete que o meu bisavô fazia em 1930." Na linha dos sabores nostálgicos, ela cita ainda o de ameixa preta, nozes e doce de leite. Esse último, segundo empresária, é o campeão de vendas em 90 anos. "É um sorvete super mineirinho. Alguns sabores realmente você não vai achar em outras sorveterias porque tudo se tornou muito comercial.”

 

Memória afetiva e sensações

Os sabores criados por Carlos Sia, da Sorveteria Inventiva, tentam acessar a memória afetiva e a sensação das pessoas, segundo o dono. “Faço uma pesquisa de tendência gastronômica, acho uma inspiração e vou desenrolando aquela inspiração”, explica. Sia diz que quando começou a fazer sorvete, qualquer ingrediente era transformado no produto. “Via uma pessoa tomando um drink num seriado, isso virava sorvete. Só que a gente amadurece o processo. Aí, criei essa história de inspirações.”

Inspirações nascidas de uma pesquisa de tendência, de acordo com ele. A primeira delas foi Memórias de Infância. Dela surgiu o sorvete Pavê da Vovó, o mais vendido na casa, localizada no Santa Efigênia. "O sorvete é inspirado no pavê que minha avó fazia quando eu era moleque. É aquele pavê clássico dos anos 1980: sorvete de chocolate com sorvete de baunilha e biscoito champanhe.”

O empresário ressalta que gosta muito da parte sensorial que a receita resgata. “Quando eu tomo esse sorvete, sou teletransportado para os anos 80, sinto a textura do tapete da casa da minha avó. Aquela tarde quente, tomando aquela sobremesa geladinha. Me lembro de estar assistindo na Sessão da Tarde, o filme "Curtindo a vida adoidado" e tomando uma Coca-Cola gelada. O sorvete tem esse lado de ligar a memória afetiva da pessoa”, pontua.

A segunda inspiração estava ligada à ideia de dar pausa no cotidiano. “Em cima do movimento slow, da valorização do pequeno produtor, eu criei vários sorvetes com chá. Acho que o chá traz a sensação de tranquilidade. A sensação de tranquilidade refrescante.” Nessa inspiração, Sia desenvolveu o sabor Tchai, o chá indiano. “Nele, a gente usa especiarias quentes como canela, gengibre, cravo, anis, pimenta do reino. Meu desafio é brincar com sensações”, explica.

A última inspiração do empresário deu origem a um sabor que também é campeão de vendas. “Estou vendendo para caramba esse sorvete. É o clássico coco queimado que alguns lugares fazem, mas eu acrescentei crocante de castanha de caju. Acho que esse sorvete é brincar com as sensações.”

E quando recebeu a reportagem do Estado de Minas confidenciou que surgiu a ideia para um novo sabor. O sorvete ainda não foi batizado, mas tem coco, geleia de cupuaçu e cachaça de jambu.

 

Endereços:

Alento Sorvetes Artesanais

  • Mercado Novo - Avenida Olegário Maciel, 742, Centro
  • Avenida Henrique Badaró Portugal, 143, loja 55, Buritis

Goccia di Latte

  • Avenida Álvares Cabral, 1039, Lourdes

Sorveteria Universal

  • Avenida do Contorno, 1855, Floresta
  • Avenida dos Bandeirantes, 1299, Mangabeiras

Inventiva Sorveteria Artesanal

  • Rua Grão Pará, 553, Santa Efigênia