Ceia da véspera de Natal, almoço do dia 25, comilanças em toda a temporada de boas-festas e mais reuniões em família, encontros com amigos, despedidas do fim de ano, saudações ao próximo. Dezembro é um mês de mesa farta, comidas típicas da época e, claro, portas abertas para muita criatividade na cozinha. Festejar o nascimento do Menino Jesus requer reflexão, orações e alimentos que elevem o espírito – e celebrem também o prazer de comer.
Nesse cenário, a inspiração pode estar numa antiga receita de família, daquelas encontradas nos livros de páginas amareladas, num filme que marcou sua vida, num livro escrito com as mãos e o coração. E foi a partir da leitura de “A mesa de Deus - Os alimentos da Bíblia” (Editora Record), da escritora pernambucana Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti, que a chef, historiadora e consultora gastronômica Ana Roldão, portuguesa radicada há 20 anos no Brasil, criou o prato brandade de bacalhau e tilápia.
Antes de tudo, é preciso explicar que brandade é uma clássica receita francesa de bacalhau. Quando estiver prontinho, você, leitor(a), vai ver que se trata de um creme que se come colocando sobre o pão. Para completar, vai no topo o molho pesto (de hortelã, e não de manjericão). Como acompanhamento, vem o pão torricado, nada mais, nada menos do que o pão sírio passado na frigideira para ficar crocante. Ulalá! Quase um ritual!
Com a palavra, Ana Roldão: “É uma ótima receita para começar uma refeição ou para uma reunião descontraída com amigos, acompanhada de um bom vinho tinto, que não seja muito encorpado. Me inspirei em comida de festas e adaptei a receita para o livro ‘A comida de Deus’. E o prato vai muito bem na ceia de Natal.”
Ana Roldão conta que, nesta releitura da brandade, substituiu a batata pelo grão-de-bico, ingrediente muito citado na Bíblia, como a autora enfoca em seu livro. “Para acompanhamento, sugiro o pão árabe, folhas de hortelã e azeite. E pode ser também grão-de-bico torrado. Só me resta, portanto, desejar bom apetite!
No preparo da receita e arranjo da mesa, o Degusta contou com a ajuda de uma dupla que já colabora aqui há tempos. A cozinheira Marinês Araújo, pernambucana como a autora do livro, cuidou do prato, enquanto Luiz Gabrich fez a decoração da mesa.
Ler e comer
Unir o paladar ao prazer de ler alegra todos os sentidos, mostra que a dobradinha literatura-culinária é salutar e que provar novos sabores só faz bem. Então, vamos conhecer um pouco sobre “A mesa de Deus - Os alimentos da Bíblia”. Fruto de 10 anos de trabalho, entre pesquisa e elaboração, o livro parte dos primórdios da história da humanidade, quando a relação dos homens com os alimentos dizia respeito à própria sobrevivência. E acompanha povos e costumes do Antigo Testamento e do Novo Testamento.
Escrito para leigos e entendidos no assunto, “independentemente da crença de cada um”, conforme disse a escritora ao Estado de Minas, “A mesa de Deus” é para ser lido em qualquer época. “Procurei escrever um livro no qual estivessem todas as informações que pesquisei, ilustradas pelos versículos. E que fosse leve.”
Integrante da Academia Pernambucana de Letras e pesquisadora gastronômica com várias obras publicadas, Maria Lecticia teve a ideia do livro durante uma conversa com seu marido, José Paulo, e o então padre (hoje cardeal) dom Tolentino Mendonça, na Casa de Chá de Santa Isabel (antiga Vicentinas), no Largo do Rato, em Lisboa, Portugal.
“Aceitei o desafio sem me dar conta, naquele momento, da grande responsabilidade que seria, pois não tenho formação teológica nem nunca tinha lido a Bíblia. Então, o primeiro passo foi procurar teólogos e estudiosos no assunto que me dessem o suporte que precisava, ou seja, tirar dúvidas, ajudar a interpretar algumas passagens bíblicas – até porque, como ensina Frederico Lourenço (professor português, especialista em literatura clássica e tradutor do grego para o português), a Bíblia pode ser lida de muitas maneiras – e que fizessem, depois do texto pronto, a revisão final.”
Alimentos sagrados
Em seus estudos, Maria Lecticia verificou que a cozinha da Bíblia se fazia com grande quantidade de ervas, especiarias, cereais e leguminosas, usados na preparação de pratos ou na fabricação de pão e cerveja, trazidos, em caravanas, da Índia e da península Arábica.
“Produtos, às vezes, secos, por serem mais fáceis de conservar. Usavam azeite de oliva. Da uva, faziam vinho e vinagre. Do leite de cabra, ovelha e vaca, preparavam queijos frescos ou secos (conservados no sal). Adoçavam os alimentos com mel de abelha que, à época, nada era tão doce.” Logo na abertura da obra, registrou: “Todos os que forem deixados na terra se alimentarão de coalhada e de mel” (Is 7, 22)”.
No livro, são citados alguns alimentos dos tempos bíblicos, entre eles o pão, o vinho, o mel, o azeite, o leite e derivados.
Brandade de bacalhau e tilápia ao pesto de hortelã e pão torricado
Ingredientes
250g de lombo de bacalhau; 350g de filé de tilápia; 3 dentes de alho; 2 xícaras de leite; 3 galhos de tomilho; 2 folhas de louro; 3 galhos alecrim; 1 xícara de azeite extravirgem; 300g de purê de grão-de-bico; 1 dente de alho picado; 1 xícara de creme de leite; 1 colher de sopa de cebolinha picada; raspas de 1 limão siciliano; folhas de hortelã; sal e pimenta a gosto
Modo de fazer
Coloque o leite para ferver com dois dentes de alho, o tomilho, as folhas de louro e o alecrim. Em seguida, coloque o bacalhau e a tilápia no leite. Ferva por três minutos e desligue o fogo. Deixe por uma hora em imersão e, em seguida, desfie o bacalhau e a tilápia. Coloque um fio de azeite numa frigideira e um dente de alho inteiro. Passe a tilápia e o bacalhau nesse azeite quente. Quando os peixes estiverem sequinhos no azeite, acrescente o purê de grão-de-bico. Coloque devagar o resto do azeite e o creme de leite. Junte a cebolinha, sal, pimenta e raspas de limão. Sirva com torradas de pão árabe ou pão torricado (na chapa) e molho pesto (feito com hortelã).