Ana Elisa Saldanha, do Elisa Café, trabalha com 16 lotes por vez -  (crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )

Ana Elisa Saldanha, do Elisa Café, trabalha com 16 lotes por vez

crédito: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Já são oito anos de experiência como coffee hunter (o termo em inglês se refere ao profissional que garimpa cafés). Adriene Cobra, a Dri, nasceu em Três Corações, no Sul de Minas, e vem de uma família produtora de café, mas nunca tinha pensado em trabalhar com isso. Formou-se em arquitetura, trabalhou por 10 anos em banco e foi num ano sabático em que recebeu o convite de um amigo para abrir uma cafeteria.

“Ele estava começando a estudar cafés especiais e, quando fui entender do que estava falando, me encantei. O café me reconectou com a minha origem, me ajudou a resgatar memórias. Sou neta de produtor rural e na fazenda ouvia muito sobre ecologia, cuidar da natureza – na faculdade, enquanto todo mundo falava de concreto armado, era conhecida como a menina do bambu. O café veio para me conectar com o sonho de voltar para a roça”, conta Dri, que fundou em 2016, com Tiago Damasceno, o Oop Café.

Naquela época, quase não se falava em cafés especiais em BH. Dri se lembra do Café Kahlúa e da Academia do Café, e nada mais. Apesar de ter nascido nesse meio, ela diz que começou não sabendo nada. Foi uma descoberta e continua a ser um eterno aprendizado.

Da lavoura à xícara: Adriene Cobra, fundadora do Oop Café, acompanha todo o processo para oferecer a melhor bebida aos clientes

Da lavoura à xícara: Adriene Cobra, fundadora do Oop Café, acompanha todo o processo para oferecer a melhor bebida aos clientes

Camila Rocha/Divulgação


“No Brasil, a conversa sobre cafés especiais começou em torno de 20 anos atrás, então é um mercado muito jovem e em plena evolução. A cada dia estamos aprendendo e tentando educar o público. A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) lançou só em 2023 o selo de café especial, é tudo muito novo. Por isso falo que ninguém sabe nada, todo mundo sabe um pouquinho.”

Quem abriu portas desse mercado para Dri foi a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, sigla em inglês). Assim que apresentou para os associados o projeto do Oop Café, recebeu vários telefonemas. “A primeira pessoa que me ligou foi o Henrique Sloper, da Fazenda Camocim, no Espírito Santo. Sorte do destino que ele é produtor de café biodinâmico, o Café do Jacu. Foi o primeiro que comprei.”

Depois ela partiu em viagens pelo Brasil para visitar plantações e provar amostras. Foram seis meses de expedições antes de abrir a cafeteria. Sozinha, de carro, chegava e batia na porta das fazendas. As cooperativas ajudaram a ampliar a lista de contatos.

Polo de pesquisas

Na sequência, Dri fez um curso de barista (quem prepara e serve bebidas à base de café) na Universidade Federal de Lavras (UFLA), um dos grandes polos de pesquisas de café, encabeçadas pelo professor Flávio Borém. “Não tem ninguém no mundo que entenda mais de café especial do que professor Borém”, comenta a arquiteta, que acompanhou as pesquisas dele dentro do laboratório e diz que foi “uma das experiências mais incríveis”.

“Lá na UFLA conheci um cara que estava fazendo mestrado e já tinha uma empresa, a Casa Brasil, que levava cafés brasileiros para os Estados Unidos. Ficamos amigos e ele me apresentou todos os produtores que conhecia. Um deles foi o Dério. Por isso falo que café é relacionamento, são pessoas, é fazer conexões.” Dério Brioschi Junior, do Sítio dos Cedros, em Venda Nova do Imigrante (ES), virou sócio do Oop Café depois da saída de Tiago Damasceno, em 2023. Além de produzir cafés especiais, ele comanda, com três amigos, a exportadora Farmers Coffee.

Ao longo dos anos, Dri teve que buscar muitos contatos, visitar muitas fazendas, tomar muitos cafés. Hoje ela diz que a situação se inverteu: muitos produtores mandam amostras querendo estar na prateleira do Oop Café. Além disso, ela agora pode contar com os parceiros da Farmers Coffee. Tudo isso facilita, sim, o trabalho, mas construir relacionamentos continua a ser fundamental. E não dá para parar de provar cafés.

“Só tenho certeza de que o café é especial na xícara, afinal estou buscando uma boa bebida. Os grãos podem estar lindos e maravilhosos, mas isso não é garantia de um bom café na boca.”

Universo vasto

Do ano passado para cá, a cafeteria ampliou a oferta de cafés e passou a trabalhar com três linhas, justamente para mostrar ao público como é vasto esse universo. Desde então, o número saltou de cinco para 14, que se alternam diariamente no balcão.

Daniel Cabral, do Noete Café Clube, faz questão de conhecer todos os produtores e as fazendas, mesmo que receba as amostras em BH

Daniel Cabral, do Noete Café Clube, faz questão de conhecer todos os produtores e as fazendas, mesmo que receba as amostras em BH

Noete Café Clube/Divulgação


Na linha “Produtores”, muitos fornecedores viraram amigos de tanta proximidade. “Temos um parceiro lá de Alto Caparaó, de uma das fazendas mais conhecidas, a Ninho da Águia, que todo ano escolhe um lote e me manda uma saca, porque ele sabe o que combina com o consumidor do Oop. E olha que comprar café dele é muito difícil, vai quase tudo para exportação. Se tenho uma boa relação com o produtor e ele sabe o que quero, não preciso provar, só confiar. É um luxo isso. Para mim, a base de tudo é relacionamento, transparência, a vontade de construir juntos.” Mas ela não deixa de visitar todo ano as lavouras e provar o máximo de cafés de cada safra.

A linha “Lugares” valoriza a origem dos cafés – no momento, são três localidades no Espírito Santo, enquanto a linha “Slow Down” se abre para inovações, tanto de produtores quanto de grãos. A grande novidade, inclusive, é o mix de arábica com canéfora, espécie que está entrando na cena dos cafés especiais. Ela tinha ficado de lado por ser menos doce e ter mais cafeína, o que resulta em mais amargor.

Dri entende que o momento é de descomplicar os cafés especiais, então deixou de lado aquele tanto de equipamentos e métodos de extração. As opções hoje são coado no Hario V60 ou espresso. O que ela quer é que o público tenha interesse em conhecer grãos diferentes, e isso está acontecendo. Eles decidiram também não mais falar sobre pontuação, por acreditar que o que vale mesmo é o sensorial.

O cardápio do Oop está sendo reformulado e terá uma página com sugestões de harmonização. Por exemplo, pratos vegetais, que normalmente carregam mais acidez (como o sonso de mandioca com tofu e kimchi e a torrada com cogumelos, creme de castanha e molho de pimentão) combinam melhor com cafés mais doces. Já cookie ou brigadeiro “pedem” um espresso. Se quiser uma bebida gelada, a sugestão é o refrescante Limãozinho, com cold brew (café extraído a frio), suco de limão e água tônica.

Café desde criança

“Brinco que mineiro mexe com café desde que nasceu”, diz Ana Elisa Saldanha, do Elisa Café, ao começar a contar sua história. Ela também é do interior, cresceu em uma fazenda em Pitangui, na Região Central de Minas, e toma café desde criança, mas não enxergava isso como um caminho profissional. Acabou se formando em engenharia de alimentos, teve uma distribuidora de alimentos e foi estudar gastronomia em Paris num ano sabático. Isso em 2014.

Lá ela teve contato pela primeira vez com cafés especiais. “Tomei um café completamente diferente da referência que tinha, e ele era mineiro, da Fazenda Ninho da Águia, no Alto Caparaó. Não tinha amargor, trazia doçura, notas florais, um sensorial muito interessante. Aquilo me encantou muito, era tudo novo para mim e essa cafeteria fez parte da minha rotina. Todos os dias, ia trabalhar tomando café.”

Além de servir os cafés com o card de apresentação do produtor, o Elisa Café inova propondo harmonizações com itens do cardápio

Além de servir os cafés com o card de apresentação do produtor, o Elisa Café inova propondo harmonizações com itens do cardápio

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


De volta ao Brasil, Ana chegou a trabalhar com a chef Roberta Sudbrack, no Rio de janeiro, antes de se mudar para Pitangui para ajudar o pai na fazenda de leite. Mas o café não saía da sua cabeça. Ela ficava incomodada de saber que Minas era o maior produtor de cafés especiais do mundo e as pessoas em BH, a capital do estado, quase não tinham acesso a esse mercado. A vontade de empreender se somou ao desejo de inovar e ela decidiu abrir uma cafeteria.

“O café me dá oportunidade de estar em contato com o campo, que amo, de fazer parte do meio, com a transformação dos grãos, e de servir o consumidor final. Então, me relaciono com a cadeia inteira.”
Quando Ana começou a montar o plano de negócios, veio a pandemia e ela teve que fazer contatos à distância. Mesmo sem conhecê-la pessoalmente, os produtores foram muito abertos, fecharam negócios e estreitaram a parceria. “Me lembro do Serginho Meirelles, da Fazenda Alvorada, na Chapada de Minas, um dos grandes parceiros, que falou que nunca tinha conseguido vender café para BH. Sem provar o café, decidi levar para a cafeteria.”

Amizade extrapola negócio

Assim que a pandemia deu uma trégua, Ana visitou todos os produtores. Diz que hoje conhece até a família deles e cultiva amizades que extrapolam o negócio. A relação é tão próxima e de tanta confiança que alguns produtores sabem do que ela gosta e mandam as sacas antes mesmo da prova.

“O Renato Rodrigues, da Chácara Vista Alegre, em Piatã, na Bahia me manda mensagem falando que separou parte da colheita e fez um café pra mim. Sabe que gosto do café lavado, que fermenta um pouco no tanque e tem um sensorial mais de chá, limão, floral. Isso é construir relacionamento.” Café lavados são aqueles que, no pós-colheita, as sementes secam já separadas da polpa do fruto.

Outro exemplo é Enos Cortez, de Alto Caparaó, na região das Matas de Minas. “No ano passado, ele produziu só 10 sacas de café e me ligou perguntando se eu queria comprar. Nem peço para me mandar amostra, porque sei que a produção é pequena e confio no que ele fala. Isso vem de uma construção de parceria, a gente conhece o parceiro que tem.” O café do Enos tem corpo marcante, doçura que lembra açúcar cristal e mascavo e notas de chocolate.

No Oop Café, os grãos especiais são base para bebidas refrescantes como a Limãozinho, com cold brew, suco de limão e água tônica

No Oop Café, os grãos especiais são base para bebidas refrescantes como a Limãozinho, com cold brew, suco de limão e água tônica

Camila Rocha/Divulgação


Atualmente, Ana trabalha com 16 lotes de cafés por vez. Vai variando as regiões, os terrois e os perfis sensoriais para sempre ter novidades. Na hora de fazer a escolha, leva em conta o que vai agradar o seu público e o que o produtor quer mostrar. “Gosto de trazer o olhar do produtor também, e não só o olhar técnico, para ir formando essa cultura de terroir”, justifica a coffee hunter, que mantém contato o ano todo com os fornecedores para acompanhar as etapas de produção e faz visitas periódicas às fazendas.

Olhar da gastronomia

A fundadora da cafeteria tenta sempre trabalhar o café com o olhar da gastronomia, então pensa como se estivesse na cozinha criando receitas para um menu de um restaurante, que precisa ser bem variado.

Lá tem o café do dia, que fica pronto na garrafa, uma carta de coados e outra de espressos. Fora isso, você sempre vai encontrar uma bebida diferente. Incluem-se aqui o Drinque de Verão, com melão cantaloupe, cold brew, leite e pimenta-do-reino, e o Spanish Latte. “Tomei em Dubai e adorei. É uma bebida gelada com café espresso, leite condensado, leite e gelo muito comum nos Emirados Árabes.”

Não se fala muito com os clientes sobre harmonização, mas isso não deixa de ser um guia para a elaboração do cardápio. Quando pensa em café espresso, Ana logo associa a uma fatia do bolo Caprese, inspirado na Ilha de Capri, com farinha de amêndoa, chocolate branco e limão siciliano. Da mesma forma, o bolo de fubá com queijo, receita da sua família, com vai muito bem com cafés mais encorpados.

Sucesso em dias de calor, o Nitro Coffee do Noete Café Clube é um cold brew feito na chopeira, então fica com uma espuma bem pronunciada

Sucesso em dias de calor, o Nitro Coffee do Noete Café Clube é um cold brew feito na chopeira, então fica com uma espuma bem pronunciada

Yago Lima/Divulgação
 


O desafio agora tem sido propor combinações com pratos salgados. No novo menu, que será lançado em fevereiro, entrará uma torta de frango com massa de batata para tomar com bebidas mais delicadas. Outra novidade será uma tábua de queijos para brincar de harmonizar com diferentes cafés.

A cafeteria também vem tentando colocar café em produtos desenvolvidos com parceiros. Entre eles, bombom de chocolate com café, caldo de frango com cold brew, geleia de café e picolé de café com leite.

Um grão por mês

Quando entendeu a magnitude de Minas Gerais e do Brasil na produção de cafés especiais, ele sentiu que era um chamado para entrar nesse mercado. “Foi como um clique. Vi que tínhamos cafés muito próximos e muito valiosos e que os consumidores não sabiam disso, então queria contar essa história. Teve quem achou que fosse doido, mas o tempo mostrou que estávamos no caminho certo”, relata Daniel Cabral, que em 2015 abriu um clube de assinaturas, o Noete, que depois virou uma cafeteria.

Não foi fácil o trabalho de identificar produtores. Daniel começou por conhecidos que plantavam café, visitou cooperativas, ficou de olho em concursos até conseguir mapear onde estavam os melhores produtos. “A estrutura de comercialização de cafés especiais ainda é muito amadora. Você tem que ir até a fazenda e o produtor gosta de apertar a mão para fechar negócio, coisa bem de mineiro mesmo.” Nessa busca, ele entendeu que havia uma demanda dos próprios produtores, que não conseguiam vender para BH. Não se lembra como era tão comum ouvir que os cafés bons iam para fora do Brasil?

Drinque do Verão com melão melão cantaloupe do Elisa Café

Drinque do Verão com melão melão cantaloupe do Elisa Café

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


O coffee hunter faz questão de conhecer todos os produtores e as fazendas, mesmo que tenha a possibilidade de receber as amostras em BH. “Hoje compro por telefone o café da Paula Paiva, da Fazenda Recanto, em Machado, uma das produtoras de quem mais gosto no Brasil, mas tudo começou entrando no carro e indo lá na fazenda dela. Senão ela não teria confiança de vender e nem a gente de comprar.” No Noete desde 2015, o café da Fazenda Recanto é um exemplo clássico do terroir do Sul de Minas: adocicado, suave, com notas de amêndoas e chocolate. Daniel diz que trabalha com ele “de olhos fechados”.

Apesar de a oferta de cafés especiais ter aumentado, ainda é difícil ter regularidade. Por isso, a rede de contato é tão importante. “Mineiro é muito desconfiado, ainda mais do interior, então chegar a um relacionamento de confiança mútua demora e exige uma construção de todos os meses procurar bons cafés. Com alguns produtores tenho um relacionamento tão bom que viraram amigos.”

Todo mês, o Noete compra um café novo. Para abastecer o clube de assinaturas com novidades, vai intercalando diferentes perfis sensoriais, mesmo sabendo que a preferência é por bebidas mais doces e menos ácidas, e regiões. “A maioria dos nossos clientes não são experts, então apresentamos do café mais complexo ao mais simples para que consigam provar de tudo e perceber as diferenças. Com o tempo, queremos que fiquem mais curiosos e palpiteiros.”


Na cafeteria, eles trabalham com os grãos da edição anterior do clube, assim oferecem exclusividade aos cerca de 300 assinantes. Para acompanhar o café, há doces de fabricação própria como abóbora com coco, jabuticaba, banana, brownie, cookie e broa de fubá. Em dias de calor, o Nitro Coffee tem muita saída. É um cold brew feito na chopeira, então lembra cerveja preta, com uma espuma bem pronunciada. Esse café gelado pode ser puro, com infusão de limão, laranja ou em formato de drinque com licor.

Você sabe o que são cafés especiais?

A Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, sigla em inglês) define cafés especiais como grãos isentos de impurezas e defeitos e com qualificação acima dos 80 pontos. Para alcançar essa classificação, na análise sensorial, a bebida deve ser limpa e doce, com corpo e acidez equilibrados. Além da qualidade, são considerados especiais os cafés com rastreabilidade certificada e que respeitam critérios de sustentabilidade ambiental, econômica e social em todas as etapas de produção.

Drinque de Verão com melão cantaloupe (Elisa Café)


Ingredientes
1 melão cantaloupe inteiro; 60g de açúcar demerara ou cristal; 7g de grãos de pimenta-do-reino; suco de 1 limão capeta; 1 pau de canela; 50ml de cold brew (café extraído a frio por 16 horas) ou 1 dose de espresso; 90ml de leite integral (ou bebida vegetal da sua preferência)


Modo de fazer
Descasque o melão, tire as sementes e bata no liquidificador ou juicer. Adicione em uma panela o açúcar, a pimenta, o limão e a canela, o suco de melão e misture. Leve à fervura em fogo médio por 10 minutos. Deixe a infusão descansar por 30 minutos. Coe em coador bem fino e refrigere por até 10 dias. Adicione em uma coqueteleira 120ml do suco de melão e o leite. Misture. Coloque a mistura em um copo alto com bastante gelo e finalize com o cold brew por cima. O melão cantaloupe é bastante suculento e perfumado. O drinque fica leve, doce e com notas frutadas delicadas e refrescantes.

Serviço


Oop Café (@oop.cafe)
Rua Fernandes Tourinho, 143, Savassi
(31) 98454-5722

Elisa Café (@elisa.cafe)
Rua Sergipe, 1236, Savassi
(31) 99577-6886

Noete Café Clube (@noetecafeclube)
Rua Santo Antônio do Monte, 294, Santo Antônio
(31) 3586-4645