Ostenta duas estrelas Michelin. Figura entre os 100 melhores do mundo e os 50 melhores da América Latina pelas listas do 50 Best. Está na edição 2024 do guia francês La Liste. Tem um dos 100 melhores chefs do mundo, segundo o prêmio polonês The Best Chef Awards. O Oteque é um dos raros restaurantes do Brasil que aparece em cinco rankings internacionais de gastronomia. Resultado do trabalho de um chef determinado, que sabe o que quer, busca consistência e não tem medo de se arriscar.
“Sonhei estar onde estou, me preparei, trabalhei muito e me sacrifiquei”, comenta Alberto Landgraf, que nasceu em Cornélio Procópio, no interior do Paraná, cidade que hoje tem cerca de 45 mil habitantes. Filho de professora de letras e agricultor, ela de família japonesa e ele de origem alemã, diz ser um cara muito privilegiado por ter tido o melhor dos dois mundos dentro de casa. Transita bem entre o campo e a cidade. Sabe lidar com todo tipo de alimento e conversar com as pessoas em várias “línguas”.
Alberto se mudou cedo para Londres e lá descobriu a gastronomia. Formou-se na Westminster Kingsway College e trabalhou com os estrelados chefs Gordon Ramsay e Tom Aikens. De volta ao Brasil, foi parar em São Paulo, onde abriu o Epice, um ensaio para o que viria anos depois. À frente do restaurante, ele ganhou prêmio de melhor chef, conquistou a primeira estrela Michelin e ficou entre os 50 melhores restaurantes da América Latina.
“Tinha 30 anos quando abri o Epice e comecei a entender que ali não era a minha parada final. Quando a minha mãe faleceu, sabia que tinha fechado um ciclo e achei que tudo estava conspirando para fazer uma mudança.”
Na época, Alberto namorava a chef Nathalie Passos, do Naturalie Bistrô, no Rio de Janeiro, e estava decidido a buscar mais equilíbrio entre família e trabalho. A capital carioca parecia ser o lugar ideal para viver esse novo momento e ele não se importou em deixar para trás tudo o que tinha conquistado em São Paulo.
Chega a ser difícil de acreditar, mas Alberto diz que, quando idealizou o Oteque, não pensou em comida. Priorizou a adega, o enxoval de taças de cristal, mesas redondas, ar-condicionado, conforto acústico, até o sabonete do banheiro, tudo para receber o público do vinho. “Essas pessoas são as que mais frequentam restaurantes, criam oportunidades para comer fora e queria que elas se sentassem na minha mesa. Era a maneira de viabilizar financeiramente o negócio.”
Por isso, o que mais importava era garantir ambiente e serviço de excelência, o que, inclusive, já rendeu prêmio de hospitalidade. Na primeira semana, a cozinha funcionou “improvisada”. “Quando você é jovem, quer saber de cozinhar e não está nem aí para o salão. Não tinha adega no Epice, só uma geladeira, e esse pessoal do vinho ficava maluco, porque queria uma taça especial, mesa grande, rótulos selecionados. Com o tempo, comecei a entender que grandes restaurantes não se destacam só pela comida.”
Salão único
O Oteque ocupa uma casa de esquina, da década de 1930, no Bairro Botafogo, onde havia funcionado um consultório médico. Você entra por uma porta tão pequena que nem imagina que vai encontrar um pé direito tão alto. As paredes de tijolinhos e as janelas de madeira contrastam com equipamentos modernos. No salão único, estão o bar, seis mesas redondas, a adega, o aquário de frutos do mar e a cozinha, totalmente aberta, com quatro assentos de frente para o balcão.
No lugar de maior pressão do restaurante, de onde os pratos devem sair no tempo, ponto e temperaturas exatíssimos, não se ouve nenhum barulho. Não tem correria, fumaça nem voz de comando. O serviço se desenrola como se todos os movimentos fossem muito bem ensaiados. De lá o chef tem visão completa do salão.
“Posso observar sutilezas. Vejo quem não está comendo tudo, se preciso diminuir as porções. Já aconteceu no começo de perceber que um cliente não comia carne e trocar o prato na hora. Você salva a refeição. E, com essa questão da harmonização, sei o timing de o prato ir para mesa. Tenho uma comunicação visual com o sommelier e aviso com o olhar que ele pode servir o vinho porque já estamos prontos com a comida.”
Para que todos os passos sejam sincronizados, é preciso investir muito em treinamento. Até porque a maior parte da equipe, principalmente do salão, está no primeiro emprego. Alberto gosta de dar oportunidade para jovens de comunidades carentes e investir na formação deles, oferecendo cursos (de vinho a inglês) e incentivando leituras e viagens. “Em 13 anos, sendo dono de restaurante, só demiti uma pessoa e sofri um processo trabalhista. Isso é maior que qualquer prêmio que já ganhei. A minha mãe me ensinou a ensinar.”
Qualidade como meta
Pela definição do próprio chef, o Oteque faz uma comida moderna brasileira. “Uso técnicas em prol do sabor, sendo nosso dogma único a qualidade. Quero fazer uma cozinha de qualidade e saborosa.”
O trabalho do Oteque com peixes e frutos do mar é primoroso. “É o que tenho de melhor para servir aqui. Tenho o mar na minha porta. Se estivesse em Minas, não seria um restaurante de peixe e frutos do mar. Penso como o Rene Redzepi (chef dinamarquês), que começou com a história de cozinhar com o que tinha e mostrou que poderia usar sua filosofia em qualquer lugar do mundo. Se sair daqui, tenho minha filosofia e só vou trabalhar com ingredientes do ecossistema ao qual pertencer.”
De um repertório de 500 pratos do Epice, ele só levou três para o Oteque, e porque foi “obrigado” pelos clientes. Um deles combina picles de sardinha (que vem do Japão), foie gras e brioche tostado. “Conheço gente que pegou avião do outro lado do mundo para comer esse prato. Ele me persegue. Quando encontrar Deus, vou pedir a cura do câncer e menos espinhos na sardinha. Só faço 10 por dia, porque cada funcionário leva meia hora para fazer um filé. Não usamos pinça de peixe, é a de cílios, bem fininha.”
Alberto sempre quis ter um restaurante onde pudesse fazer a sua comida, tocar a sua música (a playlist tem até heavy metal), cercar-se dos melhores profissionais e atender um público muito bem definido. Os prêmios seriam consequência.
“Eu não peço prêmio para ninguém, as pessoas vêm e me dão. Prêmio ajuda, dá prestígio, você se torna referência para uma geração, mas não pode virar minha droga nem meu vício. Nem a única corda na qual o restaurante se fixa. Você tem que montar um restaurante à prova de prêmio. Se o 50 Best acaba, não posso ficar sem cliente. É isso que busco”, analisa o chef, que, mais do que ninguém, acredita no seu trabalho. “Agora com 43 anos estou em paz de que, se não tivesse nada disso, não teria dúvida de que estaria fazendo um bom trabalho.”
Hoje o que ele mais persegue é consistência. Numa busca obstinada por qualidade. Qualidade que rendeu o convite para abrir um restaurante em Londres, o Bossa, inaugurado há sete meses. Neste ano, o chef não quer pensar em novos negócios, avisa que vai descansar e cuidar dos cachorros. “O único plano que tenho na minha vida, daqui a uns 20 anos, quando me aposentar, entre aspas, é ter uma casinha, uma varinha de pescar e a internet do Elon Musk, na Serra da Canastra ou no interior do Paraná.”
Só menu degustação
No horário comercial, o restaurante parece uma “lan house”, compara Alberto Landgraf. Cinco pessoas do departamento de reservas recebem ligações e respondem a cerca de 120 e-mails por dia. Isso porque o Oteque trabalha exclusivamente com reservas para o menu degustação, servido apenas no jantar.
Enquanto os agendamentos se desenrolam, o chef define quais serão os pratos do dia, de acordo com a disponibilidade de ingredientes. O menu segue uma sequência pré-definida – peixe cru, concha, legumes, dois frutos do mar, peixe na brasa, carne e sobremesa, mas as combinações mudam diariamente.
“Trabalho num sistema de blocos. Não crio pratos, crio blocos, igual ao Lego. Com as mesmas peças, posso montar casinha, carrinho ou policial. O creme de castanha de caju crua já usei em sobremesa e em entrada. O vinagrete de alga pode acompanhar um peixe cru ou temperar um arroz. Minha cabeça funciona assim.”
No dia da nossa visita ao Oteque, o famoso creme de castanha de caju estava entre uma fatia de atum bluefin e uma porção generosa de caviar. Já o vinagrete de algas apareceu no primeiro prato: cherne, pinoli e ovas de truta. Alberto se refere a ele como “o nosso cartão de visitas”, por mostrar a qualidade do peixe com que trabalha. “O vinagrete de algas foi um improviso que deu certo. Uso caldo de legumes, que tem a base do oriental dashi, e só faço uma mistura com um pouco de limão e a alga kombu.”
O chef também fala com orgulho dos preparos na brasa. Depois de passar pelo fogo, lula e shimeji se cercaram de creme de legumes, óleo de cogumelo porcini e bottarga, enquanto o camarão levemente defumado ganhou a companhia de pirão, vinagrete de pimenta-de-cheiro e azedinha. Já o peixe olho-de-cão, todo imponente, brilhou ao lado de alho-poró, tucupi e trigo sarraceno. Todos os peixes e frutos do mar estavam no ponto perfeito.
Com a inauguração do Bossa, em Londres, a criação anda em marcha mais lenta, mas sempre tem algo novo. Alberto busca constantemente ingredientes para se encaixar nos “blocos” de receitas. No momento, está desenvolvendo um trabalho com o fruto da palmeira juçara, parecido com o açaí, só que da mata atlântica, que fica logo “ao lado”, e com o porco moura do Paraná. Uma novidade é a produção própria de chocolate, que já aparece em petit fours, mousse e sorvete.
Sem histórias à mesa
O trabalho no Oteque envolve muita pesquisa e contato com produtores, mas o chef não gosta de ficar contando essas histórias à mesa. “Acho que enche o saco fazer uma pausa a cada prato para explicar. Imagina se for ler um texto seu e a cada parágrafo você abrir um parêntese. Pode ter um apêndice, mas não dá para interferir no meio do texto o tempo todo.”
Mas ele continua a acreditar em menu degustação. Para falar sobre isso, faz uma comparação com a música. “Hoje você pode ir em roda de samba, chorinho, baile funk, mas o Theatro Municipal de São Paulo continua lá com a Orquestra Sinfônica tocando Mozart e Beethoven e emocionando as pessoas. O menu degustação não vai deixar de existir, mas não existe só ele. Cada formato tem o seu momento.”
Só não acha que dá certo em todo restaurante e com todo chef. “Da mesma forma que nem todo músico sabe conduzir uma orquestra, nem todo chef sabe conduzir um menu degustação.”
Alberto fez tudo muito bem pensado: serve um menu de oito tempos que pode se encaixar em um jantar de 1h30. Calculou o tempo e a quantidade de comida baseado no que seria no a la carte e acredita que esse é um dos motivos de o Oteque ficar cheio de terça a sábado. “Preciso mostrar o suficiente para você ter vontade de voltar, é um jogo quase de sedução. A pessoa tem sempre que sentir que comeria mais uma garfada.”
Serviço
Oteque (@oteque_rj)
Rua Conde de Irajá, 581, Botafogo, Rio de Janeiro
(21) 3486-5758
De terça a sábado, das 19h às 23h30