Não existe rivalidade entre Brasil e Argentina, ao menos quando o assunto é gastronomia. Em Belo Horizonte, vários chefs adotaram a cidade, se tornaram inspiração para cozinheiros locais e seus sabores conquistaram o paladar dos mineiros.
Afinal, Buenos Aires, capital de nossos “hermanos”, é conhecida não só pelo futebol, vinho e carne: rica e variada, a gastronomia portenha se expande pelo Brasil e encontrou acolhida especial em BH. Uma prova de que, na culinária, a relação entre brasileiros, mineiros e argentinos é pura sintonia, harmonia de sabores e temperos.
Prova disso é que, na capital mineira, vários restaurantes, bares e outros empreendimentos se orgulham de oferecer a identidade cultural da culinária argentina sabiamente acrescentada de um toque do paladar nacional e, claro, mineiro, para conquistar a clientela.
Há casas tradicionais, pioneiras, outras bem estabelecidas e novidades que só estreitam os laços com os vizinhos, comandadas por argentinos ou por chefs nacionais inspirados pela cozinha da terra do tango – que, por sua vez, foi influenciada por italianos, espanhóis, franceses, britânicos e pela gastronomia indígena, de grupos como o quíchua, mapuche e guarani.
Conceito portenho
Entre as inovações que ganham destaque em BH, está o Bodegón Buenos Aires, na Pampulha, que tem conceito e cardápio assinados pelo chef Kiki Ferrari, e onde os proprietários Lucas Pardim de Oliveira, de 34 anos, e Markus Vinícius Gomes dos Santos, de 36, criaram um ambiente de raiz argentina.
Antes de pedir o cardápio, o próprio nome já desperta curiosidade. “Bodegón” é a cara de Buenos Aires: é um ambiente simples, geralmente uma casa antiga, com variedade de opções e comida de gosto caseiro. Um espaço divertido que tem a ver com tradição familiar.
Kiki explica que o Buenos Aires é um bodegón, estilo portenho, tradicional da Argentina. “É um negócio como se fosse um ‘botecão’, algo entre um bar e um espaço equivalente a lugares clássicos, tipo Cantina do Lucas e Casa dos Contos. Mais raiz, mas não é formal. É onde se pode ir para tomar um vinho, sem o preciosismo de ‘chiquê’, e também uma cerveja para assistir ao jogo. Um lugar ‘rangão’, família, com bandejão de alumínio e filé grandão, tipo o Filé Surprise, só que com as coisas deles”, define.
Ou seja, transborda tradição – o que tem muito a ver com Minas. E, no cardápio de Kiki, chamam a atenção as milanesas: “É mesmo tradicional. Destaco os lomos, o nosso filé mignon. No Brasil, temos o filé à cubana, à francesa e, em Buenos Aires, há receitas com várias coberturas e molhos. Por lá, são as milanesas, equivalente ao parmeggiana”.
Eles as chamam de “milangas” ou “pizza mila”, explica. “É um bife à milanesa, queijo, variedade de molhos, na maioria o de tomate, com vários tópicos em cima. Por isso uma ‘pizza’. Geralmente, é servida com batatas fritas e os bifes são enormes, o que mineiro ama. Influência italiana na gastronomia argentina. Não tem erro, todos gostam, é afetivo, descontraído, comercial, farto, clássico e raiz”, detalha o chef.
Milanesa e empanadas
Entre as milanesas, o chef criou a Francesa, com salsa blanca, presunto, muçarela, bacon, champignons e ervilhas frescas; a Choripana, com salsa gaúcha de tomate, muçarela, linguiça calabresa, cebolas roxas, azeitonas pretas e chimichurri; e a Campestre, com crema de espinafre, provolone, filés de berinjela marinadas ao chimichurri e parmesão.
Kiki também criou entradas variadas e tradicionais. A empanada não ficaria de fora, a clássica criolla, com carne picadinha na faca, ovo cozido, azeitonas e passas, temperada com cominho e páprica; e a humita, com creme de milho e temperada com noz-moscada. “Temos a provoleta, que é o provolone assado e derretido, coberto com presunto cru, tomatinhos, pãozinho e chimichurri, feita no forno a lenha. Aliás, fazemos tudo no forno, como as milanesas, para gratinar”, detalha.
Tem ainda o morrón helleno “Pimentão-vermelho recheado e assado com cebola, queijo muçarela e roquefort coberto com mel, acompanhado de pãozinho e chimichurri. E a picada, tipo frios, com provolone, berinjela marinada no chimichurri, tipo uma versão da caponata deles, delícia”, recomenda o chef.
Do bife ancho à picanha
E não pode faltar carne em uma casa de inspiração argentina. Kiki enfatiza que o Bodegón Buenos Aires não é uma casa de parrilha, mas tem assados. Ou seja, bife ancho; tapa de cuadril, como chamam a picanha; bondiola, o corte suíno; e o chorizo, que é a linguiça de porco.
Como descontração é assinatura do bodegón, o sanduíche tem de estar no cardápio. “Temos os tradicionais, sanduíche à milanesa, o choripan, pão com linguiça e chimichurri, e lomito de filé mignon grelhado. O Mila, por exemplo, é milanesa de filé, coberta com molho gaúcho de tomate, presunto, muçarela, salsa criolla, ovo frito, alface e aioli na baguete.Tem de tudo de mais tradicional dos bodegóns típicos no cardápio”, garante o chef.
A sobremesa, claro, fecha toda essa experiência: “A mais famosa é a chocotorta, mais tradicional, já que o alfajor não é tanto uma sobremesa de boteco. A torta é clássica. Ela é algo entre o tiramisù, pela influência italiana que os argentinos têm, com o próprio alfajor. É biscoito de chocolate molhado no café e, no lugar do creme de mascarpone, uso creme de queijo com doce de leite misturado, assim não fica tão doce. Lembra de alguma forma um cheesecake, mas com doce de leite nas camadas, com o biscoito, coberto com cacau em pó, em várias camadas fininhas. Café, doce de leite e queijo. Nada mais mineiro”.
Kiki está empolgado com a nova empreitada: “Tudo leva a entender que é uma ótima ideia e acredito que é o primeiro espaço estilo bodegón de Minas Gerais, bem autêntico. Tive retorno bem bacana de argentinos. E o bodegón combina bem com o que o mineiro gosta, tem afeto, diferencial e apelo comercial. É o que a gente gosta”.
Empanadas no coração de BH
Em 30 de novembro, comemora-se o Dia da Amizade Brasil - Argentina. A data existe desde 2004, estabelecida pelos dois governos no intuito de fortalecer os laços entre as nações vizinhas. Apesar das diferenças linguísticas – e da rivalidade futebolística – ambas se aproximam pela cultura latina e por uma gastronomia típica e saborosa, com a marca da tradição.
E é o que o Massa Madre, do chef Gastón Almada, há oito anos em BH – nove de Brasil, chegou ao país por Brasília –, representa. Suas 20 criações de empanadas são um deleite para o paladar. “A empanada é prima do pastel brasileiro, da mesma família do pastel de angu, típico na Colômbia. E, nos argentinos, nos inspiramos nos árabes (a origem remonta à Península Ibérica, com influência das culturas árabe, judaica e cristã)”, explica.
“Em BH, comecei vendendo em casa, depois na Praça da Liberdade, a primeira loja na Avenida Álvares Cabral e tudo foi correndo bem. Já são oito anos de Brasil, e amo. Sou fanático por BH e Minas. Os mineiros têm a cozinha afetiva, família, como os argentinos. E sobretudo o amor e a dedicação no preparo da comida. O cheiro do alho, o torresmo, o porco, é tudo incrível”, elogia.
Gastón destaca que suas empanadas representam um clássico da gastronomia argentina, seja a do tipo fechada ou a aberta, com o recheio à vista. Ele faz as tradicionais, mas não é purista ao ponto de não mexer nas receitas para criar novidades com ingredientes das Minas Gerais: “Tenho a criolla, que mudei o nome para portenha, já que por aqui o nome tem outra conotação: é a clássica com carne, ovo cozido, cebola, azeitona, passas. A humita, com creme de milho, cebola, queijo e especiarias, lembra a pamonha, e o mineiro adora milho. Mas também criei uma empanada com recheio de jiló com carne de porco, inspirada no Mercado Central. E tem ainda a de provolone com abacaxi, um clássico mineiro”.
As empanadas clássicas não saem do cardápio, mas Gastón sempre tem novidades. Tudo depende da imaginação e harmonia dos ingredientes. O chef confessa que prepara nova inclusão no menu, com a jabuticaba como estrela do recheio, ao lado do queijo. Para ele, a combinação ideal de doçura e acidez: “Sempre respeitando o sabor, o que tem a ver. E fazer uma massa perfeita. O segredo da empanada é 80% recheio e 20% massa. Gosto da diversidade e de poder usar a variedade de temperos e produtos que só têm aqui. Posso brincar com os sabores”.
Guardiã da tradição
Nas andanças pela capital, no Bairro Sion, Avenida Uruguai, o Delícias Argentinas, de Fabiana Nughes – que se define como cidadã argentina, gastrônoma, mãe, artista com 13 músicas lançadas e empreendedora –, é local para se fartar com alfajores, empanadas, medialunas, cookies, tortas, bolos e milanesas.
Por lá, Fabiana é enfática: a ordem é manter, celebrar e divulgar a cultura gastronômica argentina: “Cheguei ao Brasil, a BH, no ano 2000; me casei com um mineiro, Marcelo, temos três filhos Evelyn, Pablo e Adryel, e comecei o negócio em casa, em 2013, vendendo para conhecidos. A ideia se firmou e, pós-pandemia, em 2021, abri a loja física. As empanadas são o carro-chefe, o início de tudo. E faço questão de que todas as receitas sejam clássicas, tradicionais, revelando a gastronomia argentina. É um produto cultural, com ingredientes de qualidade, sofisticados”.
Um sonho alinhado com metas, tendo Fabiana e família na condução do negócio, desde a produção, criação de receitas e desenvolvimento. Além das empanadas, ela chama a atenção para as medialunas, e explica: “Comecei a fazer há três meses. E, olha, medialuna não é croissant, são receitas diferentes. Em Buenos Aires, a medialuna é acompanhada de café com leite ou suco de laranja. É agridoce, bem gostosa”.
No Delícias Argentinas, faz sucesso ainda a torta de coco com doce de leite (veja receita abaixo) e a pasta flora (uma torta de marmelo), que Fabiana faz com marmelada e combina perfeitamente com o chá da tarde ou hora do cafezinho. “Faço também a tradicional torta de coco com o doce de leite argentino, cremoso e brilhante, com coco crocante e dourado no forno. Uma delícia, assim como a pasta flora, receita familiar.”
Defensora da tradição, Fabiana abriu exceção para inovar em receitas de empanada e alfajor. “Inventei uma empanada de frango com requeijão. Adoro a cremosidade do requeijão e não há esse recheio na Argentina. E fiz um alfajor sabor beijinho, uma adaptação, e adorei. São dois produtos inseridos na cultura daqui.” Afinal, já são 23 anos de Brasil – 24 em julho –, e Fabiana recebeu algumas influências. Certo é que tudo o que ela faz na cozinha, tem a música como companhia: “Música e gastronomia estão em tudo; cozinho inspirada pela música, que me renova, me dá prazer, que faz minha vida ter sentido”.
Parrilla portenha em BH
Não há como falar de gastronomia argentina e deixar a carne de lado, o churrasco, a parrilha, os cortes especiais. Em BH, há muitas casas especializadas, nesta edição representadas pela Cabaña Porteña em companhia do Pobre Juan.
Sebastião Pereira, proprietário do Cabaña Porteña, destaca que “o povo mineiro tem no DNA de suas origens a cultura da fazenda e uma memória afetiva ligada à gastronomia, principalmente quando se considera fazer um bom churrasco e confraternizar”. “O Cabaña Porteña, há mais de quatro anos no Diamond Mall, foi pensado para agregar ao paladar do mineiro o que há de melhor na culinária argentina. Os famosos cortes de carnes nobres que fazem com que o frequentador se sinta em Buenos Aires sem precisar sair de Belo Horizonte”, define.
Sebastião assegura que os mineiros adoram o ambiente temático onde se respira um pouco da cultura portenha: “Além dos cortes nobres, que são a nossa especialidade, a casa serve a Sequência de Carnes Nobres, considerada uma revolução do rodízio, já que a casa trabalha as carnes nobres em cortes menores, o que possibilita ao cliente degustar vários tipos e categorias, tudo quentinho, saindo na hora da parrilla porteña direto ao prato”.
Ele conta que, no menu executivo, o cliente pode pedir uma proteína em torno de 200g e consumir oito tipos de acompanhamentos à vontade. Há ainda as opções de pastas porteñas, servidas a la carte. “E a casa promove uma ou duas edições por mês do 'Jantar em Buenos Aires', com apresentação de bailarinos profissionais de tango. É sempre uma noite especial e agradável, geralmente, às sextas-feiras. Nosso diferencial é a qualidade das carnes, que são selecionadas e chanceladas, passam por um processo especial de preparação por parrilleros treinados para extrair o melhor sabor e suculência”, afirma.
Cortes (e nome) saborosos
Já Marcelo Almeida dos Santos, gestor da Pobre Juan, unidade Diamond (há outra no BH Shopping), conta que a casa surgiu em 2004, em São Paulo, fundada por um grupo de amigos que adoram carne e churrasco, e inspirado nas típicas casas parrilleras argentinas. “Em BH, a casa do BH Shopping tem cinco anos e a, do Diamond, um. Os mineiros amam carne e vinho – temos uma carta com 130 rótulos. As carnes são especiais, porcionamento em cortes exclusivos, controle do processo de maturação até a seleção e acompanhamento dos animais”, detalha.
Entre as estrelas do cardápio, ele cita o Bife Pobre Juan. “É um corte especial do bife ancho, saboroso e marmorizado: o ojo del bife ancho, exclusivo, macio e sem gorduras.” Para a entrada, destaque para as tapas: “Temos a croqueta de jamón, bolinhas cremosas de bechamel com brunoise de jamón espanhol e queijo parmesão; empadas de carne e a provoleta, fatia de queijo provolone com tomates-cereja e orégano, grelhada na brasa”.
Além de São Paulo e Belo Horizonte, o Pobre Juan está no Rio de Janeiro, Curitiba, Goiânia, Brasília, Recife, Manaus e Porto Alegre. E o nome curioso? “Primeiro, há um restaurante chamado Pobre Luiz, que os amigos frequentavam em Buenos Aires, uma certa homenagem, e, em segundo lugar, um deles além de amar churrasco, gosta de ficar na churrasqueira e sempre alguém comentava ‘pobre, fica só na churrasqueira’... O nome veio da fusão desses momentos”, esclarece Marcelo.
Cozinha com sotaque
Vocábulos da gastronomia argentina
Bife de chorizo: contrafilé, em corte alto
Chimichurri: molho de ervas utilizado na cozinha argentina para acompanhar as carnes (parrillas). Leva azeite de oliva, vinagre, orégano, salsa, cebola e alho picados, além de pimenta.
Dulce de leche: doce de leite, sobremesa nacional
Helado: sorvete
Milanesas: filés empanados
Minutas: pratos rápidos, como sanduíches
Papas fritas: batatas fritas
Parrilada: misto de carne e miúdos assados na grelha
Pollo: frango
Postres: sobremesa
Tapa de cuadril: picanha
*Fonte: Emporio Villa Borghese
RECEITA
Torta de coco com doce de leite
(Fabiana Nughes – Delícias Argentinas)
Ingredientes
Para a massa:
200g de manteiga; 400g de farinha de trigo; 1 pitada de sal; 2 ovos.
Para o recheio: doce de leite.
Para a cobertura: 160g de coco ralado; 250g de açúcar; 1 ovo.
Modo de fazer
Misture a manteiga fria com o sal e a farinha, acrescente os ovos. Leve à geladeira. Depois de meia hora, estique a massa com um rolo e coloque em uma assadeira de 30cm. Aqueça o forno a 180 graus por cerca de 15 minutos e leve para assar durante 10 minutos. Tire do forno, acrescente o doce de leite e reserve. Em um bol, misture o coco, o açúcar e o ovo. Espalhe sobre a cobertura de doce de leite. Leve ao forno novamente para dourar o coco, por 10 minutos.
Serviço
• Bodegón Buenos Aires Pampulha
Endereço: Av. Cel. José Dias Bicalho, 867, Bairro São José, Pampulha
Contato: (31) 98103-6905
•Massa Madre
Endereço: Rua Rio Negro, 640, Bairro Prado
Telefone: (31) 98379-5002 e @massamadrebh (https://www.instagram.com/massamadrebh/)
• Delícias Argentinas
Endereço: Avenida Uruguai, 754, Loja 17, Bairro Sion
Contato: (31) 99684-5527 e @deliciasargentinasbrasil (https://www.instagram.com/deliciasargentinasbrasil/)
• Cabaña Porteña
Endereço: Av. Olegário Maciel, 1.600, Bairro Santo Agostinho, DiamondMall
Contato: (31) 2522-1313 e atendimento@cabanaportena.com.br
• Pobre Juan
Endereço: Av. Olegário Maciel, 1.600 - Santo Agostinho, DiamondMall
Contato: (31) 3190-0757