Tradição é algo que Flávio Trombino, do Xapuri, leva a sério. O amor por Minas Gerais vem da influência do pai. “Ele era um apaixonado por Minas. Pelo trabalho, viajou o estado inteiro e conhecia a fundo a nossa cultura, sabores e saberes. Foi o grande difusor dessa cultura, tanto é que abriu, não só o Xapuri, mas o Pau de Angu, depois que se separou da minha mãe.”
Pão de queijo, torresmo, feijão-tropeiro e outras receitas tradicionais mineiras ele aprendeu com as mulheres da família do pai, especialmente a tia Ieda. Flávio conta que, por muitos anos, essa tia sustentou a família vendendo torresmo e mandioca na Feira Hippie, quando ainda era na Praça da Liberdade.
E como não falar de Dona Nelsa? Apesar de ser paulista (nasceu em Cubatão), filha de italianos, a mãe de Flávio se envolveu tanto com a cultura alimentar de Minas a ponto de dizer que era muito mais mineira do que muito mineiro por aí. No período em que morou em Lagoa da Prata, ela aprendeu com a sogra todas as receitas mais tradicionais do estado e mais tarde se tornaria uma grande embaixadora da nossa gastronomia. O empenho dela fez do Xapuri um dos restaurantes que mais representam as tradições da cozinha mineira.
Há 10 anos no comando do restaurante, Flávio nunca deixou que as tradições se perdessem. Pelo contrário, valorizou ainda mais o que temos de tão precioso. Só de manter fogão a lenha – em uso, não é um enfeite – já é uma forma de preservar a nossa cultura. A fumaça defuma a linguiça da casa, a chama cozinha os doces e a chama nunca se apaga.
Doces no fogão a lenha
“A doçaria é um dos nossos grandes diferenciais. Preservamos a maneira de fazer as receitas na fornalha a lenha e em tacho de cobre”, relembra o chef. Sua mãe, inclusive, foi quem brigou para que regras sanitárias não banissem o uso do tacho de cobre.
Já quem brigava pelo angu mineiro era o pai de Flávio. “Ele falava que angu só ia fubá e água, nem sal tinha, mas a minha mãe era acostumada com a polenta italiana, que leva manteiga, queijo e leite. Então, ela resolveu fazer dos dois e deixou o público decidir.” Ganhou a polenta, mas o angu continua a ser servido para os mais tradicionalistas sem nenhum tempero.
A tradição também é mantida no Xapuri pelo modo de servir a comida. Cada item da refeição é colocado em uma panela ou travessa separadas (nada de empratados). Assim, temos sempre mesa farta e comida para compartilhar, algo que define o ser mineiro e a cozinha mineira.
Projeto de expedições
Em 2013, depois de participar do congresso de gastronomia Madrid Fusión, na Espanha, Flávio teve uma ideia. “Lá vi o tanto que a gastronomia evoluía numa velocidade incrível e, naquele momento, senti a necessidade de me aprofundar na nossa cultura, então criei o Minas de Cabo a Rabo”, conta. Com o projeto, o chef faz expedições em todas as regiões do estado, garimpando, pesquisando e catalogando preciosidades da nossa cultura alimentar.
O objetivo inicial era levar esse conhecimento para o Xapuri, mas, diante de algo tão rico nas mãos, ele entendeu que precisava compartilhar para que não se perdesse. “O risco é iminente e em várias frentes. Uma delas é a questão das feiras e mercados. Poucos são tombados com finalidade garantida, de demandar a agricultura familiar. Na falta desse tombamento, muitos vêm migrando para lojas de produtos chineses. Se não protegermos esses lugares por lei, eles vão acabar.”
O conteúdo do Minas de Cabo a Rabo fica disponível no Instagram e no canal do YouTube. Fora isso, Flávio revela que o plano é lançar um livro com as descobertas da última expedição, que percorreu todo o trajeto do Rio São Francisco, da nascente à foz, em 25 dias. Assim como a mãe, ele se tornou um importante embaixador da cozinha mineira e viaja para outros estados e países levando técnicas, ingredientes e receitas da gastronomia mineira.
Só a educação salva
Na visão do chef do Xapuri, não existe outro caminho para preservar as tradições que não a educação. “Não tem nada que seja tão poderoso quanto a educação para preparar a nova geração para que ela tenha orgulho e pertencimento da nossa cultura.”
Dito isso, ele tem direcionado suas aulas para o público infantil, inspirado na vó Pia, de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, que, na Festa da Goiaba, deu aula para crianças. “Ou seja, a cultura da goiabada está garantida por mais algumas gerações”, destaca Flávio, que sente de perto o fascínio da nova geração pela gastronomia.
De uns tempos para cá, ele vem ganhando muitos fãs mirins com o seu programa de rádio, em que fala sobre receitas tradicionais e história. “Tem sido comum receber famílias no restaurante e os filhos querem tirar foto comigo, algo que nunca poderia imaginar. Então, isso me dá tranquilidade que, de certa forma, estou preservando a nossa cultura.”
Serviço
Xapuri (@xapurirestaurante)
Rua Mandacaru, 260, Trevo
(31) 3496-6198