A picanha não é a estrela do churrasco. Pelo menos não na Monjardim, que coloca a costela como protagonista de uma refeição para compartilhar à mesa. Por isso, mais que uma casa de carnes, estamos falando de uma costelaria, que traz diretamente do Uruguai o corte selecionado. Com quase 13 anos de história, o lugar foi eleito no mês passado o melhor gastrobar de Belo Horizonte pela revista Encontro Gastrô. Por estar na capital dos bares, esse é um título e tanto.
Leonardo Marques foi quem criou o conceito da casa, que hoje tem três unidades, uma em BH e duas em Nova Lima. Ele sempre gostou de cozinhar e fazer churrasco. Era o cozinheiro oficial da turma de amigos e do trabalho, além de frequentador de bares e restaurantes. Se alguém queria uma indicação de lugar para comer, era para ele que perguntava. Até que, em 2005, deixou a indústria farmacêutica para montar um bar, o Boteco da Carne, pensando que teria uma vida mais fácil.
“O meu pai me perguntou na época se eu tinha noção do quanto ia trabalhar. Falei que tinha, mas não tinha noção de nada. Em menos de um ano, estava destruído”, conta o empresário, que contou com um aporte financeiro do pai para se reerguer e seguir empreendendo no ramo.
O Boteco da Carne começou no São Pedro e depois migrou para o Lourdes, onde Leonardo chegou a abrir o Gonzaga Butiquim, que encerrou as atividades no início da pandemia. Os números mostravam que o bairro tinha potencial para receber mais negócios gastronômicos, então ele quis continuar investindo naquela região. Alugou o ponto da Rua Curitiba com planos de montar uma galeteria (casa especializada em galeto).
“No meio da obra, senti que o galeto não ia pegar em BH e decidi que o negócio seria costela. Aí mudei a estrutura da cozinha para virar uma costelaria. Foi uma decisão acertada. Mesmo com toda a dificuldade que passamos, acertamos”, destaca.
Leonardo conheceu a costela bovina em viagens que fazia para visitar os irmãos em Curitiba e Porto Alegre. Lá no Sul ela é a estrela do churrasco. Nem se fala em picanha. É mais ou menos assim: se não tiver costela, não tem churrasco. Essas memórias o fizeram largar a obra da nova casa e embarcar em uma viagem em direção ao Uruguai. Ao todo, visitou quase 40 cidades, muitas em São Paulo e no Sul. “Onde tinha costela eu ia. Tinha dia em que almoçava duas vezes. Fui entendendo do assunto e vendo que era um universo interessante.”
Como o pai alertou, o caminho não seria fácil. Foi um processo até chegar à melhor costela que poderia oferecer aos clientes. O empresário conta que descobriu o “ouro” com “o carro em alta velocidade”, ou seja, casa aberta e alta ocupação. “Comecei comprando errado, vinha tudo misturado. Quando colocava para assar, uma parte da costela ficava boa e a outra nem dava para aproveitar. Não entendia nada”, relembra.
Depois de muitas idas ao Uruguai, ele entendeu que estava diante de costelas diferentes. A mais comum é a da parte traseira do boi, chamada de costelão, janela e minga. Era essa, inclusive, que reinava nos churrascos sulistas. Tem um valor mais baixo e, por demandar longos cozimentos, está muito ligada ao fogo de chão.
A parte mais nobre
A sua grande sacada foi descobrir a costela dianteira. “Olhando para o boi em pé, no pasto, seria a parte embaixo da axila, debaixo do peito, aquela ponta da costela.” É considerada a parte mais nobre da costela, portanto, muito valorizada. Logo, é mais cara. Os uruguaios a chamam de assado de tira inteiro.
Nas pesquisas, ele também descobriu que, para trabalhar com esse corte, precisaria buscar um tipo de gado específico. “No nelore, a costela dianteira é finíssima, quase não tem carne. Se for assada, some, vira osso. Já no hereford e no angus, pelo porte físico dos animais, aí sim conseguimos uma espessura interessante de carne.”
No início da Monjardim, Leonardo visitava o Uruguai quatro, cinco vezes ao ano. Entrava nos frigoríficos e insistia em conversar para conseguir comprar a parte da costela que interessava. “A carne uruguaia é a melhor do mundo, isso não se discute. Os uruguaios são artistas da carne. Mas eles não te dão papo fácil, por isso tive que desenvolver o meu espanhol para explicar o que queria.” Hoje, finalmente, o empresário se considera amigo dos fornecedores, tanto que costuma recebê-los em BH.
Para mostrar o comprometimento dos uruguaios com a qualidade da carne, ele relembra um episódio tenso na história do negócio. Em uma crise de matriz do gado, os criadores enfrentaram o problema abatendo todos os animais. “Houve uma redução drástica na produção, foi um ano caótico, tive que sair comprando de onde tinha no Brasil. Eles levaram dois anos para renovar o gado, mas ganharam o respeito do mundo em termos de carne. Passei aperto, mas consegui manter meu estoque e não fiquei sem costela. Nem sei como.”
Os principais fornecedores da Monjardim estão no Uruguai. Segundo Leonardo, empresas brasileiras (e também mineiras) “têm conseguido um padrão de carne muito interessante, só não têm o volume que preciso”. Por mês, são consumidas nas três casas em torno de 12 toneladas de costela.
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Parece muito, mas ele comenta que já comprou muito mais. Como a casa tem 13 anos e uma clientela fidelizada, os pedidos foram se diversificando ao longo do tempo. “Antes, os clientes só pediam costela. Agora, quem vai com regularidade, abre o leque e prova outros cortes”, observa. E ele estimula, tentando sempre apresentar novidades.
Carne com marmoreio
Por que toda essa saga para conseguir um único corte? Todo mundo achava que o empresário era doido de trabalhar exclusivamente com a costela dianteira, muito em função dos altos custos, mas ele preferiu apostar na qualidade, que vem com a expertise dos uruguaios. E isso se percebe na primeira mordida. O corte tem muito muita carne, e é carne com marmoreio (a desejada gordura entremeada). Fora que, de tão macia, solta muito facilmente do osso.
“Muita gente não comia costela porque falava que deixava a boca ensebada. Isso porque, na hora de assar, você tinha que colocar o osso para baixo e a gordura, que ficava por cima, descia para amaciar a carne. Com a nossa costela não tem nada disso, porque a carne é marmorizada”, descreve, acrescentando mais uma diferença: o tempo de cozimento é bem menor. Se for preciso, ele consegue chegar ao resultado desejado em três horas. Com os outros cortes, como explica, teria que esperar de 10 a 12 horas.
A “joia” entre as costelas é serrada e temperada apenas com sal grosso, misturado ao sal dos anclas, tradicional nas parrillas argentinas. Por ser mais fino, o risco de salgar a carne é menor e ela fica com um sabor mais leve. Depois, o corte, já embalado em papel, no formato de bala, fica de cinco a seis horas assando em fogo baixo na churrasqueira de bafo, alimentada por carvão. Na hora em que o cliente faz o pedido, a costela é finalizada na churrasqueira, direto na brasa, para chegar fumegante à mesa.
“Para mim, churrasco e carvão andam juntos. O cheirinho da carne assada e o sabor são muito diferentes. Comida de fogão a lenha não é a melhor? A churrasqueira é o nosso fogão de lenha”, diz, justificando porque não se rende a equipamentos elétricos. O que usam é uma churrasqueira com parrilla, tem a parte dos espetos, que pode ser giratória, e a parte da grelha. “Não é difícil fazer costela, o difícil é ter costela boa para comprar”, completa.
Não é uma parrilla
Leonardo faz questão de dizer que a Monjardim não é uma parrilla uruguaia. Tanto que nem serve morcilla (chouriço), mojella (timo) e outros miúdos que são automaticamente associados ao churrasco do país vizinho. “Nós somos uma costelaria e queremos cada vez mais nos firmar como uma costelaria. Conceito não é fácil de se vender, mas, uma vez absorvido, acabou, não tem volta”, pontua, reforçando que conhece pouquíssimas costelarias no Brasil.
Sobre o prêmio de melhor gastrobar do ano, Leonardo não esconde a felicidade. No começo, eles chegaram a ganhar esse mesmo troféu como novidade do ano, mas o primeiro lugar demorou a se repetir. Batia na trave, e nada. A vitória, que nem era esperada, tem um sabor especial. “Empreender é uma das coisas mais difíceis do mundo, um ato quase heroico, então ter esse reconhecimento é muito bom.”
Na visão do empresário, a conquista reconhece o cuidado da casa com a qualidade dos insumos e a preocupação de servir bem os clientes, o que significa, além do bom atendimento, porções fartas. “Quando nos reunimos à mesa, a fartura tem que fazer parte, e a costela proporciona isso. Não temos nada pequenininho. Todo mundo fala que sou exagerado com comida, mas tem que ser assim”, finaliza, avisando que está perto de realizar o sonho de abrir uma unidade em São Paulo. Essa é uma das etapas do plano de levar a Monjardim para outras capitais.
Monja para os íntimos
Para explicar a origem do nome Monjardim, Leonardo Marques recorre a uma história, no mínimo, engraçada. Seu desejo era escolher algo que remetesse à natureza, já que o ambiente seria bem arborizado, mas estava com dificuldade de batizar o negócio. Um amigo publicitário foi quem chegou com a ideia de Monjardim.
“Ele veio com a história de que o bairro Lourdes era uma fazenda e que havia sido comprada por uma senhora chamada Iolanda Monjardim, daí definimos o nome.” Só que outro amigo, um advogado super curioso, pesquisou a fundo e descobriu que essa história, na verdade, havia se passado em Vila Velha, no Espírito Santo. “Não quero nem saber, não mudo mais o nome”, disse, na época, o fundador, que se diverte com esse caso. O nome pegou e o lugar até ganhou um apelido carinhoso da turma mais jovem: Monja.
A Monjardim Costelaria e Botequim foi inaugurada em novembro de 2011 no Lourdes, com capacidade para 180 pessoas. Quatro anos depois, a pedido dos clientes, eles abriram a Vila Monjardim no Vila da Serra, em Nova Lima, já preparada para atender 250 clientes de uma só vez.
Em 2022, o negócio cresceu e chegou ao Jardim Canadá, também em Nova Lima, com o nome Monjardim Fazendinha. Com uma área bem ampla, que comporta 650 pessoas, atende muitas famílias e eventos. “Desse público, 40% são crianças. Temos um espaço bem favorável e um super brinquedo inflável de 150m, com o desenho de uma fazendinha, que é a atração principal de lá”, destaca. Assim, com três unidades, a costelaria consegue atender o mesmo cliente em momentos diferentes, seja em passeios com a família, festas, eventos corporativos e encontros de casal.
Os pratos e os preços são os mesmos. E, claro, a costela é a estrela do cardápio de todas as unidades. Ela é servida em dois tamanhos: 500g (para até três pessoas) e 1kg (para quatro a cinco pessoas). Isso só de carne assada, descontado o osso. O corte já vai acompanhado de vinagrete, farofa e cebola vitrificada, receita que Leonardo aprendeu com a mãe. “A cebola é feita em camadas com açúcar cristal, azeite e ervas. Você joga água fervendo e deixa esfriar. Ela fica crocante, como se estivesse crua, mas sem o ardor, só um adocicado.”
Sempre com mandioca
Dificilmente, sai da cozinha uma costela sem mandioca cozida na manteiga de garrafa. Esse é, de longe, o complemento mais pedido. Mas existem outros tantos que podem fazer companhia para a carne assada. Entre eles, arroz com brócolis e alho, farofa de ovos e bacon, feijão-tropeiro e purê de batata.
A costela também é usada no recheio de três entradas feitas na casa: croquete, bolinho e pastel. “Todas essas porções são fenômenos de vendas, mas arrisco dizer que o bolinho sai mais”, aposta.
A costelaria explora outros cortes do boi na brasa, como a picanha, sempre muito procurada, um dos únicos cortes que vem da Argentina. Na seção de cortes nobres, que todo ano tem uma novidade, você encontra, por exemplo, chorizo, ancho e prime rib. O destaque da vez é a colita de quadril, corte especial da maminha uruguaia. “Quem não conhece acha que é picanha de tão macia, suculenta e deliciosa. Não conheço outro lugar em BH que tenha no cardápio fixo. É uma maravilha.”
Em todos os casos, funciona assim: o cliente define a quantidade de carne (em geral, o pedido mínimo são 300g) e escolhe os acompanhamentos para montar sua refeição. Além dos já citados, destacam-se a salada portenha, com aspargos, cebola, palmito, pimentão e abobrinha, tudo grelhado na brasa; rúcula com tomate-cereja e palmito e fritas com queijo muçarela e bacon.
Anote a receita: Bolinho de mandioca recheado com costela
Ingredientes
- 500g de mandioca amarela
- 250g de costela de boi assada e desfiada
- cebola, alho e sal a gosto
Modo de fazer
- Cozinhe a mandioca amarela com sal.
- Amasse a mandioca e reserve.
- Em uma frigideira, refogue a costela de boi assada e desfiada com cebola picadinha, alho e sal a gosto.
- Abra a massa da mandioca.
- Recheie com a carne e feche em formato redondo.
- Congele.
- Retire direto do congelador e frite em gordura limpa com alta temperatura.
- O bolinho pode ser acompanhado por qualquer molho de pimenta.
Serviço
Belo Horizonte
Monjardim Costelaria (@monjardimcostelaria)
Rua Curitiba, 2076, Lourdes
(31) 98702-0950
Nova Lima
Vila Monjardim (@vilamonjardim)
Alameda Oscar Niemeyer, 1033, Vila da Serra
(31) 3566-2033
Monjardim Fazendinha (@monjardimfazendinha)
Avenida Toronto, 1562, Jardim Canadá
(31) 98106-0207