Na cozinha, local onde a precisão é necessária, poucos instrumentos são tão essenciais quanto a faca. Para um chef, esse utensílio é mais do que uma ferramenta: é uma extensão de sua própria habilidade e criatividade. Cada corte reflete o entendimento do que significa transformar os ingredientes em um prato saboroso. Cada faca tem a sua história, desde a sua concepção até o momento em que ela se torna um item essencial em cozinhas por todo o mundo.
Os chefs falam com emoção sobre suas facas, muitas vezes personalizando-as para que atendam a necessidades específicas. Para alguns, uma faca de alta qualidade é quase uma obra de arte, combinando funcionalidade e estética. Para outros, é uma ferramenta de trabalho que exige atenção constante. A importância da lâmina correta e do tipo de aço usado são fatores que influenciam diretamente o resultado dos pratos.
Para o chef Daniel Tassi, do bar Padrin, uma boa faca deve estar sempre afiada, limpa e bem cuidada, seja qual for. Segundo ele, a faca é a ferramenta principal de um cozinheiro, já que, por meio dela, acontece a transformação inicial dos alimentos, o que explica todo o cuidado e amor pelo objeto.
“A faca acompanha o cozinheiro, é a sua parceira na cozinha. Hoje, temos diversos tipos e tamanhos no mercado, cada uma com sua função específica. Existem facas europeias e japonesas, de cutelaria artesanal e industrial, de inox, aço-carbono e aço damasco. Os materiais são vários, mas a única certeza é: mantenha a faca afiada!”. Uma lâmina afiada agiliza o trabalho e previne o erro, corta sem deixar rebarba, não danificando o ingrediente.
Cuidados importantes
O chef do bar Padrin acrescenta: “A faca é um prolongamento da mão de quem está com ela. É preciso lavar e secar para que não haja ferrugem ou oxidação e afiar duas vezes por semana, dependendo do uso. Esses cuidados são importantes para que o desempenho se mantenha.”
Daniel ainda explica: “Se a sua faca for de aço-carbono, ela oxida mais facilmente, deixando uma pátina na lâmina. Se ela for de aço inox, esse processo dificilmente ocorrerá. Porém, as de aço-carbono cortam mais e retém melhor o fio de corte em vista das que são feitas de aço inox. Assim, cada faca tem o seu uso e a sua razão de existir, mas todas elas possuem a mesma função: cortar.”
Para onde vai, o chef sempre carrega as facas Gyuto de 24mm de lâmina e Petty de 12cm de lâmina, além da chaira de cerâmica para manter o fio da faca e uma pedra de afiar de granulometria 400/1000 para que elas possam ser afiadas. “Para quem está começando, eu indicaria uma faca chef e uma faca petty, conhecida como faca de ofício no meio culinário, para, com o tempo, evoluir para as demais.”
Armadura na cozinha
Já a chef Tainá Moura, do restaurante AA Wine Experience, revela que a faca é a sua maior paixão na cozinha, tanto que lhe serviu de inspiração para uma tatuagem: “Acho que é um dos utensílios mais importantes, por ajudar a fazer os cortes com precisão e dar mais padrão às nossas preparações. Uma faca é como a armadura de um soldado dentro da cozinha, então ela é indispensável.”
A chef gosta muito de usar as facas de inox e cuida com carinho de todas elas. “É preciso ter uma faca boa, de qualidade, para poder amolar e afiar, sempre com a utilização de uma chaira. Quando finalizo a operação, enrolo a faca num pano de prato e guardo para ela não ter contato com nenhuma outra coisa, não bater em nada e não perder o corte”, explica.
Praticar é preciso
Eleito chef revelação pela Revista Encontro em 2016, Felipe Galastro é um aficionado por facas. Ele costuma dizer que o paladar é o principal instrumento de trabalho de um chef, já que auxilia no ajuste do sabor. A faca seria o segundo mais importante.
“Elas funcionam como uma extensão do braço, têm que ser parte da pessoa. O manuseio é como se fosse uma arte marcial, é preciso praticar o movimento. A repetição desenvolve uma memória muscular para saber como aplicar o golpe de corte no local e assim melhorar. Temos que estar sempre praticando a empunhadura e posição do corpo em relação ao ingrediente com o qual você vai trabalhar”.
Segundo Felipe, o universo das facas é muito grande: “A faca do chef pode ser utilizada de diversas formas: com a ponta dela, são feitos cortes mais delicados. Já a parte do meio serve para ingredientes maiores e até ingredientes grandes podem ser cortados com ela”.
Já a de ofício é pequena, utilizada para cortar legumes, descascar dente de alho e pequenas porções. Dentro desse universo, existem as facas de tornear, que são curvadas e servem para tornear batatas, cogumelos, por facilitarem o momento de descascar os alimentos.
“Também considero muito importante ter um cutelo, que serve para grandes peças, visto que possui o fio amolado numa angulação diferente da do chef, então resiste a golpes mais fortes, para dividir sessões grandes de carne, por exemplo”, pontua.
Sobre as facas artesanais, que são feitas de aço-carbono, Felipe alerta que é necessário um cuidado específico após cada lavagem. “É preciso lavar, secar bem e depois dar uma polida nela com óleo mineral para evitar oxidação”, esclarece.
Utensílio individual
Pensando na relevância das facas em outras culturas, o sushiman John Oliveira, do restaurante el MAI, conta quais são as mais utilizadas na cozinha japonesa: a Yanagi, específica para cortes de sushi e sashimi, a Deba, um pouco mais pesada, que serve para desossar e abrir peixes, e a tradicional Faca do Chef, que é multiuso.
“Não costumamos emprestar facas para outro sushiman, porque é algo muito individual, cada um tem uma empunhadura diferente. Deixar outra pessoa afiar, então, nem pensar! A não ser que seja um especialista em afiação. Cada faca diz muito sobre o seu dono, se está bem afiada, sempre limpa, bem cuidada no geral. Uma boa Yanagi não é barata, mas vale cada centavo”, diz.
John possui uma Shun Yanagi de 32 camadas de aço damasco, que proporciona um corte limpo e preciso: “Minha Yanagi me acompanha há mais de 10 anos e espero encerrar minha carreira com ela”.
O afiador de facas
Para explicar melhor o tópico da afiação, o especialista e professor sobre o assunto Yann Thomas, da empresa Afiafaca Afiação, conta que, recentemente, o interesse pela geometria da lâmina, que é a espessura do início do fio até o dorso da faca, aumentou.
“O esforço para cortar é menor com boa geometria também. Aos poucos, cozinheiros e chefs estão investindo mais nas facas, resultando em uma melhor experiência e retenção de fio”, comenta.
Por ser a ferramenta mais antiga, mais essencial e mais confiável para o cozinheiro, Thomas declara: “A gente vê que os chefs têm um pouco de ciúme. Um não vai emprestar uma faca para o outro porque tem medo de derrubar, quebrar a ponta ou amassar.”
Yann cita outros tipos de faca, como a Santoku, a Sujihiki e a Kiritsuke, mas deixa claro que a principal é a do chef.
“Quando você corta um alimento e a sua faca está cega, você esmaga muito mais células. Aquela água do alimento vai cair, a apresentação da comida fica mais feia e a durabilidade pós corte também. Dessa forma, a vantagem de cortar com uma faca afiada é que aquela suculência não fica na tábua, ela vai na boca de quem consome o alimento, seja um tomate ou uma fatia de carne”, completa.
Tipos de facas
- Gyuto: também conhecida como a “Faca do Chef”, é ótima para o manuseio de carnes e um uso mais geral na cozinha
- Santoku: em japonês, quer dizer “três virtudes”, que são: cortar, picar e fatiar. É ótima para leguminosas e folhas
- Petty: faca menor, com 10cm a 15cm de lâmina, boa para pequenos trabalhos, como limpar legumes, cogumelos e afins
- Honesuki: faca dedicada para a limpeza de aves em geral
- Yanagiba: ideal para filetar peixes em função de sua lâmina extensa e de um gume só
- Deba: essencial para a limpeza de pescados por ter lâmina mais robusta e firme
- Cutelo: ideal para cortar ossos e para trabalhos mais pesados
- Kiritsuke: muito precisa, é usada para cortes de peixes, vegetais e legumes, que exigem o fio do corte afiado
Serviço
Bar Padrin
Rua Campanha, 11 – Carmo
Quarta a sexta, das 18h às 00h; sábado, das 13h às 00h
@barpadrin
AA Wine Experience
Rua Curitiba, 2102 – Lourdes
Segunda a quinta, das 18h às 23h30; sexta e sábado, das 18h às 00h
@aawineexperienceoficial
el MAI
Rua Professor Antônio Aleixo, 592 – Lourdes
Segunda a sexta, das 17h30 às 00h; sábado e domingo, das 12h às 00h30
@elmaigastro
Afiafaca Afiação
@afiafaca
*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino