Quatro representantes da cidade portuguesa vão cozinhar em jantares e aulas -  (crédito: Restaurante Flor de Lis/Divulgação)

Quatro representantes da cidade portuguesa vão cozinhar em jantares e aulas

crédito: Restaurante Flor de Lis/Divulgação

 

Se é que existe o estado mais português do Brasil, deve ser Minas Gerais. A história aproximou os dois territórios de tal forma que as gastronomias se encontram em várias frentes. O uso da carne de porco, a cultura dos queijos e a tradição do frango ao molho pardo são alguns exemplos. Com o objetivo de estreitar laços com Portugal, o Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes, que começa hoje, contará com a presença de quatro chefs da cidade do Porto. Já dá para adiantar que terá muito bacalhau, nas entradas e nos pratos principais.

 

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Depois de rodar o Brasil inteiro em expedições, o projeto Fartura quis ir ainda mais fundo na origem das cozinhas mineira e brasileira. Assim, começou uma aproximação com Portugal. “Foi uma escolha natural por termos a mesma língua e pelos voos diretos, o que fortalece o turismo. O destino também nos proporciona a internacionalização”, aponta o diretor Rodrigo Ferraz, destacando a parceria com o Grupo Essência, que realiza eventos gastronômicos no país europeu.


Desde 2018, o Fartura marca presença de alguma forma em Portugal. Já esteve em festivais organizados em restaurantes e no tradicional Mercado da Ribeira, em Lisboa, onde viveu “o grande ápice, bombou, com muitos produtores e muitos cozinheiros”, como descreve Rodrigo.

 


A última participação foi no festival Essência do Vinho, na cidade do Porto, em fevereiro. Na programação, um jantar em que os mineiros Bruna Martins (Birosca e Florestal) e Ronie Peterson (Senac Minas) cozinharam com o português Arnaldo Azevedo (Vila Foz), além de aulas com vinhos, queijos e azeites mineiros. A próxima ida do Fartura a Portugal já está confirmada para novembro, quando se juntará a um festival em Lisboa.


“Essas ações de Minas em Portugal estão se incrementando para estimular o turismo, o intercâmbio gastronômico e a valorização da cozinha mineira na Europa”, comenta o diretor do Fartura. O projeto também vem organizando expedições em Portugal para, assim como no Brasil, mapear histórias, produtos e pessoas.

 

Porto no foco


O intercâmbio, claro, também prevê a vinda dos portugueses para Minas Gerais e esse movimento se inicia em Tiradentes. Dessa vez, o foco será a cidade do Porto, que terá um estande próprio. É de lá que vêm os quatro chefs internacionais convidados e os vinhos que serão servidos nos jantares harmonizados, os chamados festins. “Porto é uma grande referência histórica e econômica em Portugal, então quisemos dar luz a isso. Além da questão do vinho do Porto, que é mundial, a cidade tem uma gastronomia impressionante”, pontua Rodrigo.


Bolinho de bacalhau não poderia faltar em menu que leva para Tiradentes ícones da cozinha portuguesa

Bolinho de bacalhau não poderia faltar em menu que leva para Tiradentes ícones da cozinha portuguesa

Rogério do Redondo/Divulgação

 

Os chefs portugueses vão participar do festival em dois momentos: formam duplas com chefs mineiros em jantares de quatro tempos, todos no Espaço Raízes, e ensinam suas receitas em aulas no Espaço Conhecimento, no Largo das Forras. Entre eles, dois que representam a cozinha contemporânea do Porto – ostentam, inclusive, as cobiçadas estrelas Michelin – e dois que trazem um olhar mais direcionado para as tradições.


Esta será a primeira vez no Brasil de Vitor Matos, do restaurante Antiqvvm, com quase nove anos de história e duas estrelas Michelin. “Quando o convite surgiu, achei que seria uma oportunidade de conhecer Minas Gerais, o estado onde dizem que tem a melhor gastronomia do Brasil. Então, estou muito feliz de poder cozinhar em um lugar tão especial”, revela.

 

Com bastante azeite


A ideia de Vitor é servir pratos tipicamente portugueses, que representam o Porto, mas com produtos mineiros. Por isso, no festim com Bruna Martins, o primeiro prato terá como estrela o bacalhau, preparado à moda antiga, confitado em bastante azeite e alho. Para acompanhar, fubá de milho crioulo mineiro ao estilo xerém português (cremoso e com tomate e coentro). “Vamos fazer uma cozinha de produto, sabor e história que realça a ligação de Portugal com Minas Gerais.”


O chef encerra o jantar com o arroz doce, sua sobremesa preferida, que estava no menu que rendeu ao restaurante a primeira estrela Michelin. Os grãos são cozidos em leite com canela e limão e se juntam a abacaxi assado no forno com cachaça mineira e especiarias, espuma de coco e cubos de manga. Nas palavras de Vitor, o prato une o exotismo do Brasil com a tradição de Portugal.

 

O prato com lavagante azul é do menu que deu ao restaurante Antiqvvm a segunda estrela Michelin

O prato com lavagante azul é do menu que deu ao restaurante Antiqvvm a segunda estrela Michelin

Antiqvvm/Divulgação


Sua dupla na cozinha, Bruna Martins, assina a entrada (ravióli com recheio de pão queijo in bordo de linguiça e fumeiro) e o segundo prato (costela braseada com demi glace, creme de mandioca e queijo).

 


Para a aula, Vitor selecionou um dos pratos que impressionaram os inspetores do Guia Michelin, resultando na segunda estrela, em fevereiro deste ano: lavagante azul (marisco da costa portuguesa) com creme de moqueca. Só que, em Tiradentes, o prato vai ganhar contornos regionais com caju torrado, óleo de dendê e leite de coco, somados a ingredientes portugueses, como o limão caviar, além de emulsão de citronela. “Esse é um prato exótico, em que produtos nossos encontram sabores muito característicos do Brasil. Tem mar e terra”, descreve.


O restaurante de Vitor, o Antiqvvm, ocupa o antigo Solar do Vinho do Porto, com vista para o Rio Douro e para os jardins do Palácio de Cristal, e apresenta uma cozinha criativa que só usa produtos frescos. “Viajamos pelas minhas influências. Sou português e fiz curso na Suíça, então tenho uma conexão com a cozinha clássica francesa. Depois trabalhamos sabores que tanto gosto, como do Japão, América Latina e Peru. Temos ligação com o mundo inteiro, mas com muito respeito pela cozinha portuguesa, pela nossa tradição, nossa terra e nossos produtos.”

 

Prato de pescadores


Outro nome estrelado que está no time português é Arnaldo Azevedo, do restaurante Vila Foz. Depois de São Paulo e Rio de Janeiro, chegou a vez de o chef conhecer Minas. “O Brasil é um país que gosto bastante e os brasileiros sempre me dizem – vários trabalham comigo – que vou gostar muito de Minas Gerais, principalmente porque é um estado conhecido por uma gastronomia especular”, diz.

 

Arnaldo Azevedo bolou um dos pratos do jantar levando em conta que Minas tem tradição de carne de porco e milho

Arnaldo Azevedo bolou um dos pratos do jantar levando em conta que Minas tem tradição de carne de porco e milho

Restaurante Flor de Lis/Divulgação
 


Arnaldo vai cozinhar em um dos festins com Matheus Paratella, do La Villa Trattoria, em Tiradentes. De entrada, sua escolha é a caldeirada, prato típico português, encontrado de Norte a Sul do país, feito originalmente por pescadores. Os ingredientes (peixe e legumes como batata, tomate e cebola) são dispostos em camadas e, com o cozimento, transformam-se quase em uma sopa, muito rica em sabores. Aqui, no lugar de um peixe da costa do Porto, como normalmente ele faz no restaurante, entra o bacalhau.


“O bacalhau sempre foi um ingrediente bastante presente nas nossas vidas, qualquer restaurante tem um prato de bacalhau. Dizemos que aqui há mil e uma receitas com bacalhau, porque conseguimos aplicá-lo de várias formas. Ao mesmo tempo, o Brasil aprecia muito o bacalhau, então fazemos o elo com um prato apreciado pelos dois países.”


Com a informação de que, assim como em Portugal, Minas tem tradição de carne de porco e milho, Arnaldo bolou o segundo prato do jantar. Nele, vai servir bochecha de porco cozida a baixa temperatura por cinco horas e xerém de sêmola de milho preparado em caldo com pequenos pedaços de chouriço (o de vinho, não o de sangue) e um pouco de colorau. Para completar, couve portuguesa.

 

Ingredientes mineiros


Entre um prato e outro do português, Matheus Paratella vai levar à mesa o agnolotti del plin recheado de galinha caipira, servido no próprio caldo e finalizado com castanhas, broto de quiabo e azeite defumado da Serra da Mantiqueira. De sobremesa, tortinha morna de castanha de baru molhada no xarope de cachaça com sorvete de queijo do Campo das Vertentes, calda de doce de leite, telha de chocolate e pó de pequi.


“Acho que Minas herdou muito de Portugal, entre ingredientes e técnicas, transformando e criando novas receitas, a exemplo do feijão-tropeiro”, comenta Matheus.

 

Acostumado a trabalhar com peixes, Arnaldo Azevedo vai ensinar a fazer caldeirada de bacalhau em Tiradentes

Acostumado a trabalhar com peixes, Arnaldo Azevedo vai ensinar a fazer caldeirada de bacalhau em Tiradentes

Restaurante Flor de Lis/Divulgação


Arnaldo comanda três restaurantes no Porto: Vila Foz (com uma estrela Michelin) e Flor de Lis, ambos no Hotel Vila Foz, e o Bistrô by Vila Foz, aberto há dois meses no Mercado Municipal de Matosinhos, um dos mais emblemáticos da cidade.

 


“O primeiro é uma cozinha de autor, onde temos por hábito trabalhar os sabores portugueses aplicando em técnicas mais avançadas. No segundo, temos pratos da cozinha tradicional e internacional, com uma cozinha mais descontraída”, detalha. Já o terceiro se dedica essencialmente a pratos com peixe na brasa. O cliente escolhe no próprio mercado o peixe que quer comer e o restaurante prepara na hora.


O português encerra sua participação no Festival de Tiradentes com uma aula em que ensina o público a preparar caldeirada de bacalhau.


Encontro de tradições


Na busca pelas origens da cozinha mineira, chega-se, facilmente, às tradições portuguesas. Nesta edição do Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes, elas estão representadas por dois nomes do Porto com muitos anos de estrada e que continuam a servir pratos tradicionais. São eles Inês Diniz e Rogério Sá.

 

Inês Diniz quer mostrar aos mineiros que o Porto também é uma cidade hospitaleira e com comida boa

Inês Diniz quer mostrar aos mineiros que o Porto também é uma cidade hospitaleira e com comida boa

Casa Inês/Divulgação


Em maio, Inês reabriu o seu restaurante no novo mercado da cidade, o Time Out Market, mantendo a proposta de oferecer pratos emblemáticos do Porto. Entre os exemplos, tripas à moda do Porto (a nossa dobradinha), bacalhau à Gomes de Sá e a francesinha. A chef também é muito conhecida pelo filete de polvo com arroz do mesmo, que são “filés” empanados de polvo acompanhados de arroz de polvo.


“Acho que vou comer muito bem”, diz Inês, animada com a sua primeira visita a Minas Gerais. A chef tem na sua equipe uma cozinheira de BH que já falou para ela sobre os queijos e o pão de queijo. “Vou mostrar que no Porto também somos hospitaleiros e se come muito bem. Além disso, quero conhecer as pessoas e essencialmente conviver com a cultura regional.”


Quem for ao seu jantar vai comer o famoso bacalhau à Gomes de Sá, a sua comida preferida. O prato leva esse nome em homenagem ao criador, José Luis Gomes de Sá, que nasceu no Porto em 1851 e era um comerciante de bacalhau. “Como estou em um mercado, sei que os brasileiros gostam muito de bacalhau e azeite”, observa. A sua receita tem uma diferença em relação à tradicional: o bacalhau não é cozido no leite. Inês mistura as lascas do peixe com batata, ovo, salsa picada e azeitonas e rega tudo com azeite.

 

A rabanada está diferente


De sobremesa, a chef traz a curiosa rabanada de chá preto, receita da sua avó que virou tradição na família. “Toda a minha comida é muito simples, de família, aquela que se faz em casa. Não é nada extraordinário, mas o sabor fica presente.”

 

Rabanadas de chá preto da chef Inês Diniz

Rabanadas de chá preto da chef Inês Diniz

Casa Inês/Divulgação


Flávio Trombino se junta a Inês no jantar também como representante da tradição, só que de Minas Gerais. No Xapuri, com 37 anos de história, ele preserva pratos que aprendeu com a mãe, dona Nelsa. O chef vai preparar a entrada (pão de queijo com linguiça e requeijão de raspa) e o segundo prato (Arroz Preguento do Bento, com frango desossado, quiabo grelhado, cogumelos frescos e salada de tomate).

 


A aula de Inês apresentará uma receita de francesinha, sanduíche típico do Porto. Dizem que é invenção de um francês que, como não encontrava croque monsieur, fez sua versão. Lá ela faz com carne assada, mas aqui, pela questão do tempo, vai servir com bife, que também é comum de se encontrar na cidade. Além da carne, o pão de forma é recheado com salsicha, linguiça fresca, queijo, mortadela e salame. Por cima, molho de tomate e queijo gratinado e ainda tem um ovo frito.

 

Bolinhos e pataniscas


Já que era para trazer pratos típicos, Rogério Sá escolheu receitas que faz há 40 anos, desde o início do seu restaurante, o Rogério do Redondo. De entrada, serão bolinhos de bacalhau (massa com o peixe desfiado), pataniscas de bacalhau (massa com lascas do peixe) e pezinhos de coentrada (pés de porco cozidos e fritos em banha de porco com bastante cebola, alho, coentro e pimenta). O segundo prato, um ensopado com carne de porco com chouriço e batatas, tem o nome de rojão com papas de sarrabulho.

 

Rogério Sá escolheu receitas que faz há 40 anos, desde o início do seu restaurante de comida tradicional

Rogério Sá escolheu receitas que faz há 40 anos, desde o início do seu restaurante de comida tradicional

Rogério do Redondo/Divulgação


“Quero mostrar a nossa cultura e a nossa cozinha. Utilizamos muita carne de porco, assim como em Minas. Além disso, quem é português come muito bacalhau, aqui há mil maneiras de fazê-lo e os brasileiros, quando entram no restaurante, pedem bacalhau”, comenta. No dia seguinte ao jantar, Rogério cozinha em uma das aulas filé de pescada com arroz de feijão e couve mineira.


Como Rogério vai trazer a tradição portuguesa, Rafael Pires, do Mia, em Tiradentes, optou por servir pratos tradicionais mineiros, entre elas a canjiquinha cremosa com requeijão de corte, folha de mostarda e ragu de frango caipira. “O frango é uma proteína muito tradicional em Minas, todo restaurante e toda casa sempre têm um franguinho cozido e temos milhões de formas de fazer, com ora-pro-nóbis, quiabo, molho pardo. Vou cozinhar o frango caipira da forma bem tradicional, usando a técnica do pinga e frita, desfiar e colocar moelas de frango para acrescentar sabor”, explica.


Rafael também assina a sobremesa, a broa de milho, quitute mineiro que está entre os mais populares. A sua versão tem recheio de ganache de chocolate, mousse de laranja e calda quente de doce de leite.

 

Diversidade gastronômica

 

“O Porto levará para Minas Gerais uma amostra de sua diversidade gastronômica, que inclui desde a alta gastronomia, representada por chefs com estrelas Michelin, até a cozinha tradicional portuguesa. Além disso, serão apresentados produtos representativos da produção vinícola das regiões do Douro e dos Vinhos Verdes, nomeadamente, o mundialmente famoso Vinho do Porto, proporcionando experiências de harmonização perfeitas em conjunto com a gastronomia mineira. O Porto também levará a cultura de hospitalidade e a tradição de partilhar a mesa, elementos centrais da identidade portuguesa.”
Catarina Santos Cunha
Secretária de turismo e internacionalização do Porto


Serviço


27ª edição do Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes
Data: até 1° de setembro
Informações: www.farturabrasil.com.br e @farturabrasil

 

Os festins

  • 23/8 (sexta): Rogério Sá (Rogério do Redondo) e Rafael Pires (Mia)
  • 24/8 (sábado): Arnaldo Azevedo (Vila Foz) e Matheus Paratella (La Villa Trattoria)
  • 30/8 (sexta): Inês Diniz (Casa Inês) e Flávio Trombino (Xapuri)
  • 31/8 (sábado): Vitor Matos (Antiqvvm) e Bruna Martins (Birosca e Florestal)

*Os jantares começam sempre às 20h30. Todos os menus são harmonizados com vinhos.

 

As aulas

  • 24/8 (sábado), às 13h30: filetes de pescada com arroz de feijão e couve mineira, de Rogério Sá (Rogério do Redondo)
  • 25/8 (domingo), às 11h: caldeirada de bacalhau, de Arnaldo Azevedo (Vila Foz)
  • 31/8 (sábado), às 13h30: francesinha, de Inês Diniz (Casa Inês)
  • 1/9 (domingo), às 11h: Lavagante Azul Costa Norte, Moqueca Mineira, Lima Caviar, Alho Fermentado e Citronela, de Vitor Matos (Antiqvvm)