A couve-flor está com tudo. De uns tempos para cá, “invadiu” o cardápio de bares e restaurantes em Belo Horizonte. O vegetal pega, sim, carona na crescente demanda por pratos sem carne. Mas não seria justo reduzir a isso o seu recente protagonismo. Sabor, textura e – não menos importante – beleza fazem dela um ingrediente capaz de conquistar até o mais carnívoro à mesa.
“Couve-flor é vida”, declara-se Yves Saliba, à frente dos restaurantes Per Lui, Odoyá e Pastaio. O chef sempre gostou de comer couve-flor – a mãe fazia muito em casa a versão gratinada. Com o tempo, foi descobrindo o potencial dela como ingrediente na cozinha. “Entendo a couve-flor como um curinga. Sozinha ela é um fenômeno e também pode ser coadjuvante, mas nunca passa despercebida.”
Para Yves, uma das características mais interessantes da couve-flor é receber bem outros sabores – por mais que tenha o seu sabor próprio – sem gerar conflitos, deixa tudo harmonioso. Do ponto de vista da textura, impressiona a versatilidade, já que ela vai bem do cru ao creme.
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“Se você quiser, pode servir fatias bem finas cruas com sal, limão e vinagre. Dá para fritar como tempura, assim tem uma textura firme, mas de fácil mastigação. Quando pica, refoga e hidrata com um caldo, tem praticamente um risoto. E ela também se transforma em um creme maravilhoso”, comenta.
No Per Lui, o chef já usou a couve-flor em três pratos bem diferentes, mas igualmente marcantes. Uma vez, ela virou recheio de um snack, um suflado de mandioca, com chocolate branco e tucupi negro. Em cima, tinha uma fatia de lardo de porco. Em outro menu, apareceu como molho de espaguete e formou uma ousada combinação com maracujá. Antes, havia sido servida em forma de creme com redução de balsâmico e um florete inteiro.
Na sua cozinha, Yves gosta de usar ingredientes pelos quais ninguém dá nada e mostrar que eles podem ser “absurdamente” incríveis. A couve-flor é um deles. “O que você sempre comeu de forma básica pode ser a melhor refeição da sua vida”, reforça.
E é o que ele quer provocar com a couve-flor que está no novo menu do Odoyá. Fazer com que arranque suspiros. Envolvida por bastante tempero, ela é assada e depois grelhada na frigideira para ficar dourada. No fim, vai para a mesa com creme de cebola, rúcula e molho citronete. “Não acompanha pão. A ideia é, literalmente, pegar os floretes e besuntar no creme como se fosse fondue”, explica.
Uma boa surpresa
Nessa mudança recente do cardápio, o chef colocou a couve-flor no lugar da clássica burrata, que é sempre muito pedida, mas não se arrepende. Pelo contrário, só confirma que ela é uma entrada que surpreende. “Muitas não dão nada por ela, mas acabam pedindo, gostam muito e voltam ao restaurante para repetir.”
Antes, como observa Yves, uma entrada sem carne quase nunca era vendida. Hoje, com o movimento de valorização dos vegetais, ele vê como isso mudou. Os clientes estão aceitando muito bem a proposta, independentemente se são veganos ou vegetarianos. Isso, na verdade, nem está escrito no cardápio. A escolha se baseia muito mais no sabor do que em alguma restrição alimentar.
“Acredito que daqui a quatro, cinco anos vai haver uma predominância dos vegetais nos cardápios em geral e esse vai ser um movimento natural, sem ninguém levantar bandeira”, projeta.
Sempre no radar
“Sou muito fã de vegetais e a couve-flor, por ser um ingrediente muito versátil, tanto de cozinhar quanto de comer, está sempre no meu radar”, destaca a chef Andreza Luísa, que acaba de lançar o novo cardápio do Belô Café com um prato em que ela é a estrela. A chef não esconde que é um dos seus preferidos.
Andreza enxerga a couve-flor como uma aliada na cozinha. Em primeiro lugar, pela questão da sustentabilidade: ela é aproveitada por inteiro. Do caule às folhas, não se desperdiça absolutamente nada. Depois, pela versatilidade. Falando em tipos de preparo, pode ser fermentada, grelhada, assada, frita e em conserva. E, como tem um sabor mais neutro, permite brincar com os mais diferentes temperos, aceitando bem acidez, dulçor e outras tantas combinações.
Para mostrar toda a beleza e exuberância da couve-flor, a chef preserva ao máximo o seu formato original. Então, ainda crua, faz cortes como se fossem “escalopes”, com mais ou menos dois dedos de largura. Em seguida, ela vai para o forno combinado com um pouquinho de vapor, só para dar maciez, e é armazenada com azeite, sal e pimenta.
“Não cozinho em água justamente para manter o sabor dela. Na hora de soltar o prato, levo para a chapa e grelho os dois lados. Ela fica macia, mas com textura”, descreve.
A couve-flor se junta a homus de feijão-fradinho, melaço de cana, azeite de ervas e castanha de caju. Andreza optou por criar uma receita vegana, mas não é para ficar restrita ao público vegano. Aliás, todo mundo que prova, mesmo os carnívoros, aprova. “Vejo que a couve-flor é um vegetal muito bem-aceito. Quem pede é porque gosta, mas tem gente que prova e fica apaixonado”, observa.
A combinação foi pensada para ser prato principal, mas também pode funcionar como entrada para compartilhar. Depende do tamanho do apetite.
Pela primeira vez
A couve-flor gratinada faz parte das lembranças de infância de Rodrigo Rodrigues. Mas, por muito tempo, ficou esquecida e desapareceu da sua vida. Até que, há dois meses, quando assumiu a cozinha da cervejaria Monka, o chef decidiu resgatá-la e está trabalhando com ela pela primeira vez.
Como sabe que a couve-flor aceita bem vários sabores, ele carrega nas especiarias do Oriente Médio. Deixa de um dia para o outro marinando em uma mistura de temperos como sumac, zaatar e melaço de cana, que acrescenta dulçor. Ela absorve os sabores e já fica com uma textura mais agradável. Entra no forno só para caramelizar. “Já gostamos de explicar para o cliente que ela fica ao dente, mas não está crua. Acho legal sentir essa textura na mordida”, aponta.
O prato se completa com molho de iogurte com tahine, castanhas de caju puxadas na manteiga e folhas de hortelã e rúcula, unindo acidez, cremosidade, crocância, frescor e dulçor ao sabor e textura da couve-flor. A ideia é comer pedaço por pedaço com cada um dos elementos.
Para surpresa geral, a couve-flor está tendo muita saída. Segundo Rodrigo, as pessoas não esperam comer esse vegetal em uma cervejaria, mas ficam curiosas e se surpreendem com tanto sabor. A maioria, inclusive, nem está no time dos vegetarianos. A montagem chamativa ajuda a despertar o interesse. “Falo que nem todo mundo escolhe, mas, quem vê a couve-flor no salão, bonita, grande e vistosa, fica curioso e acaba pedindo”, diz.
Para petiscar
Acredite, a couve-flor também pode ser um belo petisco para a mesa de bar. Aí, não tem jeito, tem que ser frita. Mesa de bar sem uma fritura não tem a menor graça, muitos dizem. Seguindo esse raciocínio, a chef do Cabernet Butiquim Jana Barrozo definiu como seria sua receita com a velha conhecida.
A chef cresceu na roça, em São Domingos do Prata, e se acostumou a comer couve-flor cultivada na casa da avó (até hoje é assim). E é de lá que vêm muitas das suas inspirações de ingredientes para cozinhar. Não que seja uma novidade, mas ela observa que a procura pelo vegetal tem crescido entre o público vegano e vegetariano.
Do ponto de vista de quem come, ela exalta a beleza e o sabor da couve-flor. Do outro lado do balcão, para quem cozinha em restaurante, é um ingrediente prático de trabalhar, fácil de encontrar o ano inteiro, rende bem e tem um custo interessante. “Deixa colocar qualquer sabor, fica na textura certa, não absorve muita água e não absorve gordura da fritura”, acrescenta Jana, que ainda comemora o fato de ela durar uma semana na geladeira, quando embalada adequadamente a vácuo.
A inspiração para a receita do Cabernet Butiquim vem da gastronomia oriental. A couve-flor é empanada em massa de tempura, à base de amido, água, páprica e um pouco de farinha de trigo, e frita na hora. Vai para a mesa com molho teriaki de cachaça, vinho tinto e shoyu e coalhada com raspas de siciliano e zaatar. Por cima, furikake (tempero seco japonês) “amineirado” porque tem couve desidratada junto com alga nori, gergelim preto e branco e páprica.
Jana observa que até quem diz não gostar de couve-flor pede e se surpreende. Tanto que a entrada está entre as mais pedidas, competindo de igual para igual com o croquete de carne de panela com maionese de rúcula. Em média, saem de 30 a 40 por semana. “Isso me deixa muito feliz, agradar as pessoas com um legume”, confessa.
Na hora do almoço, a couve-flor pode ser preparada à milanesa e substituir as carnes em um prato com maionese de batata e salada.
A passarinho
Dos tempos do Alma Chef, Isabela Rochinha não se esquece da couve-flor mediterrânea, que era servida com coalhada, cúrcuma e romã. Corta para Pirex, onde a chef trabalha hoje. “Estamos num bar e a comida que todo mundo gosta é fritura. Por isso, pensamos em empanar e fritar.” Simples assim.
Lá ela é chamada de couve-flor a passarinho. Isso porque é empanada em massa de tempura e porcionada no tamanho certo de petisco, para comer numa bocada só. Os pequenos pedaços são fritos na hora e servidos com creme de castanha por cima. “Ainda existe a cultura de petisco de bar ser torresmo, mas a couve-flor tem boa saída, sai mais do que imaginávamos. Compete bem com petiscos de proteína animal”, comenta a chef.
Rochinha vê a couve-flor como uma ótima opção para seguir a proposta de trabalhar com ingredientes sazonais, que estão no auge do frescor e com preço mais em conta. Em breve, ela deve reestruturar o cardápio, mas já garantiu que o vegetal não sai. “Não quero tratar os vegetais só como acompanhamento, eles também podem ser prato principal e petisco para bar”, pontua.
Anote a receita: Couve-flor gratinada, iogurte com tahine, castanha crocante, hortelã e rúcula selvagem (Monka)
Ingredientes
- 1 unidade de couve-flor;
- 50ml de melaço de cana;
- 5g de sumac;
- 5g de zaatar;
- 20g de castanha de caju;
- 5g de hortelã;
- 5g de rúcula;
- 100ml de iogurte;
- 20g de tahine;
- 1 limão tahiti;
- 20g de manteiga;
- sal e pimenta a gosto
Modo de fazer
- Tempere a couve-flor com sumac, zaatar e melaço de cana.
- Deixe marinando por pelo menos duas horas.
- Para o molho, misture o iogurte, tahine, limão e tempere com sal e pimenta.
- Doure a castanha na manteiga.
- Depois que a couve-flor estiver marinada, asse por 15 minutos em forno pré-aquecido na temperatura de 200 graus.
- Para montagem, disponha o molho no fundo do prato, coloque a couve-flor, as castanhas e finalize com hortelã, rúcula, sal e pimenta-do-reino.