Queijos de Minas Gerais são um exemplo da qualidade local e, muitas vezes, superam produtos internacionais em competições -  (crédito: FABRYCIO JUNIOR/divulgação)

Queijos de Minas Gerais são um exemplo da qualidade local e, muitas vezes, superam produtos internacionais em competições

crédito: FABRYCIO JUNIOR/divulgação

 

Quando o assunto é gastronomia, a tendência global muitas vezes exalta produtos estrangeiros, como queijos franceses ou azeites italianos, como os padrões de excelência. No entanto, um passeio pelos mercados e fazendas de Minas Gerais revela produtos que não só rivalizam, mas em muitos casos superam os equivalentes internacionais.

 


Os queijos de Minas Gerais são um exemplo da qualidade local. Entre eles, o queijo Canastra se destaca, reconhecido por seu sabor e textura. Produzido nas regiões de Serra da Canastra, o queijo leva o selo de qualidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e sua fama já cruzou fronteiras. Seu processo artesanal, que valoriza a produção local e o cuidado na fermentação, resulta em um produto que é tão refinado quanto os melhores queijos da Europa.


Investimento

Na Fazenda Saudade, Tereza Rodrigues, uma jornalista que se reinventou como produtora de queijos e doces, compartilha sua paixão e o desafio de manter a tradição familiar viva. "Meus pais sempre viveram da produção de leite, mas vender era complicado. Eles definiam os preços e recebiam com grande atraso, o que gerava insegurança financeira", revela. Foi essa instabilidade que a motivou a retornar à fazenda, ao lado do marido, Mateus Brandão. "Decidimos investir no beneficiamento do leite e, ao conhecer o Queijo Minas Artesanal, fiquei encantado. É um queijo simples e de baixo investimento, e descobri que meu avô também o fazia." Na Fazenda Saudade, a dedicação ao leite das holandesas mestiças e ao processo de produção artesanal resulta em queijos premiados. "Trabalhamos em família, o que nos permite cuidar de cada etapa com precisão. O reconhecimento com prêmios na Europa prova que o queijo mineiro não só compete com os importados, mas muitas vezes supera", conclui Tereza.


Quem complementa é Débora Pereira, especialista que começou sua jornada com o queijo aos 20 anos. "Minha história com queijo começou no sítio em Santa Luzia, perto de Belo Horizonte, onde comecei a fazer queijo de leite cru. No entanto, enfrentei dificuldades devido à ilegalidade da prática na época", relata. Após uma pausa e uma carreira como jornalista na Associação SerTãoBrás, onde aprofundou seu conhecimento sobre a legislação e a realidade dos produtores, Débora se especializou na França mergulhando na rica cultura queijeira europeia. "A experiência na França me permitiu compreender melhor as técnicas e as exigências da indústria, o que, quando voltei ao Brasil, me ajudou a adaptar práticas e a valorizar o queijo mineiro", destaca.

 

Nossos Azeites

No campo dos azeites, Minas Gerais também tem mostrado que não precisa de influências externas para criar produtos excepcionais. Os azeites produzidos no estado, com destaque para as regiões do Sul e do Triângulo Mineiro, têm recebido reconhecimento crescente por sua qualidade.


Ana Beloto, comunicóloga e sommelière de azeites com mais de 20 anos de experiência, explica o diferencial dos azeites mineiros: "Temos um azeite que chega mais fresco ao mercado. Por uma questão logística, os azeites mineiros chegam aos lares do Estado com o máximo de frescor e recém-produzidos.

 

Isso beneficia não somente em aromas e sabores, mas também por serem azeites com o máximo de benefícios nutricionais à nossa saúde. O azeite é o suco de uma fruta e, por isso, quanto mais fresco, melhor." Ana destaca também que, apesar do crescimento, a produção ainda é pequena em Minas Gerais, o que resulta em acesso restrito e preços mais altos.


Raul Ermiro, administrador do Azeite Vertentes, também traz uma perspectiva inovadora sobre a sua produção de azeites em Minas Gerais. "Eu acho que nosso maior diferencial é o cuidado que temos com a nossa produção. Por ser pequena, conseguimos investir recursos para fazer toda a extração e colheita de forma mais cuidadosa e rápida, mantendo a temperatura baixa na extração. Isso é complementado pelo terroir único da nossa região, que está entre a Mata Atlântica e o Cerrado", explica Raul.


Ele destaca que o clima misto e a vegetação variada contribuem para um azeite de características delicadas e complexas. "Mesmo nosso azeite mais intenso mantém uma delicadeza, com um equilíbrio entre picância e amargor, sem notas excessivas. Acredito que o solo de Minas tem características únicas que favorecem a produção de azeites de alta qualidade", conclui Raul, cujo trabalho tem ganhado prêmios internacionais pela excelência.


Café: tradição e inovação

O café mineiro, amplamente reconhecido, carrega um legado que vai além das xícaras cotidianas. Minas Gerais tem se destacado tanto no cenário nacional quanto no internacional pela produção de cafés especiais. Segundo Marília Balzani, proprietária do Café Magrí, com unidades no Mercado Novo (Centro) e no Parque do Palácio (Mangabeiras), "os cafés mineiros já são notadamente reconhecidos pela consistência da qualidade. E, nos últimos anos, despontamos como referência em centros de pesquisa e experimentação de novos métodos de produção e cultivares."


Ela ressalta que Minas Gerais possui uma variedade de terroirs que influenciam diretamente no perfil sensorial do café. "Todos esses fatores são capazes de alterar as características sensoriais do café. Só em Minas, temos uma riqueza enorme de cafés diferentes e únicos," diz Marília.


Quanto à comparação com outras regiões famosas, como Colômbia e Etiópia, Marília destaca a imensa variedade sensorial dos cafés mineiros, algo que torna a comparação difícil, mas que coloca Minas Gerais em uma posição privilegiada. "Temos uma produtividade maior e mais possibilidades de experimentação."


Embora o reconhecimento internacional ainda esteja em crescimento, há avanços. "Vejo pouco o café mineiro sendo notadamente reconhecido no cenário internacional, mas estamos caminhando para isso, com a certificação de cafés especiais sendo um fator importante," conclui Marília.


Felipe Brazza, de 44 anos, barista, produtor, acredita que Minas Gerais possui o bioma perfeito para o café especial, com sua altitude, índice pluvial e clima ideais. "Nos lugares mais altos, o café amadurece mais lentamente, o que melhora o resultado sensorial da bebida", detalha.


Ele iniciou sua jornada no cultivo de cafés especiais em 2016, após já atuar com cafeteria, torrefação e escola de barista. "Faltava plantar o café para completar o ciclo produtivo", explica Felipe.
Atuando no universo dos cafés especiais desde 2012, Felipe começou acompanhando sua sogra no cultivo e posteriormente arrendou uma terra próxima à fazenda, localizada em uma altitude ideal para o cultivo de cafés de alta qualidade.


Felipe também destaca a expertise secular de Minas Gerais no cultivo, o que garante uma produção consistente e diversificada. "Se Minas fosse um país, seria o maior produtor de café do mundo. O Sul do estado, por exemplo, tem reconhecimento internacional bem fundamentado, e as regiões do Cerrado e Mantiqueira têm se destacado cada vez mais", complementa.

 

Vinhos mineiros: uma revolução no terroir

Sucesso no cenário mundial e comprovação de qualidade com prêmios internacionais

No cenário dos vinhos, Minas Gerais está se destacando com inovações que desafiam as tradições. Horácio Morais Barros, engenheiro e consultor em vinhos com 73 anos de experiência, fala sobre as particularidades da vinificação mineira. "É muito complicado comparar o terroir de Minas Gerais com o de outros países, pois estamos utilizando uma técnica nova chamada Dupla Poda, que foi desenvolvida especificamente para o sudeste do Brasil. Essa técnica engana a videira para que ela experimente condições climáticas semelhantes às das culturas tradicionais europeias", explica Horácio. Ele destaca que o inverno seco e com alta amplitude térmica da Serra da Mantiqueira é um fator crucial. "A altitude de 900 a 1.500 metros mantém uma acidez pungente nos vinhos tintos e uma acidez elevada nos brancos, possibilitando vinhos com frescor e equilíbrio."


Sobre a percepção dos vinhos mineiros, Horácio observa que, apesar de algum preconceito inicial, a qualidade está se destacando. "A procura pelos vinhos de inverno está bastante acentuada. O preconceito é geral contra vinhos nacionais, mas, em Minas, a maioria dos vinhos de inverno está na faixa de excelentes (90 a 94 pontos). Mesmo com preços elevados, esses vinhos se comparam aos internacionais nessa faixa de preço e apresentam um perfil distintivo", afirma. Ele acrescenta que a técnica da Dupla Poda, combinada com as condições climáticas, resulta em vinhos tintos com elevada concentração de antocianos e taninos macios. "Os vinhos de Minas Gerais são potentes e elegantes, com um estilo único que se destaca globalmente."


Quando conversamos com Luiz Porto Júnior, proprietário da vinícola Luiz Porto, fica evidente sua a paixão pela produção de vinhos finos em Minas Gerais, uma história que começou em 1985, ano de seu nascimento, marcado por uma geada devastadora que destruiu os cafezais da família. A partir dessa tragédia, o pai de Luiz Porto Júnior decidiu investir na fruticultura, culminando na produção de vinhos especiais em 2004, quando introduziu a técnica de dupla poda, que permite que as uvas amadureçam no inverno, em condições climáticas ideais.


Luiz Porto Júnior, proprietário da vinícola Luiz Porto, utiliza a técnica de dupla poda, que permite que as uvas amadureçam no inverno, em condições climáticas ideais lançando vinhos que se destacam no mercado pela qualidade.


Ele explica que a maturação das uvas no inverno mineiro, com dias ensolarados e noites frias, resulta em vinhos com características sensoriais únicas, mais próximas dos vinhos do sul da Europa do que da América do Sul. Segundo ele, isso é um fator diferencial, pois a região oferece condições excepcionais de maturação, contribuindo para a alta concentração de açúcar nas uvas e para a produção de vinhos potentes e longevos.


Apesar de reconhecer a competitividade dos vinhos estrangeiros, Luiz afirma com orgulho que os vinhos mineiros já competem de igual para igual com os melhores do mundo. "Os nossos vinhos têm ganhado cada vez mais espaço e conquistado corações, especialmente os dos mineiros, que estão começando a valorizar mais o que é produzido aqui", comenta.


Ele destaca ainda os desafios de romper com o preconceito contra produtos nacionais, uma barreira que está sendo superada conforme os vinhos mineiros acumulam prêmios nacionais e internacionais. "No início, eu servia os nossos vinhos em degustações às cegas, e muitos achavam que eram de origem francesa ou espanhola", relembra. Para ele, a valorização do produto local é uma questão de orgulho, não apenas pela qualidade, mas também pelo simbolismo de fortalecer a identidade mineira.
Uma curiosidade sobre a vinícola Luiz Porto é sua ligação com o cavalo Mangalarga Marchador, que faz parte da história da família há mais de 40 anos. A ferradura, símbolo da vinícola, remete à tradição e ao orgulho de produzir vinhos em solo mineiro, agregando valor ao terroir local.
reconhecimento mundial

A qualidade dos produtos de Minas Gerais está atraindo a atenção de chefs e críticos internacionais, que começam a reconhecer o valor do que é produzido localmente. Além disso, a valorização do que é nacional, junto ao apoio de iniciativas que promovem a gastronomia mineira, está ajudando a desmistificar o mito de que somente os produtos importados são superiores.


Portanto, ao escolher produtos gastronômicos para sua mesa, lembre-se de que Minas Gerais oferece uma riqueza de opções que não ficam atrás dos melhores produtos internacionais. Com qualidade comprovada e uma rica tradição, a produção mineira demonstra que a excelência está, de fato, mais próxima do que se imagina. 

 

Receita

Pão de queijo

Tereza Rodrigues

ingredientes

1 caixa de creme de leite fresco, a mesma medida de polvilho azedo
a mesma medida de queijo minas artesanal curado ralado e uma 1 pitada de sal

Modo de fazer

Misture todos os ingredientes em uma vasilha e mexa até ficar homogêneo.
Se necessário, coloque um pouco mais de polvilho. A massa fica mole, não dá para enrolar os pães de queijo, é preciso colocar no tabuleiro com o auxílio de duas colheres. É preciso untar bem o tabuleiro para não grudar. Deixe assar por cerca de 40 minutos.

 

* Estagiária sob supervisão da SUBeditora
Celina AQUINO