Da mesa, não dá para ver, só sentir. Enquanto você aguarda o seu pedido, a “mágica” acontece na cozinha com rapidez e precisão. Muito desejado pelos cozinheiros, o forno a carvão leva sabor de churrasco aos mais diversos ingredientes, das carnes aos legumes. Apesar de ainda ser raridade, muito em função do custo, o equipamento já pode ser visto em restaurantes de Belo Horizonte.
O primeiro contato de João Paulo Oliveira com um forno a carvão foi na Inglaterra, há 12 anos. Lá a tendência estava começando a se espalhar. No hotel onde trabalhava, o equipamento era muito querido por toda a equipe.
O chef se reencontrou com a máquina no Nicolau Bar da Esquina, de Leo Paixão, com quem trabalhou por muitos anos. Agora ele tem um forno a carvão para chamar de seu no recém-aberto Casa Calixto. “Uma vez que você tem em mãos um equipamento como esse, não consegue mais viver sem. O resultado é muito notável.”
João Paulo explica que o funcionamento do forno a carvão é muito simples. Como o nome diz, só se usa carvão mesmo, não tem nada elétrico nem a gás. Mas, então, qual é a diferença para uma churrasqueira ou parrilla? Ele exige uma quantidade menor de carvão para chegar aos 300 graus e entregar o mesmo resultado. Além disso, por ser totalmente fechado, não esquenta a cozinha nem espalha fumaça. “Carvão, brasa, lenha vêm sendo usados há muito tempo, mas o forno nos permite trazer isso para dentro de um restaurante”, aponta.
Segundo o chef, duas válvulas controlam a entrada de oxigênio, o que impulsiona a combustão do carvão e deixa a brasa mais potente, elevando a temperatura.
“Independentemente do termômetro do forno, esse é um trabalho de feeling. Você tem que conhecer muito de brasa e de fogo para dar o ponto da carne, por exemplo. Do mesmo jeito que chega rápido, é muito fácil de passar também”, diz. O olhar tem que estar sempre atento para repor o carvão ao longo do serviço. Sem carvão, tudo para.
Como atinge rapidamente altas temperaturas, o forno a carvão acelera o trabalho na cozinha. Ou seja, os pratos saem com muito menos tempo, ganho valioso para uma casa com capacidade para atender quase 300 pessoas de uma vez.
E o sabor? Esse é um ponto que joga muito a favor dele, afinal, sabor de churrasco mexe com o paladar do brasileiro. “Isso vem da gordura da carne que pinga no carvão, sobe a fumaça, gera um defumado e traz uma caramelização. É um sabor muito marcante. Então, quando você come a carne, vai para esse lugar do churrasco, e todo mundo gosta de um bom churrasco”, comenta.
Imbatível nas carnes
O mais comum é usar o forno a carvão para preparar carnes. João Paulo chega a dizer: “Essa é a melhor forma de se fazer steak”, lembrando-se de quando morava na Europa e gostava de sair para comer carne. Logo, dá para imaginar que todas as carnes de boi servidas no Casa Calixto passam por lá. Para ele, não tem outro jeito de preparar cortes nobres que não seja no melhor forno que existe no mercado.
Entre os exemplos, o entrecôte servido com cenoura, cogumelos, bacon, brócolis e batata rústica; o flat iron com molho poivre, tomate à provençal, salada de agrião e rúcula e batata rústica e o escalope de filé-mignon com linguine cacio e pepe defumado e brócolis ao molho roti.
“O cliente consegue pedir o ponto exato de carne. Se for mal passada, vai ter crosta, com uma caramelização bem-feita. Com um forno muito potente, consigo trazer esse resultado muito rapidamente. É maravilhoso.”
Mais sabor
Mas a verdade é que João Paulo usa o forno carvão para fazer quase tudo na cozinha, explorando bastante sua versatilidade. O forno convencional funciona mais como apoio. “Quanto mais preparos fizer no forno a carvão, mais sabor vou levar para a comida”, avisa.
Na sua visão, o prato onde mais se sente o efeito do carvão é, curiosamente, o risoto de mar, com polvo, camarão, guanciale, milho fresco e ervas finas. “Faço os frutos do mar no carvão. Além do sabor, ele traz uma textura melhor, principalmente para o polvo. Os tentáculos ficam com uma crosta interessante.”
O equipamento também cai bem no preparo de legumes, como os brócolis, que chegam à mesa crocantes e com um leve sabor de tostado. O chef aproveita o forno bem quente para grelhar o tomate e o pimentão vermelho que servem como base para o molho romesco da burrata, o que acrescenta um toque defumado.
Já a lasanha de berinjela com muçarela de búfala e molho de tomate fica ainda mais saborosa por ser finalizada no carvão. Perguntado sobre as sobremesas, ele disse que nunca tinha pensado sobre isso, mas achou uma boa ideia.
Levando em conta versatilidade, rapidez e sabor, João Paulo entende que uma cozinha inovadora como a do Casa Calixto não poderia funcionar sem um equipamento como o forno a carvão. “Hoje isso é uma tendência muito forte no Brasil e em Belo Horizonte porque agrega muito valor para a casa e para a comida. Dessa forma, conseguimos trabalhar com um respeito maior pelos ingredientes e servi-los da melhor forma possível”, resume.
Desde o primeiro dia
A história de Caio Soter com o forno a carvão é parecida. Ele o viu pela primeira vez no Nit Bar De Tapas, em São Paulo, de Oscar Bosch, que é catalão, assim como a marca mais conhecida no mundo, de nome Josper. Ao ver o próprio chef preparar a comida naquele “caixa” de aço, ficou interessado em tê-lo na sua cozinha. Parecia um sonho distante, até abrir o Pacato, há três anos. O desejado equipamento está lá desde o primeiro dia.
“Sempre gostei muito de preparos na brasa e o forno a carvão oferece um resultado parecido com o da parrilla, com a vantagem de ser fechado. Ele ainda tem toda uma engenharia que faz com que você gaste muito menos carvão. Para uma cozinha fechada de um restaurante, acho que é o que funciona melhor”, compara.
O chef do Pacato acrescenta que, pelo fato de ser fechado, ele viabiliza outros preparos que não seriam possíveis em uma churrasqueira – usada, basicamente, para grelhar e defumar. Dá para assar um pão, por exemplo. E é o que eles fazem no Pacato. Pão é de longe a receita mais inusitada que já passou por lá. “Fazer pão no forno a carvão é bem difícil, porque é bem difícil de controlar o processo. Já grelhamos muitos legumes delicados nele também. Então, é um equipamento que exploramos bastante.”
A maioria dos pratos servidos no restaurante têm elementos que, em um momento ou outro, passam pelo forno a carvão. Caio gosta de dar um toque de brasa em suas receitas.
“A cozinha mineira é ancestral e o uso do fogo é uma forma de reverenciar essa ancestralidade. Isso tem tudo a ver com a minha cozinha e com a minha história, já que comecei fazendo dry aged”, comenta, em referência ao trabalho de maturar carnes a seco. Hoje, ele se dedica a levar um olhar contemporâneo – e com muita técnica – para as tradições mineiras.
Almoço para compartilhar
O costelão, o bife de sereno (picanha) e o frango assado, que são algumas das estrelas do almoço para compartilhar de sábado de domingo, são preparados no forno a carvão. No menu "Mesa de Vó", que resgata a tradição da mesa farta, você escolhe a proteína e recebe as guarnições do dia. Entre elas, arroz de brócolis com brócolis tostado, farofa de cebola com cebola crocante, tutu com molho gavião e ovo mole, maionese de mandioca, couve vinagrete com alho e banana tostada.
Outros dois pratos representam o trabalho do restaurante com o equipamento: arroz de pato com magret serenado, ovo mole e aioli de limão e balotine de frango assado e recheado com purê de taioba, purê de abóbora tostada e molho de frango com quiabo.
Na opinião de Caio, o forno a carvão é o ideal para agradar o paladar do brasileiro, que gosta de sabor de churrasco, mas tem uma certa resistência ao amargor do defumado. “Como o forno a carvão tem uma cocção muito rápida, ele traz uma defumação um pouco mais discreta. Não fica aquele gosto de fumaça carregado, mas, sim, um sabor suave, do toque da carne na grelha. Ali tem um pouquinho de fumaça, de carvão, fica um sabor equilibrado”, avalia.
Novidades aguardadas
À frente da cozinha do Gero Belo Horizonte, Marcelo Pace conheceu o forno a carvão em pesquisas gastronômicas. Mais tarde, ficou frente a frente com um no Fasano de São Paulo. Foi lá que Luca Gozzani, chef executivo do grupo, apresentou a ele a técnica. “Fiquei impressionado com o resultado que o forno a carvão proporciona aos pratos, trazendo um toque especial, principalmente em termos de sabor e textura”, conta.
Desde então, o chef passou a estudar o investimento e a implementação da novidade. Hoje comemora: o forno a carvão chegou há mais ou menos quatro meses e provocou uma reformulação no cardápio.
“A primeira imagem que me vem à cabeça ao pensar nesse equipamento é a possibilidade de produzir carnes com um sabor acentuado e um toque de defumação, que são únicos. Além disso, a suculência que ele proporciona é incomparável. Outro fator importante é o ganho de tempo no preparo, o que nos permite manter a qualidade e a eficiência no serviço, entregando aos clientes uma experiência gastronômica diferenciada”, destaca.
Com a chegada do forno, a palavra carvão passou a aparecer em várias partes do cardápio. Observe a descrição desses pratos: bife de ancho grelhado a carvão na manteiga de ervas com pure e tomilho e galeto finalizado na grelha com carvão e fettucine ao molho Alfredo. Apesar de não estar evidenciado, as costeletas de cordeiro também são preparadas com a mesma técnica. Para acompanhar, purê de grão-de-bico, cebolas e pistache.
Frutos do mar
Pelo que Marcelo conta, um dos resultados mais inesperados foi com os frutos do mar, que tiveram os sabores realçados pela leve defumação. E ele explorou bastante isso no cardápio. De entrada, as novas opções são lagostins grelhados, camarões com creme de abóbora e tentáculos de polvo assados com limão siciliano e azeitonas.
Já entre os pratos principais, estão bacalhau assado com batatas, cebola, tomate, alcaparras, azeitonas e pinoli e camarões em crosta de raspas de limão siciliano com abobrinha e berinjela.
O equipamento também já foi usado para gratinar lasanhas e grelhar legumes. “Essa flexibilidade é o que torna o forno tão especial na minha cozinha, pois possibilita explorar novas combinações e técnicas, sempre com resultados incríveis.”
Fora da cozinha, a inovação tem sido bem-recebida pelo público. Marcelo tem um palpite. “O sabor defumado e a suculência remetem diretamente a uma das maiores paixões nacionais: o churrasco. Esses elementos têm uma forte conexão com a nossa cultura gastronômica, trazendo uma sensação de conforto e familiaridade. No forno a carvão, conseguimos capturar essa essência, proporcionando uma experiência que agrada ao paladar e desperta memórias afetivas”, destaca.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia
Anote a receita: Molho romesco
Por João Paulo Oliveira – Casa Calixto
Ingredientes
- 4 pimentões vermelhos;
- 6 tomates;
- 1 cabeça de alho pequena;
- azeite;
- 200g de amêndoas torradas;
- 200g de pão passado na frigideira
Modo de fazer
- Coloque os tomates, os pimentões e o alho no forno a carvão por 15 minutos.
- Toste as amêndoas na frigideira e depois o pão.
- Tire a pele dos tomates e dos pimentões depois de assados.
- Junte todos os ingredientes e bata com o mixer até ficar homogêneo.
- Tempere com sal, pimenta e páprica defumada.
- Sirva por cima da burrata e com focaccia.
Serviço
Casa Calixto (@casacalixtobh)
Rua Padre Odorico, 81 – São Pedro
(31) 98808-7740
Pacato (@pacatobh)
Rua Rio de Janeiro, 2735 – Lourdes
(31) 98324-8736
Gero (site)
Rua São Paulo, 2320 – Lourdes
(31) 3500-8970