Sócio do bar Pirex, Vitor Velloso sempre gostou de enxergar o Centro de BH como um lugar de mistura -  (crédito: Hugo Cordeiro/Divulgação)

Sócio do bar Pirex, Vitor Velloso sempre gostou de enxergar o Centro de BH como um lugar de mistura

crédito: Hugo Cordeiro/Divulgação

 

A cena gastronômica de Belo Horizonte tem se mostrado pulsante nos últimos tempos. E uma nova geração de restaurateurs vem moldando o futuro do setor, trazendo conceitos frescos e uma abordagem inovadora para o ramo. Esses novos protagonistas não apenas abrem estabelecimentos, mas criam verdadeiras experiências que vão além do prato. Nesta edição, vamos contar as histórias de quatro deles e explorar um novo olhar sobre o que significa gerenciar um restaurante ou bar.


A primeira história tem um pano de fundo inusitado: um hospital. Médico por formação, Victor Hugo Barcelos, de 32 anos, nunca imaginou que se tornaria dono de restaurantes em tão pouco tempo. Em uma circunstância inesperada, durante a pandemia, ele conheceu quem hoje é seu sócio, o chef Yves Saliba. “O Yves ficou entubado no hospital onde trabalho e fui um dos responsáveis pelo seu cuidado. Quando ele recebeu alta, nos aproximamos e viramos amigos”, relembra Victor.

 

Victor Hugo Barcelos já tem três restaurantes e planeja abrir um bar

Victor Hugo Barcelos já tem três restaurantes e planeja abrir um bar

Victor Schwaner/Divulgação
 


A amizade com Yves, somada à paixão pela gastronomia, fez surgir o primeiro negócio da dupla. Há dois anos e meio, nascia o Per Lui, que significa “Por Ele”, em homenagem ao pai de Saliba. “Sempre me envolvi com a gastronomia. Gosto muito de cozinhar, estudar a área e frequentar restaurantes. Mas a minha vida mudou completamente. Trabalhava 60 horas semanais em um hospital e comecei a me dedicar ao restaurante”, afirma o empresário.


Com a abertura da casa, o restaurateur se descobriu na área de gestão e viu a necessidade de reduzir o espaço da medicina para equilibrar as duas profissões. “Continuo sendo médico, mas me descobri como uma pessoa focada nesse processo culinário”. Em pouco mais de um ano, os sócios inauguraram mais dois restaurantes, o Odoyá, na Savassi, e o mais recente, Pastaio, no Funcionários, todos na Região Centro-Sul de BH.

 


A forma como Victor enxerga a gestão dos estabelecimentos reflete sua formação médica. “A origem do termo restaurante está na própria palavra: restaurar. Quando alguém sai para comer, quer se restaurar do dia, ficar melhor do que entrou”, afirma. Para ele, cliente e paciente se assemelham. “Quando você entende o restaurante como um processo de cura e melhoria, sabe que não é só comida. Assim como no hospital não é só o remédio, é todo o processo de tratamento”.

 

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As duas áreas, a princípio distintas, se complementam no que hoje é o foco do médico e empresário: a hospitalidade. Victor explica que, nos últimos tempos, houve uma mudança no perfil dos clientes, uma vez que as pessoas começaram a entender que um restaurante não é só a entrega do prato. “Era muito comum, antigamente, ver lugares preocupados em entregar os pedidos e a forma como isso chegava ao público nem sempre era correta. É uma exigência do cliente não apenas comer bem, mas também ser bem atendido e tratado”, aponta.

 

Acreditar para empreender


Para abrir os restaurantes, Victor Hugo sempre fez questão de seguir seus próprios princípios como consumidor. “Para investir em algo novo, é preciso acreditar e você só crê em algo que consome. Depois que comecei a ter êxito com as casas, recebi muita proposta para vários tipos de negócios, mas, antes de tudo, sempre penso: eu sou um consumidor disso?”, reflete.

 

O restaurante de cozinha contemporânea Per Lui nasceu de um encontro de Victor Hugo Barcelos com o chef Yves Saliba

O restaurante de cozinha contemporânea Per Lui nasceu de um encontro de Victor Hugo Barcelos com o chef Yves Saliba

Victor Schwaner/Divulgação
 


A análise está diretamente ligada à visão de cliente que o próprio empresário tem de seus negócios e no conceito dos restaurantes. Cada um foi desenvolvido a partir de carências sentidas por Victor.


“O Per Lui sempre foi o meu sonho de atendimento em um restaurante. Era uma demanda minha a proximidade entre o serviço e o público. O Odoyá surgiu de uma viagem minha para Fernando de Noronha. Senti falta de um lugar leve e com gosto de praia em BH. Já o Pastaio segue uma pegada à la carte e intimista”, explica.

 


O próximo negócio, o empresário adianta, deve se concretizar em breve e na forma de um bar mais informal. Para o futuro, Barcelos espera ser reconhecido por entregar algo bom para as pessoas. “Para mim é melhor do que qualquer coisa e justifica tudo que faço”, conclui.


Representatividade mineira

 

Vitor Velloso, de 41 anos, sempre teve os pés em Belo Horizonte, mas foi em São Paulo que construiu sua carreira. Aos 18, mudou-se para o estado paulista e mergulhou de cabeça no universo da publicidade, do mercado financeiro e das consultorias. “Sempre tive um amor muito grande por gastronomia e hospitalidade, sempre gostei de bares e de cozinhar. Dentro dessa paixão, trabalhava em eventos de culinária como voluntário para conhecer chefs e entender sobre o ramo”, conta.


Foi em um desses encontros que ele conheceu o chef Caio Soter, que, na época, era um advogado interessado em gastronomia. “Tivemos uma conexão muito forte e no primeiro dia em que nos conhecemos falamos que iríamos ter um restaurante juntos”, afirma.

 

O Pacato nasceu da observação de que faltava representação da culinária mineira na cidade

O Pacato nasceu da observação de que faltava representação da culinária mineira na cidade

Rubens Kato/Divulgação
 


Ao fim da pandemia, surgiu a primeira oportunidade: um restaurante em BH não suportou a crise e estava à venda. A dupla não pensou duas vezes. Nascia, assim, o Pacato, localizado no Lourdes. “O restaurante nasceu da falta de representação da culinária mineira na cidade. Precisávamos trazê-la de volta ao cenário nacional”, justifica.


Um ano depois, a revitalização de um ponto central da cidade lhe chamou atenção. A retomada da Praça Raul Soares trouxe um novo olhar para o Centro. “Sempre gostei dessa visão do Centro como um lugar de mistura. Meu primeiro emprego quando voltei para BH foi de office boy, então conheço todas as ruas e tenho muito carinho pela região. Quando surgiu a oportunidade de abrir um bar na galeria São Vicente, em frente à praça, foi quase destino”, acredita.

 


Na sacada da galeria instalou-se o Pirex, um bar que, com uma informalidade charmosa e petiscos deliciosos, logo conquistou espaço, não só na vida dos belo-horizontinos, mas também no coração dos turistas.


Mas Vitor não parou por aí. Uma nova proposta logo encontrou o amante de hambúrgueres e comida de rua. A hamburgueria Nimbos estava em apuros, operando apenas por delivery e quase fechando as portas. “Eu e minha esposa recebemos um convite para conhecer e, por coincidência, já tínhamos ouvido falar que eles vendiam o melhor hambúrguer da cidade. No mesmo dia, fomos conhecer. Quando demos a primeira mordida, falamos: é ele, o melhor hambúrguer que já comemos em Belo Horizonte”, enfatiza o sócio.

 

Na sacada da Galeria São Vicente, o Pirex logo conquistou espaço, não só na vida dos belo-horizontinos, mas também no coração dos turistas

Na sacada da Galeria São Vicente, o Pirex logo conquistou espaço, não só na vida dos belo-horizontinos, mas também no coração dos turistas

Victor Schwaner/Divulgação
 


A partir dali, o restaurateur encontrou uma forma de reviver o negócio e trazer o Nimbos de volta em um ponto icônico da cidade, na Avenida Brasil com a Rua Sergipe, próximo à Praça da Liberdade. Era importante para o modelo do negócio manter a coluna dorsal da antiga marca, a força da identidade, a história e apresentar uma cultura criativa para implementá-la no contexto atual, trazendo-a “de volta para o futuro”. A hamburgueria repaginada virou um “bar de calçada” com laser colorido na copa da árvore, mesa na rua, música, coquetéis, hambúrguer e copo lagoinha.

 

Espaço para todos


No cenário atual, Vitor Velloso percebe uma geração de empreendedores com apetite para inovação, mas ainda carregando velhos desafios. “Percebo um radar atento para o que é tendência, uma vontade de inovar e tentar coisas novas. Hoje temos restaurantes que misturam diversas culinárias, temos mais gana”, diz.

 

Repaginada, a hamburgueria virou um 'bar de calçada' com laser colorido na copa da árvore, mesa na rua, música, coquetéis, hambúrguer e copo lagoinha

Repaginada, a hamburgueria virou um 'bar de calçada' com laser colorido na copa da árvore, mesa na rua, música, coquetéis, hambúrguer e copo lagoinha

Victor Schwaner/Divulgação
 


Por outro lado, o empresário vê a tradicional desconfiança mineira e um traço de competitividade, o que dificulta a criação de uma cena unida. “O belo-horizontino é muito fanático pela cidade e defende a capital dos bares, mas, às vezes, os negócios estão disputando entre si e não percebem que têm lugar para todos. Em BH temos potência, mas nos esbarramos em nós mesmos”, aponta.


O sócio, no entanto, está determinado a quebrar esse ciclo. “Se eu conseguir, nessa geração, fazer algo para sermos mais unidos e construirmos uma cena gastronômica mundial, minha missão estará cumprida”, finaliza.

 


Diferentes horizontes



Formado em design gráfico, Rafael Quick, de 36 anos, sempre quis empreender e impactar positivamente a cidade. Natural de Belo Horizonte, ele se mudou para São Paulo e trabalhou em revistas como Superinteressante e Galileu. Mas logo foi parar no interior do Paraná, onde seus olhos se abriram para outra área.

 

'Quanto mais parecido o mundo fica, mais valor tem o que é único' Rafael Quick, do Grupo Viela

'Quanto mais parecido o mundo fica, mais valor tem o que é único' Rafael Quick, do Grupo Viela

Grupo Viela/Divulgação
 


“Tive contato com uma cidade que ainda tinha um caráter de memória muito vivo, era tudo muito tradicional. Lá ainda tinha muita mercearia ativa, muito botequim bem-cuidado. Aquilo mexeu comigo, porque em BH e SP isso fez parte da minha rotina, mas senti que esses espaços começaram a desaparecer”, recorda.


A existência de comércios simples e autênticos sensibilizou Rafael e ele logo retornou à capital mineira. “Nessa época, dois amigos queriam abrir uma cervejaria em BH e me chamaram para fazer o projeto gráfico. Sempre gostei da boemia em geral e topei entrar como sócio”, conta.


Assim foi fundada a Cervejaria Viela, que, no começo, vendia a bebida para outros estabelecimentos. Até que o imóvel onde funcionava a fábrica abriu para aluguel. Na esquina ficava o Juramento 202, que, no passado, era uma mercearia. “O espaço é autêntico e veio ao encontro do nosso desejo de abrir um boteco simples com identidade mineira”, destaca.

 


Rapidamente, o público colocou o boca a boca para funcionar: boa cerveja e boa comida na Rua Juramento, número 202. O que era uma pequena extensão da cervejaria transbordou para uma das calçadas mais ocupadas da capital. Para embalar os dias e noites do “Jura”, como é popularmente chamado, o ambiente também é regado a samba e sucessos da MPB.

 

Lugar central


Pioneiro na ocupação do segundo andar do Mercado Novo, no hipercentro, o Cozinha Tupis foi inaugurado na sequência. “É um lugar central, acessível, fácil de chegar e tinha uma história pouco conhecida, estava abandonado”, comenta.

 

Com vista para o Centro de BH, a pizzaria Forno da Saudade ocupa uma praça que estava 'invisível'

Com vista para o Centro de BH, a pizzaria Forno da Saudade ocupa uma praça que estava 'invisível'

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
 


De lugar esquecido a destino gastronômico, o Mercado Novo começou a atrair os olhares de moradores e turistas. “O que vem de fora sempre pautou a tendência. Agora, estamos em um momento de relevância cultural, de olhar a tradição em busca de identidade própria. Quanto mais parecido o mundo fica, mais valor tem o que é único”, afirma Rafael.


O empresário diz que encontrou uma maneira de ocupar a cidade resgatando a identidade de cada pedaço. “A ideia é menos sobre o lugar da vez e mais sobre conhecer os diferentes horizontes.” Sócio do Grupo Viela, Rafael também comanda o Café Jetiboca, no Mercado Novo, a Casa Alvorada, no Santa Efigênia, e o Forno da Saudade, no Carlos Prates, outro exemplo de reocupação de espaços “esquecidos”.


Comer e se divertir


“Entreter é o meu negócio”. É o que diz o empresário Pedro Lobo, de 39 anos, que há 20 começou sua carreira como produtor de eventos na boate Na Sala e depois criou sua própria casa noturna, batizada como Secreto. Mesmo com o sucesso no ramo de entretenimento, a gastronomia estava à espreita.

 

À frente de cinco casas, Pedro Lobo não imaginou que anteciparia tanto os planos de aposentadoria

À frente de cinco casas, Pedro Lobo não imaginou que anteciparia tanto os planos de aposentadoria

Bárbara Dutra/Divulgação
 


O primeiro contato de Pedro com a cozinha foi no bar Tikal, em Nova Lima, na Grande BH. “Foi quando me encantei pelo mercado”, ele revela, lembrando como, de forma quase orgânica, a ideia de um restaurante como plano de aposentadoria chegou antes do que esperava e se transformou em algo muito maior. “Meu plano, para quando saísse do setor de produção, era ter apenas um restaurante, não imaginava que hoje já teria cinco”. O empresário está à frente das casas Montê Bar, Tatu Bola, Nino, Ninetto e o recém-inaugurado Terraço Niê.


Pedro encontrou nos restaurantes uma forma de manter sua filosofia de entretenimento. “Como vim de uma experiência com shows, gosto de entregar um pouco de diversão além da cozinha”, expõe. Por esta razão, o empresário fica por conta da curadoria cultural e musical de cada ambiente. “Vejo que o público quer algo que vá além da gastronomia, um entretenimento que vá além da mesa. Ter uma curadoria e uma programação fazem a diferença”, acredita.

 


Essa premissa se relaciona com a história e a estética de cada lugar. A exemplo, Pedro cita o Montê e o Terraço Niê, ambos em casas tombadas pelo patrimônio. “Primeiro nós vamos atrás do imóvel, depois fazemos uma pesquisa sobre a história e criamos o restaurante ou bar baseado na herança local, respeitando o projeto arquitetônico original”, descreve.

 

Bolinho de carne com vinagrete de abacaxi: o cardápio do Montê é inspirado na história de Belo Horizonte

Bolinho de carne com vinagrete de abacaxi: o cardápio do Montê é inspirado na história de Belo Horizonte

Francisco Dumont/Divulgação
 


O Montê está situado na Praça da Estação, no Centro, palco de inúmeros movimentos culturais e populares da cidade. Por essa influência, o bar é uma casa festiva e dançante.


Já o Terraço Niê fica no Edifício P7 Criativo, prédio projetado por Oscar Niemeyer e que carrega a sofisticação do arquiteto. “Fizemos uma pesquisa sobre a vida boêmia do artista e com base nisso criamos a estética do restaurante. Todo sábado, por exemplo, tem show de bossa-nova ao pôr do sol”, destaca. Além disso, cada prato do menu, elaborado pelo chef Victor Zuliani, é inspirado na culinária dos países onde Niemeyer deixou sua marca, como Itália, França, Brasil, Argélia, Portugal e Líbano.

 

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Gestão profissional


A palavra francesa restaurateur vem do latim restaurator, que se deriva do verbo restaurare. É usada para se referir ao profissional que abre e administra um ou mais restaurantes. A função se relaciona diretamente com o significado de “restaurar”, ou seja, garantir que os clientes saiam felizes e satisfeitos de uma experiência ao redor da mesa. O restaurateur tem uma visão estratégica do negócio e está sempre atento em busca de inovação.

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino