Além de refúgio para fãs de fantasia e histórias épicas, os bares temáticos medievais atraem curiosos que buscam mergulhar em um universo de imaginação. A tendência, que nasceu forte na Europa, vem ganhando espaço em países como o Brasil, onde estabelecimentos com essa temática se espalham por grandes centros urbanos, como Belo Horizonte.
O contexto medieval não se limita apenas ao visual: há drinques servidos em cálices rústicos, pratos inspirados na cozinha da Idade Média e até eventos como as noites de dardos e arremesso de machados.
Com decorações detalhadas que remetem a tavernas antigas e cardápios repletos de referências, muitos desses bares trazem versões modernas de pratos que eram comumente servidos em festas medievais. Pães rústicos, carnes preparadas com especiarias, hidromel artesanal e cervejas exclusivas são alguns itens que se destacam. Em um mercado culinário cada vez mais competitivo, a criatividade e a imersão se tornaram a chave para conquistar novos clientes.
A ideia do projeto da Taverna Ficker nasceu do vínculo de Cassiane Ficker com um ofício de família herdado por seu marido Thomas, pertencente à terceira geração de ferreiros na família. A empresa nasceu como “Ficker Forja e Cutelaria” por esse motivo, em setembro de 2019. “Nessa primeira fase, o negócio era a produção de peças forjadas na linha de decoração e de cutelaria”, explica Cassiane.
Conhecida como a arte de moldar os metais para a produção de variados objetos e ferramentas, a forjaria está na família de Thomas desde quando seu avô, Carlos, imigrante alemão, abriu uma forjaria, mas foi impedido de dar continuidade pelo governo brasileiro por conta da Segunda Guerra Mundial. Em 1970, seu filho, Holger, decidiu reabrir o negócio por possuir grande parte do maquinário do pai e o conhecimento das técnicas necessárias.
Depois de dar continuidade ao ofício, o casal, que já gostava de história, cinema e séries de TV, começou a participar de feiras e festivais no tema medieval. O primeiro evento foi o “Prosa Cortante” em Santa Rita de Ouro Preto, distrito de Ouro Preto.
Ao participar de uma feira de cutelaria em junho de 2022, Cassiane e Thomas se encantaram com o clima descolado e ao mesmo tempo rústico do Mercado Novo, local que sediava o evento. Dessa forma, surgiu o desejo de comprar uma loja para montar um showroom de objetos com essa temática, inaugurada em dezembro do mesmo ano. Praticamente um ano depois, no dia 7 de dezembro de 2023, nasceu a ideia de criar um “espaço temático medieval”.
Além do ambiente conferido pelo Mercado Novo, no momento de fazer a reforma da loja, Cassiane buscou usar cerâmica com desenho e cor de madeira, ferro forjado e escudos feitos com inspiração em séries e filmes que conversam com o tema.
Pesquisa histórica
O cardápio foi elaborado com base em pesquisa histórica, o que se comia e bebia naquele momento, e em livros como “Banquete de gelo e fogo” (da série literária Game Of Thrones) e o “Livro de receitas de Harry Potter”. O sanduíche de carne do porco feito com pão ciabatta de fermentação natural, tostado na manteiga com queijo e molho da casa é uma opção, mas o favorito do público são as carnes assadas.
“Foi necessário fazer adaptações devido aos tipos de carne e cortes consumidos no período medieval, no qual a maior parte da alimentação era de caça e pesca. Hoje temos a produção industrial. Naquele período, era muito comum que se consumisse tudo de um animal, como as tripas, por exemplo, e a população hoje em dia não aceitaria esse tipo de prato”, conta a proprietária.
As carnes da casa são temperadas com ervas e especiarias e marinadas por, no mínimo, 24 horas com temperos como cravo, gengibre, alecrim, tomilho, vinho e cerveja.
Em relação às bebidas, o carro-chefe é o hidromel (nos tipos Futhark, Ferroada e Havamal), bebida mais antiga de que se tem conhecimento, de seis a oito mil anos, mais velha do que o vinho e a cerveja. O local também serve chope artesanal e chope de vinho (Hoog Bier), uma mistura de chope com vinho.
Ideia em expansão
O público é composto por amantes e frequentadores de espaços do tema, mas também por pessoas que são conquistadas pelo cheiro das carnes assando que paira pelos corredores do terceiro andar do mercado, assim como pelas músicas alegres que tocam na taverna.
“Nossos clientes elogiam bastante a tranquilidade. Temos mesas e cadeiras disponíveis que convidam as pessoas a se sentar para jogar Batalha Naval ou Sprouts com os papéis e canetas disponíveis nas mesas. O sino que é tocado toda vez que alguém toma hidromel também é muito convidativo”, diz Cassiane.
O “Experience Day”, projeto elaborado pela dupla para trazer uma maior imersão ao universo medieval, é realizado em Santa Luzia, na Grande BH. “É um programa de aproximadamente oito horas para confecção de uma lâmina tipo faca de cozinha ou outro objeto de ferro, com nosso acompanhamento técnico ao longo do percurso”, explica.
No momento, o casal planeja expandir mais negócios para Santa Luzia. “Inauguraremos em 2025 a Vila Ficker, casa de artes, cultura e ofícios no centro histórico”, revela.
Não é só comida
A Forja surgiu pela paixão do dono, Igor Cruz, por história e pelo período medieval: “Venho de uma família com tradição na área da gastronomia. Meu pai já teve um restaurante e meu irmão possui um negócio em Caraíva. Por ser formado em administração, juntei esse amor com o meu ramo de trabalho.”
Por meio de muita pesquisa e conhecimento adquirido enquanto morou na Europa, Igor se inspirou nos castelos, tavernas e igrejas que visitava. O nome Forja vem devido à ligação com essas diversas civilizações: “É o elo que a gente encontrou nesses mil anos de período medieval. Toda a civilização tinha uma forja, um ferreiro e, em vez de forjar ferro, a gente forja comida e experiências!”.
A decoração contém itens utilizados na época, como espadas, machados, escudos, caneca de madeira e louças de pedra remetendo aos povos como as bandeiras de vários impérios. “Queremos sair da ideia da época medieval ser só voltado para Inglaterra e França, da cavalaria clássica. As comidas, bebidas e decoração vão desde a Escandinávia até a Mongólia”, conta.
Músicas da época e apresentações com bobo da corte e show de pirofagia ajudam a entrar no clima. “A gente tenta emergir o cliente com músicas ao vivo, com o nosso bardo tocando canções da época, junto com a apresentação de pirofagia, nosso ator fazendo papel de bobo da corte, entre outros personagens. Temos até um instante de arremesso de machado para a pessoa interagir também”, explica.
Releituras no menu
O cardápio, tanto de comidas quanto de drinques, é inspirado em receitas antigas, como o Bife de Apicius, o steak mais antigo do mundo, ao molho romano com batatas rústicas fritas, e o drinque Amoramela, de hidromel com frutas vermelhas.
Os únicos ingredientes utilizados para compor o cardápio que a população não tinha acesso na época são tomate, batata e chocolate. Algumas releituras compõem o menu: “Pegamos o cozido tradicional irlandês na cerveja preta e transformamos em um bolinho, o Croquete Irlandês.”
Segundo Igor, o principal desafio é despertar o interesse e o desejo do cliente em conhecer pratos novos, comidas com temperos diferentes e fazê-lo retornar para ter outras experiências: “A gente tenta não ser apenas um bar temático. O nosso objetivo é a experiência, fazer o cliente provar comidas da época, bebidas, comer com a nossa louça de pedra e nossas canecas de madeira. Queremos fazer com que a pessoa realmente se sinta como se estivesse na Idade Média.”
Terra da imaginação
Fundador do Terra Média Experience, Victor Cabral revela que o gosto pelo mundo medieval veio da época em que jogava RPG. “RPG é um formato de jogo em que você inventa um personagem e vai vivendo a vida dele. Sou apaixonado desde criança!”
Victor explica que o nome do restaurante se deve ao universo onde se passa a história de “O Hobbit”, primeiro livro que ele leu na infância, antecessor da trilogia “O Senhor dos Anéis”. “Sou engenheiro de formação. Morava na Bahia até três anos atrás, mas passei por questões pessoais e tive que voltar para Belo Horizonte, para a minha casa. Sempre gostei de cozinhar e desse universo medieval, então resolvi unir o útil ao agradável e tive a inspiração para o restaurante”, conta.
Para a ambientação, surgiu a ideia de uma taverna medieval: “Esse espaço era como se fosse a boate de hoje em dia! Era um barzinho onde as pessoas bebiam, confraternizavam, tinham reuniões... Usei o que conhecia de 'Senhor dos Anéis' e de história, me juntei com a minha esposa, que era arquiteta, e colocamos tudo em prática, incorporando os elementos”.
Os pratos mesclam referências do passado com itens das terras mineiras. O hambúrguer Arwen, por exemplo, tem pão de brioche, 150g de blend bovino, casquinha de queijo minas, barbecue de goiabada e farofa de bacon.
“Vendemos as porções com um toque mineiro – torresmo, couve e ovo frito. Gosto dessa questão dos talheres, dos copos e dos pratos de pedra e de madeira da Idade Média, então fiz essa união. Pego coisas de que todo mundo gosta e tem vontade de comer e preparo em utensílios que as pessoas da época usavam”. Além dos materiais, todos os nomes de pratos são baseados em personagens do mundo de “Senhor dos Anéis”. Para beber, a cerveja e o hidromel continuam em destaque: “Com o hidromel é possível fazer alguns drinques ou beber puro, na garrafa”, diz.
O perfil dos clientes é misturado: “Mesmo sendo um lugar temático, é muito agradável e gera curiosidade. Como é um lugar interativo, onde é possível tirar fotos legais, todos os públicos, principalmente crianças e fãs do universo medieval, se divertem.”
Experiência interativa
No Terra Média Experience, as interações acontecem até na hora de servir. Exemplo disso é o torresmo de rolo, que é partido direto com um machado na mesa do cliente. As pessoas também podem tirar fotos com as espadas, interagir com funcionários que se vestem como personagens que brincam e cantam e participar de eventos específicos em datas especiais, como Halloween, Oktoberfest e a Festa Irlandesa (que ocorre em março).
Para Victor, o principal desafio é a questão dos valores de insumos como carne, trigo, pão e cerveja. “Escolho os melhores produtos, das melhores marcas, mas às vezes não consigo colocar isso para o cliente, porque fica um valor muito pesado”.
Apesar dos momentos difíceis, ele reflete: “Tudo é feito com carinho, isso é a minha vida. Tento contratar sempre pessoas que gostam do que estão fazendo, então acho que o que nos diferencia é a nossa qualidade e o amor pelo que fazemos.”
Diversão garantida
No BarDo Folk, negócio fundado por Daniel Maia, a inspiração veio principalmente dos vikings e de jogos que se passam em contextos medievais, como o Skyrim. “A decoração e a ambientação foram baseadas no que vemos em filmes fantasiosos e jogos, então a maioria das coisas são rústicas e antigas”, explica.
A mitologia nórdica, da região chamada de Escandinávia (atual Islândia, Noruega, Finlândia e Suécia), é o principal fio condutor de toda a temática do bar. “Para o menu, nós temos vários tipos de hidromel, em garrafas, drinques e shots, além da cozinha, que tem o foco em hambúrgueres, porque os pratos da época utilizavam produtos difíceis de encontrar e não tão usuais da nossa cultura, como o coelho e o cordeiro”, explica.
Uma das opções é o Uppsala, blend de costelinha de porco acompanhado de molho barbecue da casa, bacon, molho de salsa com compota de maçã e queijo.
Os clientes, em sua grande maioria, são os fãs da cultura medieval e nórdica, além das pessoas ligadas aos jogos e às experiências imersivas fornecidas pela casa.
“Temos arco e flecha, arremesso de machado, dardos, quiz com a temática da Idade Média… São experiências que normalmente não se encontra em outros lugares tradicionais e aqui são gratuitas. Além da experiência musical, com músicas voltadas para o folk, gênero que tem origem nas canções populares dos camponeses, transmitidas de geração em geração oralmente”, conta.
A ideia é que a pessoa interaja tanto com o ambiente quanto com as outras pessoas que estão no local: “Até a pessoa que vem sozinha consegue interagir com todo mundo, saindo da proposta de ficar somente na própria mesa. Queremos que ela fique livre para circular aqui dentro.”
Dois mil anos
A Idade Média é um período histórico que se estende aproximadamente do século 5 ao 15, delimitado pela queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C. Esse intervalo de tempo, que compreendeu cerca de mil anos, foi caracterizado pela forte influência da Igreja Católica na sociedade, profundas transformações sociais, a formação do sistema feudal e a consolidação dos reinos bárbaros. A cultura medieval mesclou tradições romanas, germânicas e cristãs, dando origem a várias manifestações artísticas e intelectuais.
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Serviço
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*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino