NA BOCA E NO CORAÇÃO

Ícones gastronômicos mantêm viva memória de Belo Horizonte

Receitas clássicas ou mesmo modernas são parte estrutural da alma da capital mineira

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Uma coisa não dá para negar: o mineiro sabe comer bem! Não importa se está em casa, no bar, restaurante ou lanchonete, há sempre uma comida maravilhosa sendo preparada por ou para ele. A gastronomia, afinal, é parte fundamental da construção da identidade mineira e, claro, belo-horizontina.


Não por acaso, a capital de Minas Gerais foi reconhecida como Cidade Criativa da Gastronomia, pela Unesco. Belo Horizonte é de fato uma cidade que respira culinária, seja por meio de clássicos preservados ou reinventados, de petiscos de botecos espalhados pelas regiões da capital ou pratos sofisticados de restaurantes de alta gastronomia.


Do torresmo com cerveja ao suflê com vinho, BH oferece opções para todos os gostos e vai muito além do cafézinho com pão de queijo, combinação que não deixa de ser um ícone do estado.


Belo Horizonte em quatro letras

Cada uma das quatro letras que compõem o Kaol (R$34) são, de certa forma, um retrato de Minas e da vida boêmia de Belo Horizonte. Batizado na década de 50, o prato é o único disponível no cardápio do Café Palhares, administrado na época por João Ferreira, mais conhecido como Seu Neném. O nome Kaol faz referência aos componentes do prato, o arroz, o ovo e a linguiça. O ‘K’ poderia ser na verdade um ‘C’, já que diz respeito à cachaça que acompanhava o prato para abrir o apetite dos consumidores.


André Palhares, neto de Seu Neném à frente do estabelecimento há cinco anos, explica que a escolha do ‘K’, entretanto, foi feita pelo compositor Rômulo Paes, que, além de criar a própria sigla que denomina o prato junto com João Ferreira, optou pela troca. “Segundo ele era para dar mais pompa ao prato”, explica Palhares.


Inicialmente, o estabelecimento não era um bar, mas sim uma quitanda, e funcionava de domingo a domingo, 24h por dia. O local era famoso pelo cachorro-quente, composto por uma linguiça que cozinhava em um saboroso molho. Foram os funcionários da quitanda que criaram a primeira versão do Kaol, para consumo próprio. Aqueles que trabalhavam no turno da madrugada faziam arroz, ovo e serviam com a linguiça e o molho do cachorro-quente.


Não demorou muito para que os frequentadores começassem a pedir aquele prato, segundo André. A partir de então, o sucesso e a demanda só aumentaram. “Depois da década de 50, quando o Kaol ganhou fama, a gente só teve o ele no cardápio, nunca teve outro prato”, completa.
O cliente pode, no entanto, escolher o Kaol clássico com linguiça, ou mesmo versões do prato com pernil, língua de boi, dobradinha ou carne cozida. Hoje, segundo o administrador da casa, são servidos entre 420 e 450 pratos diariamente.


Durante os anos, essa iguaria mineira ganhou alguns complementos até chegar ao que é servido hoje. A couve foi acrescentada ao prato na década de 60; a farofa de feijão, na década de 80 e o torresmo, na década de 90. A receita dos demais componentes permanece a mesma, segundo Palhares, que ressalta a importância de Seu Wenceslau, cozinheiro que trabalhou no Café Palhares desde a inauguração da casa, em 1938 até 2002, para a fama e reconhecimento do prato. “Ter tido essa dupla do Seu Wenceslau com o meu avô durante quase 70 anos foi a grande chave de sucesso”, ressalta.

 

Da França para Minas

Os suflês do Taste-Vin, embora sejam uma receita clássica francesa, são referência na cidade desde 1988, quando o restaurante foi inaugurado. Com cerca de 1.5 mil suflês servidos em um único mês no último ano, o restaurante prova que o prato é também, de fato, um clássico de Belo Horizonte.
A iguaria pode ser degustada como entrada para compartilhar, acompanhamento para, por exemplo, os deliciosos filés servidos na casa ou mesmo como prato principal. No cardápio, o cliente encontra mais de dez tipos de suflê, fora as duas opções doces.

Suflê de queijo do Taste-Vin
O suflê de queijo gruyère é um dos mais pedidos no restaurante Taste-Vin Rafael Motta / Divulgação


As inspirações por trás desse prato que conquistou o paladar dos belo-horizontinos vem de diferentes lugares. Rodrigo Fonseca, chef e sócio do estabelecimento, conta que o restaurante ‘Marcel’ que frequentava em São Paulo foi uma das inspirações para a fundação do Taste-Vin. “Era um bistrô bem típico francês, o dono era francês e a especialidade desse restaurante eram os suflês”, conta.


Foi a partir das visitas que realizou ao restaurante que Rodrigo pensou em abrir em Belo Horizonte um estabelecimento também especializado na iguaria. Até hoje, os suflês inspirados no bistrô francês são sucesso na casa comandada por Fonseca. O suflê Taste-Vin (R$132) não carrega o nome do restaurante à toa, composto por camarões, champignon de paris e queijo gruyère, é o mais pedido da casa e está no cardápio desde a inauguração.


O clássico suflê de queijo gruyère (R$106) disputa o posto de mais requisitado da casa e acompanhou o desenvolvimento do restaurante desde sua fundação, segundo Rodrigo. O de queijo Serra do Salitre (R$98) não fica para trás. Fruto da mistura entre França e Minas Gerais, o prato que está no cardápio há cerca de sete anos, e também está na lista dos mais desejados pelos clientes.


Rodrigo explica que conheceu o queijo Serra do Salitre por meio de um casal de clientes que o presenteou com o item. “Eu gostei bastante do queijo, ele é muito semelhante a um queijo canastra tradicional e falei, deixa eu ver se eu faço um soufflé, mas para incrementar um pouco mais, resolvi colocar pimenta dedo-de-moça nesse suflê de queijo Serra do Salitre. E a combinação ficou muito boa”, pontua.


Clássico do fim de noite

O espaguete à bolonhesa mais tradicional da cidade fica no Bairro de Santa Tereza, Região Leste de BH. Há mais de 60 anos, o Bolão vende o prato desde o horário do almoço até a madrugada. Carlos Henrique Rocha, sócio-proprietário do restaurante há 11 anos, conta que o espaguete à bolonhesa é um sucesso desde a inauguração.


A avó, o avô e o tio de Carlos, o Bolão, foram os responsáveis pela fundação do Bar do Bolão, em 1961, momento em que o espaguete era a única opção disponível no cardápio. “Era só um prato e tinha uns salgados, que minha avó fazia em casa”, comenta.

espaguete à bolonhesa
O espaguete à bolonhesa é vendido do almoço até a madrugada Marcos Vieira/EM/D.A Press


O espaguete à bolonhesa (R$35) também fez parte da infância de Rocha e de memórias da família. Ele conta que, em seus 23 anos de trabalho no Bolão, sempre ouviu falar do prato. Hoje, sua tia de 91 anos costuma cozinhar esse icônico prato nos almoços de domingo da família, diz Carlos.


Com toda fama e tradição, o espaguete do Bolão ultrapassou as barreiras da rota de gastronomia de Belo Horizonte e atingiu o patamar de roteiro turístico. “A gente fica muito orgulhoso, porque hoje Belo Horizonte é a capital gastronômica, e nesse meio a gente se inclui”, conta Carlos.


Quem experimenta o espaguete do bolão também prova a receita que passou por gerações e que, até hoje, passa pelas mãos de Márcia Rocha, mãe de Carlos. Com seus 70 anos, Márcia ainda comanda todos os dias a cozinha do Bolão, inclusive aos fins de semana, quando fica no local até as 4 horas da manhã.


A voz dos clientes é a voz da razão

Em plena Região da Savassi, no coração de BH, a Casa dos Contos serve, desde a década de 60, o Filé Surprise (R$ 225,90). O prato, reconhecido pela tradição e fartura, é composto por filé empanado recheado com presunto e muçarela, banana empanada, batata frita, ovos fritos e arroz à piamontese.

Filé Surprise
Original da década de 60, o Filé Surprise é um clássico do restaurante Casa dos Contos Casa dos Contos/ Divulgação


O supervisor do estabelecimento, Antônio Mourão, mais conhecido pelo sobrenome, conta que o prato nem sempre foi assim. Segundo Mourão, que tem mais de 12 anos de história somente na Casa dos Contos, o arroz que acompanhava o filé era, na verdade, uma espécie de arroz de forno.


Os clientes, porém, pediam com muita frequência para que o arroz fosse trocado pelo arroz à piamontese, que também já era um sucesso na casa. Com isso, não demorou muito para que esse tipo de arroz tão amado substituísse o antigo. “Os clientes ajudaram a criar o prato, é por isso que acho que ficou tão famoso em Belo Horizonte, você fala em Casa dos Contos e já falam em Filé Surprise”, ressalta Mourão.
Hoje, o prato é o mais pedido no salão e também no delivery. No horário do almoço aos domingos são servidos entre 80 e 100 Filés Surprise, em média, de acordo com Mourão. O número se torna ainda mais impactante, afinal, o prato farto serve no mínimo três pessoas. “O sucesso realmente é impressionante”, comenta o supervisor.

Da chapa para o roteiro turístico de BH

Há 21 anos, Eliza Cristina Fonseca, mais conhecida como Lora, assumiu o bar do seu pai no Mercado Central. Na época, uma mulher por trás de um bar era algo inédito e gerou críticas à proprietária. “No mercado não tinha nenhuma mulher que trabalhava em bar, nem como funcionária e nem como proprietária, então fui muito criticada”, diz Lora.


A proprietária conta que desde que entrou no negócio, o fígado com jiló (R$49) já era sucesso. Naquele momento eram comercializados apenas o fígado, pernil e linguiça. Hoje, já com o cardápio maior, o prato continua sendo o protagonista do bar. Segundo Lora, o estabelecimento utiliza entre 200 e 250kg de fígado por semana. Eliza explica ainda uma espécie de lenda por trás da criação dessa combinação tão amada pelos belo-horizontinos.

 

Fígado com jiló

o Bar da Lora serve o tradicional fígado com jiló em três endereços

Bar da Lora/ Divulgação


Há muitos anos, quando o Mercado Central ainda era descoberto, o local já era responsável por grande parte do abastecimento da capital. Segundo Lora, quando chegavam caminhões carregados, o pessoal que frequentava o local pegava jilós que caíam e pediam uma carne no açougue para comer com o alimento. O fígado, por ser uma carne mais barata no momento, era então dado a quem pedia.


Os chapeiros de bares do Mercado passaram a preparar o prato a pedido dessas pessoas e serviam para os clientes experimentarem. Como é de se imaginar, a combinação entre fígado e jiló conquistou o coração de quem provou e se tornou um clássico dos bares do Mercado Central e da capital mineira.


Embora não seja a única que trabalha com esse prato no Mercado, Lora compartilha o que acredita estar por trás do seu sucesso, além do uso de uma carne de qualidade cortada bem fininha: “Eu coloco amor, tudo que a gente coloca amor fica mais gostoso”, diz.


Doces memórias

Que a gastronomia e o paladar estão relacionados à memória e à tradição não é novidade. A banana flambada com sorvete (R$25) servida no restaurante do Automóvel Clube de Minas Gerais desde a década de 50, é prova disso. À frente da cozinha do local há quase 25 anos, Nélio Eustáquio Rezende, ressalta o valor nostálgico desse e de outros pratos servidos lá. “Já tivemos história de cliente que derramou até uma lágrima ao comer um prato”, diz, relembrando quando memórias dos avós da cliente foram recordadas através de um prato servido no restaurante.

Banana flambada com sorvete
A banana flambada com sorvete é preparada ao lado do cliente Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press


Não é difícil, segundo Nélio, encontrar entre os frequentadores do restaurante, pessoas em busca do cardápio servido no casamento delas, ou avós levando seus netos para conhecer o clássico restaurante que frequentavam. O chef destaca também que todo o conhecimento de dentro da cozinha do Automóvel Clube é repassado para manter viva a tradição do local e dos pratos que são servidos da mesma forma há décadas. “Eu tenho certeza que o dia que eu não estiver aqui, vou passar essa técnica para o próximo que vier para que possa continuar sendo um clássico do Automóvel Clube”, completa Nélio.


Uma das sobremesas mais marcantes da história do restaurante é a banana flambada com sorvete. Preparada ao lado do cliente, ela é resultado de um espetáculo para comer com os olhos. Atualmente, o estabelecimento funciona durante o almoço nos dias de semana e sob demanda aos sábados. Por não estar no cardápio executivo, quem quiser relembrar bons momentos com o prato ou simplesmente experimentar essa sobremesa icônica de BH deve fazer uma pré-reserva do item um dia antes. 

Anote a receita: Banana flambada com sorvete (Restaurante do Automóvel Clube)

Ingredientes:

  • 2 bananas caturras maduras;
  • 2 bolas de sorvete de creme;
  • 4 colheres de açúcar;
  • 1 colher de manteiga;
  • 200ml de suco natural de laranja;
  • 1 concha pequena (tipo de molho) ou colher de sopa de Cointreau

Modo de fazer:

Coloque a manteiga e o açúcar para derreter em uma frigideira até que adquira uma tonalidade
dourada. Em seguida, coloque o suco e deixe reduzir até que a calda atinja o ponto de fio. Coloque
as bananas para cozinhar na calda e sirva com sorvete. Em seguida, para flambar, coloque a
pequena concha com Cointreau para inflamar e despeje por cima do sorvete.

Serviço

Café Palhares


Rua dos Tupinambás, 638, Centro


(31) 3201-1841


De segunda a quinta, das 8h às 17h
Sexta das 8h às 19h
Sábado das 8h às 16h


Taste-Vin


Rua Curitiba, 2105, Lourdes


(31) 3292-5423


Segunda e terça das 19h às 23h
Quarta das 19h às 23h30
Quinta e sexta das 19h até 00h
sábado das 12h30 às 16h e das 19h às 23h30


Bolão


Praça Duque de Caxias, 288, Santa Tereza


(31) 3463-0719


Segunda a quinta das 11h às 01h
Sexta e sábado das 11h às 04h
Domingo das 11h às 17h


Casa dos Contos


Rua Rio Grande do Norte, 1065, Savassi


(31) 3317-0144

Domingo a quinta,das 11h30 até 00h

Sexta e sábado das 11h30 até 2h


Bar da Lora (Mercado Central)


Rua Santa Catarina, 201 - Loja 115 - Centro


Segunda a sábado, das 9h às 18h
Domingo das 9h às 13h


Restaurante do Automóvel Clube


Avenida Afonso Pena, 1394, Centro

(31) 3222-5416


Segunda a sexta das 12h às 15h

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